O Grupo de Estudos do Iraque [1] apresentará amanhã quarta-feira, 6 de Dezembro, o seu relatório final – de uma centena de páginas – com as suas recomendações ao presidente Bush sobre como enfrentar a situação de crise em que vive a ocupação do Iraque, depois de os representantes dos partidos Democrata e Republicano que o integram terem chegado a um consenso, na passada quarta-feira [2]. Como resume um membro do Grupo, o relatório propõe uma estratégia para o Iraque de «[...] nem de sair a correr, nem de ficar». O documento final deixa bem claro que «[...] o envolvimento das tropas [estadunidenses no Iraque] não deve ser indefinido», mas elude tanto uma redução imediata dos seus efectivos, como um calendário específico de retirada, que também não se contempla como completa, considerações explicitamente recusadas pelo presidente Bush e pelo general John Abizaid, comandante em chefe do Comando Central dos EUA para o Médio Oriente e a Ásia Central, e que os membros republicanos do Grupo conseguiram impor finalmente.
Segundo o relatório do Grupo, a retirada das 15 Brigadas de combate que os EUA têm actualmente no Iraque deveria iniciar‑se em 2007 e alcançar no início de 2008 uma redução para metade dos efectivos actuais, isto é, até 70.000 soldados, uma continuidade que se define como «[...] significativa, [...] dado o carácter de forças incorporadas [embedded]» nas unidades iraquianas que terá este contingente, assinala um membro do Grupo de Estudos sobre o Iraque ao The Washington Post. Estes efectivos serão essencialmente de formação, assessoria e apoio da Guarda Nacional, o novo exército iraquiano, bem como unidades de mobilização rápida, todos eles estacionados nas bases que os EUA estão a construir no Iraque [3]. Actualmente, há no Iraque 5.000 assessores estadunidenses; o relatório do Grupo de Estudos propõe que se multipliquem por quatro, até 20.000.
A data indicada de início de 2008 para a redução para metade dos efectivos é considerada mais como «[...] um objectivo condicionado [à evolução da situação interna iraquiana] que um calendário fechado»; mas, ao estabelecê-la, o Grupo tentou tirar, se isso é possível, a questão iraquiana da primeira fase da campanha eleitoral para as presidenciais, algo que interessa a ambos os partidos [4]. O relatório não assinala se metade do contingente agora destinado no Iraque sairá da zona ou será estacionado em bases em países limítrofes para servir como apoio às tropas iraquianas e estadunidenses no Iraque em caso de emergência.
O conteúdo do relatório do Grupo de Estudos sobre o Iraque coincidirá essencialmente com as conclusões de outro relatório paralelo realizado por militares e encarregado pela Junta de Chefes de Estado Maior [5], que recomendará um incremento temporal de tropas estadunidenses no Iraque antes de uma redução posterior, bem como a mudança da sua funcionalidade de unidades combatentes para unidades de apoio, com uma continuidade no Iraque de entre cinco e 10 anos: é a opção denominada Go long, ainda assim uma opção intermédia entre as opções Go home e Go big. A primeira opção – sair já –, implicaria uma derrota estratégica para os EUA e o colapso imediato das instâncias colaboracionistas criadas nestes três anos e meio de ocupação, por meio das quais os EUA ainda esperam chegar a um domínio menos gravoso sobre o Iraque, já com o apoio obrigatório de regimes da zona; a segunda – ir mais além –, implicaria uma continuidade que a Administração Bush não se pode permitir, nem o Partido Democrata tolerar‑lhe, face às presidenciais de 2008, quando além do mais (como reconhecia o general Abizaid na sua ida ao Congresso no final de Novembro [6]) nem o Exército de Terra nem o Corpo de Marines dos EUA podem já contribuir para as guerras no Iraque e no Afeganistão com mais de 20.000 efectivos complementares e por um período de tempo limitado [7].
A opção feita tanto pelo Grupo de Estudos como pelo comité do Pentágono – menos combatentes, mais assessores – poderia parecer uma inversão da estratégia seguida no Vietname, mas abre de forma imediata a porta a um incremento da guerra no Iraque, como de facto está já a ocorrer no terreno nos primeiros dias de Dezembro»
MENSAGEM PARA AL-MALIKI
A mensagem oculta de ambos os informes é destinada, mais do que ao presidente Bush – a cujo reiterado lema de «acabar o trabalho» (sic) no Iraque se acomodam muito bem –, ao primeiro-ministro iraquiano al-Maliki, sobre quem se faz recair a tarefa de pôr de pé forças de segurança que possam assumir eficazmente o controle no Iraque, no sentido de que os sócios iraquianos dos ocupantes não podem esperar que estes continuem a proteger indefinidamente as instituições estabelecidas depois da invasão [8]. A consideração de que deve se incrementar o número de assessores estadunidenses e reduzir o de forças combatentes é também um ponto central do relatório elaborado pelo assessor de Segurança Nacional Stephan J. Hadley, apresentado em Novembro ao presidente Bush, memorando no qual se mostra uma demolidora imagem de al‑Maliki, «[...] nem capaz nem interessado» – assinala literalmente o relatório [9] – em pôr fim à escalada de violência sectária impulsionada pelos paramilitares das formações confessionais xiitas do seu próprio governo, às quais o próprio embaixador estadunidense no Iraque, Zalmay Jalilzad, atribui já 77% dos assassinatos de civis na capital [10].
