Após um balanço sobre a onda de protestos contra a lei que criaria o CPE (Contrato do Primeiro Emprego) na França, podemos tirar diversas conclusões sobre as conseqüências da globalização neoliberal.
Chris Patten, um deputado britânico “tory” (do Partido conservador) na Câmara dos Comuns de 1979 a 1992, e que ocupou diversos postos de secretário de Estado durante os mandatos de Margaret Thatcher, disse em entrevista ao jornal francês “Le Monde”:
“Le Monde - O que o senhor acha da crise atual na França?Chris Patten - Eu estou surpreso com a desconexão que predomina entre o debate político, tal como ele vem sendo conduzido pela população, nas ruas, nos bares ou nas universidades, e a vida das empresas francesas pelo mundo afora. É algo bastante espantoso. Fui testemunha disso em Hong-Kong, onde constatei que as empresas francesas são incrivelmente eficientes no mercado mundial. Quer se trate da aeronáutica, do automóvel, da indústria de luxo ou dos seguros, os franceses são muito agressivos em relação à concorrência. Mas, se você ouvir apenas os homens políticos franceses, dificilmente acreditará que é verdade”. (1)
Mais adiante, Patten afirma: “Tem-se a impressão de que existem duas Franças: uma na qual se desenrola o debate em torno do contrato primeiro emprego (CPE) e a outra que produz a maior parte dos recursos que permitirão pagar as aposentadorias dos funcionários”.
O que o deputado “tory” observa é um fato que já se constata por todo o mundo, ou seja: A completa “desconexão” entre o mercado financeiro e o desenvolvimento econômico e tecnológico de um país e suas respectivas classes trabalhadoras. Não se trata realmente de um fenômeno “espantoso” e sim de uma conseqüência inevitável do processo de globalização neoliberal.
Em outras palavras, dentro dos novos paradigmas tecnológicos, o mercado de trabalho sofre um constante “encolhimento”, independentemente do crescimento da atividade econômica, do desenvolvimento tecnológico ou do nível de educação da população.
Em artigo do correspondente de “Veja” em Paris, ficamos sabendo que: “A França precisa de 150.000 novos empregos por ano, mas só cria 80.000, dos quais 55.000 recebem ajuda ou são oferecidos pelo governo”.(2)
O artigo está cheio de lamurias sobre a “rendição” vergonhosa do governo francês (comparável à capitulação aos exércitos alemães na Segunda Guerra Mundial), diante de “estudantes, sindicalistas e funcionários públicos franceses” (os “trabalhadores” simplesmente desapareceram do relato do correspondente).
Além disso, a “flexibilização” do mercado de trabalho, que segundo o correspondente seria uma solução absolutamente maravilhosa e aceita com festejos públicos pelos trabalhadores do mundo todo, “é repudiada com vigor pelo código genético dos sindicatos franceses”.
Absurdos e exageros à parte, algumas coisas ficam absolutamente claras. Primeiro: O excelente desempenho das empresas e da economia francesas não se traduz absolutamente em geração de empregos para os franceses. Segundo: A opção para a classe trabalhadora se resume a escolher entre o desemprego para alguns ou o emprego precário para todos.
De qualquer forma, os números não mentem. Existe um déficit de geração de empregos, que só não é maior porque o Estado banca boa parte das vagas oferecidas. Resta saber porque, visto que não existe nenhuma das razões tradicionais para isso, ou seja, não existe recessão, nem obsolescência tecnológica ou incompetência gerencial por parte das empresas francesas.
Até porque o Estado de bem-estar social não surgiu agora. Vem de longa data e é fruto de conquistas dos trabalhadores que foram perfeitamente “assimiladas” ao longo de décadas pelas empresas. Por que agora virou um estorvo?
Por que os empregos da “Era da Informação”, da “Terceira Onda”, da “Nova Economia”, da “Economia baseada no Setor de Serviços”, todos dependentes apenas do “conhecimento”, insistem em não aparecer em número suficiente?
A resposta é simples: O novo paradigma tecnológico elimina empregos em uma proporção impossível de ser resposta por qualquer política convencional que se queira adotar. As novas tecnologias, por outro lado, geram apenas um número muito reduzido de empregos para profissionais altamente capacitados.
Alem disso, a enorme melhoria nos sistemas comunicações, de transportes e logística, transferem muitos dos tais “empregos de alta tecnologia” para países onde os trabalhadores se contentam com um baixíssimo padrão de vida.
Isso pode ser testemunhado pelo já mencionado deputado britânico: “Visitei uma fábrica em Bangalore onde trabalham 14.000 engenheiros em informática, com idades de 23 a 35 anos. A sua aparência é muito parecida com a dos jovens que nós vemos manifestando em Paris, eles trajam os mesmos tênis Nike, as mesmas camisetas, ouvem os mesmos i-Pods. O futuro do mundo está naquele país e nós temos que admitir isso”.
O que ele não diz, é que esses engenheiros recebem salários que equivalem às vezes até a menos de um terço dos pagos aos seus colegas do primeiro mundo. Além de não contarem com qualquer garantia de emprego e nem sonharem com os direitos que os “manifestantes de Paris” procuram defender.
Devemos considerar também que os empregos “surgidos” em Bangalore não foram produto de um dramático crescimento do mercado de informática, e sim de meras transferências de empregos, de países de mão-de-obra cara para um dos países mais pobres do mundo. Em suma, a globalização simplesmente não gera mais empregos.
Tão logo os “engenheiros de tênis Nike” hindus reivindiquem algum aumento de salário, ou exijam algum benefício, serão imediatamente “desconectados” da grande rede global de produção. Aparecerão novos deputados “tory” para elogiar os engenheiros da Tanzânia ou da Namíbia e para afirmar que o “futuro do mundo” de fato está nesses países...
Notas:
(1) “A falta de espírito de aventura dos franceses é bastante deprimente” – Le Monde - 08/04/2006.
(2) “Rendição no Grito” – Antonio Ribeiro – Veja – 19/04/2006, pág. 70
Chris Patten, um deputado britânico “tory” (do Partido conservador) na Câmara dos Comuns de 1979 a 1992, e que ocupou diversos postos de secretário de Estado durante os mandatos de Margaret Thatcher, disse em entrevista ao jornal francês “Le Monde”:
“Le Monde - O que o senhor acha da crise atual na França?Chris Patten - Eu estou surpreso com a desconexão que predomina entre o debate político, tal como ele vem sendo conduzido pela população, nas ruas, nos bares ou nas universidades, e a vida das empresas francesas pelo mundo afora. É algo bastante espantoso. Fui testemunha disso em Hong-Kong, onde constatei que as empresas francesas são incrivelmente eficientes no mercado mundial. Quer se trate da aeronáutica, do automóvel, da indústria de luxo ou dos seguros, os franceses são muito agressivos em relação à concorrência. Mas, se você ouvir apenas os homens políticos franceses, dificilmente acreditará que é verdade”. (1)
Mais adiante, Patten afirma: “Tem-se a impressão de que existem duas Franças: uma na qual se desenrola o debate em torno do contrato primeiro emprego (CPE) e a outra que produz a