Como se vê, a questão da redução e re-mobilização (não retirada) das tropas estadunidenses do Iraque continua a basear‑se no imprevisível factor da instauração dos novos aparatos policiais e militares iraquianos. No seu último relatório, Iraqi Forces Development and the Challenge of Civil War, de Novembro de 2006 [11], o analista do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington Anthony Cordesman acusa a Administração Bush de estar a manipular a informação sobre os novos corpos de segurança iraquianos, integrados já em teoria por 325.000 efectivos, mas ineficazes e desmotivados ou, o que é ainda pior, transformados em esquadrões da morte das organizações colaboracionistas curdas e xiitas, que alimentam, mais do que desactivam, a violência sectária. O então ainda secretário de Defesa Rumsfeld apresentou a 31 de Outubro uma proposta de dotação orçamental de mil milhões de dólares suplementares para duplicar esse número de efectivos iraquianos [12]. A previsão de que os EUA podem ter que permanecer no Iraque pelo menos mais 10 anos baseia‑se, precisamente, na estimativa mais pessimista de quando poderá o país contar com uma polícia e um exército eficazes na luta contra‑guerrilheira, ou capaz de ter um mínimo verrniz democrático. Al-Maliki, por ocasião do seu complicado encontro com Bush em Amã de finais de Novembro [13], anunciou que os corpos de segurança iraquianos estarão prontos em Junho de 2007 [14], algo que nenhum comando militar estadunidense ou britânico no terreno pode tomar a sério. A ignorada “guerra civil” em províncias do centro e do sul do Iraque (viu-se pelo menos em Amara e Bassora) no seio do próprio campo colaboracionista xiita, entre diferentes milícias dentro e fora dos aparatos de segurança e do denominado Serviço de Protecção de Instalações [15], mostra a debilidade estrutural das previsões dos ocupantes, que praticamente, por uma razão ou outra, já não controlam, a não ser muito precariamente, algumas zonas do território iraquiano.
DIPLOMACIA E GUERRA
O relatório do Grupo de Estudos bipartidário não inclui, como se tinha adiantado, a possibilidade de um incremento temporário das forças estadunidenses no Iraque (de até 20.000 ou 30.000 soldados estadunidenses), como sim poderia incluir o relatório elaborado pelo Pentágono [16]. Contudo, tudo parece indicar que será inevitável, pelo menos entre 7.000 e 18.000 soldados inicialmente [17].
O Pentágono está a deslocar nestes dias para Bagdade mais efectivos (para já, 1.600 soldados [18]) de zonas menos conflituosas do país. Desde a passada sexta-feira, 1 de Dezembro, desenvolvem-se intensos combates no centro e em bairros da capital em operações contra‑insurgentes nas quais o Pentágono recorre ao bombardeamento a partir helicópteros Apache [19], e nas quais se respeitam os feudos dos paramilitares confessionais xiitas, como Medina as-Sader, onde os esquadrões da morte torturam, executam e abandonam em plena rua as suas vítimas. Ao mesmo tempo, os EUA estão a recorrer intensivamente ao bombardeamento aéreo de Ramadi, a capital da província de al-Anbar (um território de 1,25 milhões de habitantes, dado por perdido por oficiais do Corpo de Marines se não se incrementarem substancialmente os actuais 30.000 efectivos de ocupação ali mobilizados [20]) e de Baquba, situada a nordeste de Bagdade e capital da província de Diyala, actualmente sob controle da resistência, que cortou os acessos ao seu interior [21].
O incremento da guerra no Iraque e da violência sectária (3.709 civis mortos em Outubro, um aumento acima de 40% sobre este número em Novembro, sempre segundo dados oficiais [22]) terá que ver necessariamente com duas questões essenciais. A primeira, a recomendação feita pelo Grupo de Estudos do Iraque no seu relatório para que a Administração Bush abra conversações com a Síria e com o Irão com vista ao que se denomina a estabilização do Iraque, opção explicitamente apoiada pelo primeiro-ministro britânico Tony Blair. A segunda, segundo fontes oficiais estadunidenses, o encerramento por parte dos EUA da via da negociação com a resistência iraquiana. Vejamos uma e outra.
As chaves do processo de abertura de um diálogo entre os EUA e a Síria e o Irão estão bem estabelecidas de antemão. No caso do governo da Síria, o seu papel terá de ser particularmente infame: os EUA procurariam que o regime de Damasco barre a sua fronteira com o Iraque e limite os – já reduzidos – movimentos da resistência iraquiana na Síria a troco de que a Administração Bush anime Israel a iniciar uma negociação sobre a sua retirada dos Montes Golã e alivie a pressão sobre o regime de al-Asad, cujos serviços secretos são acusados de estar implicados nos assassinatos de Hariri e Gemayel [23]. Como antecipação de tudo isso, a Síria e o Iraque restabeleciam neste passado mês de Novembro relacionas diplomáticas, rompidas desde 1982, e o embaixador dos Negócios Estrangeiros sírio visitava imediatamente Bagdade para sancionar o passo dado, que significa, aliás, aceitar a ocupação do Iraque ao reconhecer as instituições impostas e tuteladas pelos invasores.
No que diz respeito ao Irão, não é de todo uma novidade a possibilidade de abertura de um diálogo com os EUA que, em torno da situação no Iraque, permita abordar outros temas e a normalização das relações bilaterais, algo que ambas as partes já tinham aceitado de forma matizada anteriormente e voltaram a fazê‑lo em várias ocasiões ao longo do mês de Novembro [24].
O Irão voltou a mostrar o seu inquestionável papel regional com o convite do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad aos seus homólogos sírio e iraquiano para um cimeira tripartida a 25 e 26 de Novembro para falar sobre o Iraque, à qual finalmente só acudiu Jalal Talabani, e que contou com a concordância da Administração Bush pela boca do porta-voz do Departamento de Estado, Tom Casey [25]. O presidente iraquiano Talani, um equilibrista nato, velho amigo ao mesmo tempo dos EUA, de Israel, da Turquia e do Irão, afirmava no final do encontro com Ahmadinejad «[...] que o Iraque precisa seriamente do Irão para restabelecer a estabilidade e a segurança», ao que o presidente iraniano acenava com o compromisso do seu país em tal sentido, advertindo ao tempo sobre uma retirada precipitada dos EUA do Iraque [26].
Ora, os EUA não podem eludir que, após três anos e meio do início da ocupação do Iraque, a sua continuidade neste país dependa essencialmente, juntamente com a derrota da resistência iraquiana, de o Irão adoptar uma atitude positiva através do governo iraquiano e dos partidos e milícias confessionais xiitas que o integram, todos eles com muito fortes vínculos com o Irão, particularmente o Congresso Supremo da Revolução Islâmica no Iraque (CSRII) e a sua milícia Badr e, mais recentemente, a corrente de as-Sader e o seu Exército do Mahdi. O Exército do Mahdi pode contar já – face aos 10.000 da Organização Badr – com até 60.000 homens armados (mantidos graças a uma eficaz rede de extorsão e corrupção num país empobrecido ao máximo [27]), embora existam dúvidas razoáveis sobre se o seu referencial inorgânico (não é um partido político), o clérigo Moqtada as-Sader, controla realmente as entre seis e 30 milícias internas que se remetem à sua liderança mas que actuam autonomamente e constituem uma impenetrável trama que entrelaça genuínas correntes anti-ocupação, máfias locais, esquadrões da morte e redes de serviços secretos de mais de um país.
A ubiquidade dos aliados internos dos EUA do campo confessional xiita iraquiano é tal que, ao mesmo tempo, o presidente Bush e a secretária de Estado Condoleezza Rice recebiam nesta segunda-feira em Washington o máximo dirigente do CSRII, o clérigo Abdulaziz al-Hakim, enquanto os ministros e deputados de as-Sader congelavam a sua participação nas instituições (mas não se demitiam) em protesto pela conversa de al-Maliki com Bush em Amã. Este leque de forças confessionais xiitas permite ao Irão exercer sobre os EUA todo o peso da sua influência no Iraque e oferecer a Washington, em função da sua vontade na discussão sobre a agenda global bilateral, cenários radicalmente opostos: a cooperação do campo confessional xiita iraquiano num condomínio de facto sobre o Iraque ou o aprofundamento da violência sectária, a fractura do país e o alento do sentimento anti-ocupação, maioritário também entre os xiitas do Iraque mas gerido segundo a conveniência pelo seu clero, uma nova casta oligárquica no Iraque ocupado que associa os seus próprios interesses tanto aos dos ocupantes como aos do Irão [28]. Muito inteligentemente, como se de um conselho oculto se tratasse, o presidente iraniano Ahmadinejad assinalava na sua última carta aberta ao povo estadunidense de finais do mês passado:
«Agora que o Iraque tem uma Constituição e uma Assembleia e um governo independentes, não seria mais benéfico trazer de volta [a casa] os oficiais e soldados estadunidenses e destinar o astronómico gasto militar dos EUA no Iraque em bem-estar e prosperidade para o povo estadunidense?» [29]
A realidade é que quem colhe os benefícios da instalação de um novo regime em Bagdade não são aqueles que derrubaram o anterior com uma guerra ilegal, mas os vizinhos do Iraque, furtando com isso ao povo iraquiano a sua decisão democrática e soberana sobre a resolução da ocupação do seu país [30].
FIM DOS CONTACTOS COM A RESISTÊNCIA
A recomendação do Grupo de Estudos sobre o Iraque de que a Administração Bush inicie um diálogo com Irão e a Síria sobre o futuro do Iraque antecipa a decisão tomada pela Casa Branca de pôr ponto final nas suas tentativas de abrir uma negociação com a resistência iraquiana [31]. Segundo vários meios de comunicação [32], a Administração Bush, contra a opinião do embaixador estadunidense em Bagdade, Jalilzad, e dos comandos militares no Iraque, teria decidido «dar por fracassados» os contactos com sectores da resistência iraquiana, centrando a partir de agora a sua estratégia de continuidade no Iraque em fortalecer as suas relações com as organizações colaboracionistas curdas e – essencialmente – confessionais xiitas. Em particular as segundas tinham-se mostrado estes meses muito incomodadas com as pressões que os EUA estavam a exercer sobre al-Maliki para que, paralelamente aos contactos estadunidenses com o campo anti-ocupação, o primeiro-ministro iraquiano avançasse no processo de reconciliação “nacional”, uma estratégia criada pelos estadunidense para, simultaneamente, corroer a hegemonia do confessionalismo xiita e dividir a resistência nacionalista [33]. A escalada da violência sectária impulsionada nos últimos meses pelos paramilitares xiitas e a tolerância manifesta do primeiro-ministro al-Maliki em relação a ela podem assim explicar‑se como as engrenagens de um mecanismo de pressão sobre a Administração Bush, que viu como a situação interna no Iraque se desestabilizava muito rapidamente ao mesmo tempo que a actividade armada da resistência aumentava [34].
A Administração Bush teria assim sopesado a deterioração das suas relações com os seus aliados internos xiitas a troco de uma negociação com uma resistência que exige que se inclua previamente um compromisso de saída das tropas de ocupação do Iraque, senão imediata sim incondicionalmente. Muito significativa é a enfática renovação do apoio dado por Bush a al-Maliki no seu encontro de Amã, como o é também a visita de al-Hakim a Washington desta segunda-feira, por se tratar do representante da mais forte organização confessional iraquiana vinculada ao Irão, o Congresso Supremo da Revolução Islâmica no Iraque. Al‑Hakim, face a as‑Sader, pode oferecer a Washington as garantias precisas para que esse longo processo delineado no relatório do Grupo de Estudos sobre o Iraque se possa levar a cabo, a troco talvez da normalização de relações com o Irão. A Administração Bush, atingido o consenso entre o Partido Democrata e o Partido Republicano, precisa agora de pelo menos um ano de estabilização mínima do campo colaboracionista para tentar, como se contempla já nestes dias, esmagar militarmente a resistência nacionalista, antes de poder reduzir significativamente as suas tropas no Iraque. Na opinião do embaixador estadunidense Jalilzad, tal decisão coloca os EUA abertamente no campo da violência sectária e da limpeza étnica – se cabia alguma dúvida disso – e alentará a agudização da resistência armada contra os ocupantes, frente à qual, segundo comandos militares estadunidenses no Iraque, não há capacidade de triunfo nítido[35].
[1] Ver no IraqSolidaridad: Peter Grier: Grupo de Estudio de Iraq: Ni irse ni quedarse. El Partido Demócrata y la Administración Bush buscan un consenso sobre la continuidad en Iraq e Joe Kay: Demócratas y republicanos: Mantener la ocupación de Iraq. Antes que una retirada o reducción de tropas, se prevé un incremento de hasta 30.000 efectivos
[2] The New Yotk Times, 30 de Novembro, 2006; e The Washington Post, 30 de Novembro e 1 de Dezembro, 2006.
[3] Ver no IraqueSolidaridad: Las bases militares de EEUU en Iraq. EEUU ha gastado 1.100 millones de dólares en instalaciones militares en Iraq
[4] The Washington Post, 1 de Dezembro, 2006.
[5] The Washington Post, 20 de Novembro, 2006.
[6] The Washington Post, 22 de Novembro, 2006.
[7] Sobre as limitações do Pentágono, ver no IraqSolidaridad: Will Dunham: El ejército estadounidense muestra síntomas de agotamiento. Cinco años de guerra en Iraq y Afganistán ponen a prueba el ejército voluntario en EEUU e ligações incluídas.
[8] A petição do governo iraquiano, o Conselho de Segurança renovou a 31 de Novembro o mandato da chamada Força Multinacional no Iraque, tropas de ocupação, que perderam neste mês um sócio importante, a Itália, que findou a 2 de Dezembro a retirada total dos seus 3.200 soldados. A Coreia do Sul indicou que retirará as suas tropas no final de 2007, com uma redução no fim de 2006 (al-Jazeera, 30 de Novembro, 2006). O ministro da Defesa do Reino Unido assinalava em Novembro a intenção de reduzir em «milhares» o seu actual contingente de 7.100 soldados (al-Jazeera, 27 de Novembro, 2006). Sobre a distribuição de tropas de ocupação no Iraque, ver: Se mantiene y extiende al sur la ofensiva de la resistencia. Además de los 150.000 efectivos de EEUU, 23 países mantienen en Iraq otros 17.500 soldados
[9] O conteúdo do relatório ao presidente Bush foi filtrado por The New York Times no dia 29 de Novembro de 2006.
[10] Citado por Cordesman, Novembro de 2006, ver nota seguinte.
[11] Iraqi Forces Development and the Challenge of Civil War (pdf), de Novembro de 2006.
[12] Idem, pág. 12.
[13] Complicado porquanto o anfitrião, o rei Abdullah, foi impedido de participar num encontro tripartido com Bush e al-Maliki, ao que parece tanto por recusa de um como do outro, que não queriam que o monarca jordano misturasse a guerra do Iraque com o conflito palestino-israelense.
[14] Al-Jazeera, 30 de Novembro, 2006.
[15] Ver no IraqSolidaridad: Dahr Jamail y Ali al-Fadily: El Servicio de Protección de Instalaciones acoge a los “escuadrones de la muerte”. El 70% de las fuerzas de la policía iraquí está infiltrado por milicias sectarias y mafias e ligações relacionadas.
[16] Times, 16 de Novembro de 2006. Ver também no IraqSolidaridad: Joe Kay: Demócratas y republicanos: Mantener la ocupación de Iraq. Antes que una retirada o reducción de tropas, se prevé un incremento de hasta 30.000 efectivos
[17] ABC News, 28 de Novembro, 2006.
[18] CNN.com, 29 de Novembro, 2006.
[19] Reuters, 1 de Dezembro, 2006; e al-Jazeera, 2 e 3 de Dezembro, 2006.
[20] The Washington Post, 22 de Novembro, 2006. Dos 141.000 soldados estadunidenses mobilizados no Iraque, 23.000 são marines.
[21] Az-Zaman, 3 de Dezembro, 2006.
[22] Reuters, 2 de Novembro, 2006.
[23] Associated Press, 19 de Novembro, 2006.
[24] Ver no IraqSolidaridad: Scott Peterson: ¿Puede Irán ayudar a estabilizar Iraq? - Irán espera obtener beneficios estratégicos del colapso de la ocupación estadounidense de Iraq e ligações relacionadas.
[25] Associated Press, 21 de Novembro, 2006.
[26] Al-Jazeera, 27 de Novembro, 2006.
[27] A corrente de as-Sader possui o controle directo de pelo menos quatro ministérios: Agricultura, Saúde, Transporte e Antiguidades. Responsáveis do ministério de Antiguidades acusaram as autoridades ministeriais de as-Sader neste ministério de tráfico organizado de peças do património histórico iraquiano. Ver no IraqSolidaridad: Sandy English: El Director del Museo Nacional de Bagdad se exilia. Donny George denuncia la corrupción oficial y el expolio del patrimonio de Iraq
[28] Membros da hierarquia xiita iraquiana, incluídos vários ayatolás (al-Bagdadi, Fadel al-Malilki, al-Jalesi) rejeitam a vinculação com os ocupantes e mantêm posições nacionalistas nítidas.
[29] Al-Jazeera, 29 de Novembro, 2006.
[30] Ver no IraqSolidaridad: Iraq: La próxima masacre. Llamamiento del Tribunal BRussells para detener la masacre del pueblo de Iraq
[31] Ver no IraqSolidaridad: Carlos Varea y Pedro Rojo: EEUU y la resistencia iraquí podrían abrir próximamente negociaciones. Octubre ha sido un mes crítico para la continuidad de la ocupación de Iraq e ligações relacionadas. O ex vice-presidente do Iraque, Izar Ibrahim ad-Duri negava numa carta recente a possibilidade de negociações com os EUA.
[32] The Washington Post, 1 de Dezembro, 2006, e Associated Press, 2 de Dezembro, 2006.
[33] Ver no IraqSolidaridad: Carlos Varea: La resistencia rechaza el plan de “reconciliación nacional” de al‑Maliki”. Las organizaciones anti-ocupación reiteran que solo negociarán con los ocupantes su retirada incondicional e Abdul Ilah al-Bayati: La oferta de al-Maliki: Elegir el mal menor. El "plan de reconciliación" responde esencialmente a los intereses de EEUU
[34] Ver no IraqSolidaridad: Carlos Varea y Pedro Rojo: EEUU y la resistencia iraquí podrían abrir próximamente negociaciones. Octubre ha sido un mes crítico para la continuidad de la ocupación de Iraq. Em Novembro, os EUA reconheceram ter perdido 60 soldados em combate (mais 10 em “acções não hostis”), um número sem dúvida inferior ao do mês anterior mas que continua a supor uma média de dois mortos por ataques da resistência por dia. Morreram também em combate em Novembro cinco soldados britânicos.
[35] The Washington Post, 1 de Dezembro, 2006.
Carlos Varea
IraqSolidaridad
http://www.infoalternativa.org/iraque/iraque074.htm
Segundo o relatório do Grupo, a retirada das 15 Brigadas de combate que os EUA têm actualmente no Iraque deveria iniciar‑se em 2007 e alcançar no início de 2008 uma redução para metade dos efectivos actuais, isto é, até 70.000 soldados, uma continuidade que se define como «[...] significativa, [...] dado o carácter de forças incorporadas [embedded]» nas unidades iraquianas que terá este contingente, assinala um membro do Grupo de Estudos sobre o Iraque ao The Washington Post. Estes efectivos serão essencialmente de formação, assessoria e apoio da Guarda Nacional, o novo exército iraquiano, bem como unidades de mobilização rápida, todos eles estacionados nas bases que os EUA estão a construir no Iraque [3]. Actualmente, há no Iraque 5.000 assessores estadunidenses; o relatório do Grupo de Estudos propõe que se multipliquem por quatro, até 20.000.
A data indicada de início de 2008 para a redução para metade dos efectivos é considerada mais como «[...] um objectivo condicionado [à evolução da situação interna iraquiana] que um calendário fechado»; mas, ao estabelecê-la, o Grupo tentou tirar, se isso é possível, a questão iraquiana da primeira fase da campanha eleitoral para as presidenciais, algo que interessa a ambos os partidos [4]. O relatório não assinala se metade do contingente agora destinado no Iraque sairá da zona ou será estacionado em bases em países limítrofes para servir como apoio às tropas iraquianas e estadunidenses no Iraque em caso de emergência.
O conteúdo do relatório do Grupo de Estudos sobre o Iraque coincidirá essencialmente com as conclusões de outro relatório paralelo realizado por militares e encarregado pela Junta de Chefes de Estado Maior [5], que recomendará um incremento temporal de tropas estadunidenses no Iraque antes de uma redução posterior, bem como a mudança da sua funcionalidade de unidades combatentes para unidades de apoio, com uma continuidade no Iraque de entre cinco e 10 anos: é a opção denominada Go long, ainda assim uma opção intermédia entre as opções Go home e Go big. A primeira opção – sair já –, implicaria uma derrota estratégica para os EUA e o colapso imediato das instâncias colaboracionistas criadas nestes três anos e meio de ocupação, por meio das quais os EUA ainda esperam chegar a um domínio menos gravoso sobre o Iraque, já com o apoio obrigatório de regimes da zona; a segunda – ir mais além –, implicaria uma continuidade que a Administração Bush não se pode permitir, nem o Partido Democrata tolerar‑lhe, face às presidenciais de 2008, quando além do mais (como reconhecia o general Abizaid na sua ida ao Congresso no final de Novembro [6]) nem o Exército de Terra nem o Corpo de Marines dos EUA podem já contribuir para as guerras no Iraque e no Afeganistão com mais de 20.000 efectivos complementares e por um período de tempo limitado [7].
A opção feita tanto pelo Grupo de Estudos como pelo comité do Pentágono – menos combatentes, mais assessores – poderia parecer uma inversão da estratégia seguida no Vietname, mas abre de forma imediata a porta a um incremento da guerra no Iraque, como de facto está já a ocorrer no terreno nos primeiros dias de Dezembro»
MENSAGEM PARA AL-MALIKI
A mensagem oculta de ambos os informes é destinada, mais do que ao presidente Bush – a cujo reiterado lema de «acabar o trabalho» (sic) no Iraque se acomodam muito bem –, ao primeiro-ministro iraquiano al-Maliki, sobre quem se faz recair a tarefa de pôr de pé forças de segurança que possam assumir eficazmente o controle no Iraque, no sentido de que os sócios iraquianos dos ocupantes não podem esperar que estes continuem a proteger indefinidamente as instituições estabelecidas depois da invasão [8]. A consideração de que deve se incrementar o número de assessores estadunidenses e reduzir o de forças combatentes é também um ponto central do relatório elaborado pelo assessor de Segurança Nacional Stephan J. Hadley, apresentado em Novembro ao presidente Bush, memorando no qual se mostra uma demolidora imagem de al‑Maliki, «[...] nem capaz nem interessado» – assinala literalmente o relatório [9] – em pôr fim à escalada de violência sectária impulsionada pelos paramilitares das formações confessionais xiitas do seu próprio governo, às quais o próprio embaixador estadunidense no Iraque, Zalmay Jalilzad, atribui já 77% dos assassinatos de civis na capital [10].
Como se vê, a questão da redução e re-mobilização (não retirada) das tropas estadunidenses do Iraque continua a basear‑se no imprevisível factor da instauração dos novos aparatos policiais e militares iraquianos. No seu último relatório, Iraqi Forces Development and the Challenge of Civil War, de Novembro de 2006 [11], o analista do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington Anthony Cordesman acusa a Administração Bush de estar a manipular a informação sobre os novos corpos de segurança iraquianos, integrados já em teoria por 325.000 efectivos, mas ineficazes e desmotivados ou, o que é ainda pior, transformados em esquadrões da morte das organizações colaboracionistas curdas e xiitas, que alimentam, mais do que desactivam, a violência sectária. O então ainda secretário de Defesa Rumsfeld apresentou a 31 de Outubro uma proposta de dotação orçamental de mil milhões de dólares suplementares para duplicar esse número de efectivos iraquianos [12]. A previsão de que os EUA podem ter que permanecer no Iraque pelo menos mais 10 anos baseia‑se, precisamente, na estimativa mais pessimista de quando poderá o país contar com uma polícia e um exército eficazes na luta contra‑guerrilheira, ou capaz de ter um mínimo verrniz democrático. Al-Maliki, por ocasião do seu complicado encontro com Bush em Amã de finais de Novembro [13], anunciou que os corpos de segurança iraquianos estarão prontos em Junho de 2007 [14], algo que nenhum comando militar estadunidense ou britânico no terreno pode tomar a sério. A ignorada “guerra civil” em províncias do centro e do sul do Iraque (viu-se pelo menos em Amara e Bassora) no seio do próprio campo colaboracionista xiita, entre diferentes milícias dentro e fora dos aparatos de segurança e do denominado Serviço de Protecção de Instalações [15], mostra a debilidade estrutural das previsões dos ocupantes, que praticamente, por uma razão ou outra, já não controlam, a não ser muito precariamente, algumas zonas do território iraquiano.
DIPLOMACIA E GUERRA
O relatório do Grupo de Estudos bipartidário não inclui, como se tinha adiantado, a possibilidade de um incremento temporário das forças estadunidenses no Iraque (de até 20.000 ou 30.000 soldados estadunidenses), como sim poderia incluir o relatório elaborado pelo Pentágono [16]. Contudo, tudo parece indicar que será inevitável, pelo menos entre 7.000 e 18.000 soldados inicialmente [17].
O Pentágono está a deslocar nestes dias para Bagdade mais efectivos (para já, 1.600 soldados [18]) de zonas menos conflituosas do país. Desde a passada sexta-feira, 1 de Dezembro, desenvolvem-se intensos combates no centro e em bairros da capital em operações contra‑insurgentes nas quais o Pentágono recorre ao bombardeamento a partir helicópteros Apache [19], e nas quais se respeitam os feudos dos paramilitares confessionais xiitas, como Medina as-Sader, onde os esquadrões da morte torturam, executam e abandonam em plena rua as suas vítimas. Ao mesmo tempo, os EUA estão a recorrer intensivamente ao bombardeamento aéreo de Ramadi, a capital da província de al-Anbar (um território de 1,25 milhões de habitantes, dado por perdido por oficiais do Corpo de Marines se não se incrementarem substancialmente os actuais 30.000 efectivos de ocupação ali mobilizados [20]) e de Baquba, situada a nordeste de Bagdade e capital da província de Diyala, actualmente sob controle da resistência, que cortou os acessos ao seu interior [21].
O incremento da guerra no Iraque e da violência sectária (3.709 civis mortos em Outubro, um aumento acima de 40% sobre este número em Novembro, sempre segundo dados oficiais [22]) terá que ver necessariamente com duas questões essenciais. A primeira, a recomendação feita pelo Grupo de Estudos do Iraque no seu relatório para que a Administração Bush abra conversações com a Síria e com o Irão com vista ao que se denomina a estabilização do Iraque, opção explicitamente apoiada pelo primeiro-ministro britânico Tony Blair. A segunda, segundo fontes oficiais estadunidenses, o encerramento por parte dos EUA da via da negociação com a resistência iraquiana. Vejamos uma e outra.
As chaves do processo de abertura de um diálogo entre os EUA e a Síria e o Irão estão bem estabelecidas de antemão. No caso do governo da Síria, o seu papel terá de ser particularmente infame: os EUA procurariam que o regime de Damasco barre a sua fronteira com o Iraque e limite os – já reduzidos – movimentos da resistência iraquiana na Síria a troco de que a Administração Bush anime Israel a iniciar uma negociação sobre a sua retirada dos Montes Golã e alivie a pressão sobre o regime de al-Asad, cujos serviços secretos são acusados de estar implicados nos assassinatos de Hariri e Gemayel [23]. Como antecipação de tudo isso, a Síria e o Iraque restabeleciam neste passado mês de Novembro relacionas diplomáticas, rompidas desde 1982, e o embaixador dos Negócios Estrangeiros sírio visitava imediatamente Bagdade para sancionar o passo dado, que significa, aliás, aceitar a ocupação do Iraque ao reconhecer as instituições impostas e tuteladas pelos invasores.
No que diz respeito ao Irão, não é de todo uma novidade a possibilidade de abertura de um diálogo com os EUA que, em torno da situação no Iraque, permita abordar outros temas e a normalização das relações bilaterais, algo que ambas as partes já tinham aceitado de forma matizada anteriormente e voltaram a fazê‑lo em várias ocasiões ao longo do mês de Novembro [24].
O Irão voltou a mostrar o seu inquestionável papel regional com o convite do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad aos seus homólogos sírio e iraquiano para um cimeira tripartida a 25 e 26 de Novembro para falar sobre o Iraque, à qual finalmente só acudiu Jalal Talabani, e que contou com a concordância da Administração Bush pela boca do porta-voz do Departamento de Estado, Tom Casey [25]. O presidente iraquiano Talani, um equilibrista nato, velho amigo ao mesmo tempo dos EUA, de Israel, da Turquia e do Irão, afirmava no final do encontro com Ahmadinejad «[...] que o Iraque precisa seriamente do Irão para restabelecer a estabilidade e a segurança», ao que o presidente iraniano acenava com o compromisso do seu país em tal sentido, advertindo ao tempo sobre uma retirada precipitada dos EUA do Iraque [26].
Ora, os EUA não podem eludir que, após três anos e meio do início da ocupação do Iraque, a sua continuidade neste país dependa essencialmente, juntamente com a derrota da resistência iraquiana, de o Irão adoptar uma atitude positiva através do governo iraquiano e dos partidos e milícias confessionais xiitas que o integram, todos eles com muito fortes vínculos com o Irão, particularmente o Congresso Supremo da Revolução Islâmica no Iraque (CSRII) e a sua milícia Badr e, mais recentemente, a corrente de as-Sader e o seu Exército do Mahdi. O Exército do Mahdi pode contar já – face aos 10.000 da Organização Badr – com até 60.000 homens armados (mantidos graças a uma eficaz rede de extorsão e corrupção num país empobrecido ao máximo [27]), embora existam dúvidas razoáveis sobre se o seu referencial inorgânico (não é um partido político), o clérigo Moqtada as-Sader, controla realmente as entre seis e 30 milícias internas que se remetem à sua liderança mas que actuam autonomamente e constituem uma impenetrável trama que entrelaça genuínas correntes anti-ocupação, máfias locais, esquadrões da morte e redes de serviços secretos de mais de um país.
A ubiquidade dos aliados internos dos EUA do campo confessional xiita iraquiano é tal que, ao mesmo tempo, o presidente Bush e a secretária de Estado Condoleezza Rice recebiam nesta segunda-feira em Washington o máximo dirigente do CSRII, o clérigo Abdulaziz al-Hakim, enquanto os ministros e deputados de as-Sader congelavam a sua participação nas instituições (mas não se demitiam) em protesto pela conversa de al-Maliki com Bush em Amã. Este leque de forças confessionais xiitas permite ao Irão exercer sobre os EUA todo o peso da sua influência no Iraque e oferecer a Washington, em função da sua vontade na discussão sobre a agenda global bilateral, cenários radicalmente opostos: a cooperação do campo confessional xiita iraquiano num condomínio de facto sobre o Iraque ou o aprofundamento da violência sectária, a fractura do país e o alento do sentimento anti-ocupação, maioritário também entre os xiitas do Iraque mas gerido segundo a conveniência pelo seu clero, uma nova casta oligárquica no Iraque ocupado que associa os seus próprios interesses tanto aos dos ocupantes como aos do Irão [28]. Muito inteligentemente, como se de um conselho oculto se tratasse, o presidente iraniano Ahmadinejad assinalava na sua última carta aberta ao povo estadunidense de finais do mês passado:
«Agora que o Iraque tem uma Constituição e uma Assembleia e um governo independentes, não seria mais benéfico trazer de volta [a casa] os oficiais e soldados estadunidenses e destinar o astronómico gasto militar dos EUA no Iraque em bem-estar e prosperidade para o povo estadunidense?» [29]
A realidade é que quem colhe os benefícios da instalação de um novo regime em Bagdade não são aqueles que derrubaram o anterior com uma guerra ilegal, mas os vizinhos do Iraque, furtando com isso ao povo iraquiano a sua decisão democrática e soberana sobre a resolução da ocupação do seu país [30].
FIM DOS CONTACTOS COM A RESISTÊNCIA
A recomendação do Grupo de Estudos sobre o Iraque de que a Administração Bush inicie um diálogo com Irão e a Síria sobre o futuro do Iraque antecipa a decisão tomada pela Casa Branca de pôr ponto final nas suas tentativas de abrir uma negociação com a resistência iraquiana [31]. Segundo vários meios de comunicação [32], a Administração Bush, contra a opinião do embaixador estadunidense em Bagdade, Jalilzad, e dos comandos militares no Iraque, teria decidido «dar por fracassados» os contactos com sectores da resistência iraquiana, centrando a partir de agora a sua estratégia de continuidade no Iraque em fortalecer as suas relações com as organizações colaboracionistas curdas e – essencialmente – confessionais xiitas. Em particular as segundas tinham-se mostrado estes meses muito incomodadas com as pressões que os EUA estavam a exercer sobre al-Maliki para que, paralelamente aos contactos estadunidenses com o campo anti-ocupação, o primeiro-ministro iraquiano avançasse no processo de reconciliação “nacional”, uma estratégia criada pelos estadunidense para, simultaneamente, corroer a hegemonia do confessionalismo xiita e dividir a resistência nacionalista [33]. A escalada da violência sectária impulsionada nos últimos meses pelos paramilitares xiitas e a tolerância manifesta do primeiro-ministro al-Maliki em relação a ela podem assim explicar‑se como as engrenagens de um mecanismo de pressão sobre a Administração Bush, que viu como a situação interna no Iraque se desestabilizava muito rapidamente ao mesmo tempo que a actividade armada da resistência aumentava [34].
A Administração Bush teria assim sopesado a deterioração das suas relações com os seus aliados internos xiitas a troco de uma negociação com uma resistência que exige que se inclua previamente um compromisso de saída das tropas de ocupação do Iraque, senão imediata sim incondicionalmente. Muito significativa é a enfática renovação do apoio dado por Bush a al-Maliki no seu encontro de Amã, como o é também a visita de al-Hakim a Washington desta segunda-feira, por se tratar do representante da mais forte organização confessional iraquiana vinculada ao Irão, o Congresso Supremo da Revolução Islâmica no Iraque. Al‑Hakim, face a as‑Sader, pode oferecer a Washington as garantias precisas para que esse longo processo delineado no relatório do Grupo de Estudos sobre o Iraque se possa levar a cabo, a troco talvez da normalização de relações com o Irão. A Administração Bush, atingido o consenso entre o Partido Democrata e o Partido Republicano, precisa agora de pelo menos um ano de estabilização mínima do campo colaboracionista para tentar, como se contempla já nestes dias, esmagar militarmente a resistência nacionalista, antes de poder reduzir significativamente as suas tropas no Iraque. Na opinião do embaixador estadunidense Jalilzad, tal decisão coloca os EUA abertamente no campo da violência sectária e da limpeza étnica – se cabia alguma dúvida disso – e alentará a agudização da resistência armada contra os ocupantes, frente à qual, segundo comandos militares estadunidenses no Iraque, não há capacidade de triunfo nítido[35].
[1] Ver no IraqSolidaridad: Peter Grier: Grupo de Estudio de Iraq: Ni irse ni quedarse. El Partido Demócrata y la Administración Bush buscan un consenso sobre la continuidad en Iraq e Joe Kay: Demócratas y republicanos: Mantener la ocupación de Iraq. Antes que una retirada o reducción de tropas, se prevé un incremento de hasta 30.000 efectivos
[2] The New Yotk Times, 30 de Novembro, 2006; e The Washington Post, 30 de Novembro e 1 de Dezembro, 2006.
[3] Ver no IraqueSolidaridad: Las bases militares de EEUU en Iraq. EEUU ha gastado 1.100 millones de dólares en instalaciones militares en Iraq
[4] The Washington Post, 1 de Dezembro, 2006.
[5] The Washington Post, 20 de Novembro, 2006.
[6] The Washington Post, 22 de Novembro, 2006.
[7] Sobre as limitações do Pentágono, ver no IraqSolidaridad: Will Dunham: El ejército estadounidense muestra síntomas de agotamiento. Cinco años de guerra en Iraq y Afganistán ponen a prueba el ejército voluntario en EEUU e ligações incluídas.
[8] A petição do governo iraquiano, o Conselho de Segurança renovou a 31 de Novembro o mandato da chamada Força Multinacional no Iraque, tropas de ocupação, que perderam neste mês um sócio importante, a Itália, que findou a 2 de Dezembro a retirada total dos seus 3.200 soldados. A Coreia do Sul indicou que retirará as suas tropas no final de 2007, com uma redução no fim de 2006 (al-Jazeera, 30 de Novembro, 2006). O ministro da Defesa do Reino Unido assinalava em Novembro a intenção de reduzir em «milhares» o seu actual contingente de 7.100 soldados (al-Jazeera, 27 de Novembro, 2006). Sobre a distribuição de tropas de ocupação no Iraque, ver: Se mantiene y extiende al sur la ofensiva de la resistencia. Además de los 150.000 efectivos de EEUU, 23 países mantienen en Iraq otros 17.500 soldados
[9] O conteúdo do relatório ao presidente Bush foi filtrado por The New York Times no dia 29 de Novembro de 2006.
[10] Citado por Cordesman, Novembro de 2006, ver nota seguinte.
[11] Iraqi Forces Development and the Challenge of Civil War (pdf), de Novembro de 2006.
[12] Idem, pág. 12.
[13] Complicado porquanto o anfitrião, o rei Abdullah, foi impedido de participar num encontro tripartido com Bush e al-Maliki, ao que parece tanto por recusa de um como do outro, que não queriam que o monarca jordano misturasse a guerra do Iraque com o conflito palestino-israelense.
[14] Al-Jazeera, 30 de Novembro, 2006.
[15] Ver no IraqSolidaridad: Dahr Jamail y Ali al-Fadily: El Servicio de Protección de Instalaciones acoge a los “escuadrones de la muerte”. El 70% de las fuerzas de la policía iraquí está infiltrado por milicias sectarias y mafias e ligações relacionadas.
[16] Times, 16 de Novembro de 2006. Ver também no IraqSolidaridad: Joe Kay: Demócratas y republicanos: Mantener la ocupación de Iraq. Antes que una retirada o reducción de tropas, se prevé un incremento de hasta 30.000 efectivos
[17] ABC News, 28 de Novembro, 2006.
[18] CNN.com, 29 de Novembro, 2006.
[19] Reuters, 1 de Dezembro, 2006; e al-Jazeera, 2 e 3 de Dezembro, 2006.
[20] The Washington Post, 22 de Novembro, 2006. Dos 141.000 soldados estadunidenses mobilizados no Iraque, 23.000 são marines.
[21] Az-Zaman, 3 de Dezembro, 2006.
[22] Reuters, 2 de Novembro, 2006.
[23] Associated Press, 19 de Novembro, 2006.
[24] Ver no IraqSolidaridad: Scott Peterson: ¿Puede Irán ayudar a estabilizar Iraq? - Irán espera obtener beneficios estratégicos del colapso de la ocupación estadounidense de Iraq e ligações relacionadas.
[25] Associated Press, 21 de Novembro, 2006.
[26] Al-Jazeera, 27 de Novembro, 2006.
[27] A corrente de as-Sader possui o controle directo de pelo menos quatro ministérios: Agricultura, Saúde, Transporte e Antiguidades. Responsáveis do ministério de Antiguidades acusaram as autoridades ministeriais de as-Sader neste ministério de tráfico organizado de peças do património histórico iraquiano. Ver no IraqSolidaridad: Sandy English: El Director del Museo Nacional de Bagdad se exilia. Donny George denuncia la corrupción oficial y el expolio del patrimonio de Iraq
[28] Membros da hierarquia xiita iraquiana, incluídos vários ayatolás (al-Bagdadi, Fadel al-Malilki, al-Jalesi) rejeitam a vinculação com os ocupantes e mantêm posições nacionalistas nítidas.
[29] Al-Jazeera, 29 de Novembro, 2006.
[30] Ver no IraqSolidaridad: Iraq: La próxima masacre. Llamamiento del Tribunal BRussells para detener la masacre del pueblo de Iraq
[31] Ver no IraqSolidaridad: Carlos Varea y Pedro Rojo: EEUU y la resistencia iraquí podrían abrir próximamente negociaciones. Octubre ha sido un mes crítico para la continuidad de la ocupación de Iraq e ligações relacionadas. O ex vice-presidente do Iraque, Izar Ibrahim ad-Duri negava numa carta recente a possibilidade de negociações com os EUA.
[32] The Washington Post, 1 de Dezembro, 2006, e Associated Press, 2 de Dezembro, 2006.
[33] Ver no IraqSolidaridad: Carlos Varea: La resistencia rechaza el plan de “reconciliación nacional” de al‑Maliki”. Las organizaciones anti-ocupación reiteran que solo negociarán con los ocupantes su retirada incondicional e Abdul Ilah al-Bayati: La oferta de al-Maliki: Elegir el mal menor. El "plan de reconciliación" responde esencialmente a los intereses de EEUU
[34] Ver no IraqSolidaridad: Carlos Varea y Pedro Rojo: EEUU y la resistencia iraquí podrían abrir próximamente negociaciones. Octubre ha sido un mes crítico para la continuidad de la ocupación de Iraq. Em Novembro, os EUA reconheceram ter perdido 60 soldados em combate (mais 10 em “acções não hostis”), um número sem dúvida inferior ao do mês anterior mas que continua a supor uma média de dois mortos por ataques da resistência por dia. Morreram também em combate em Novembro cinco soldados britânicos.
[35] The Washington Post, 1 de Dezembro, 2006.
Carlos Varea
IraqSolidaridad
http://www.infoalternativa.org/iraque/iraque074.htm
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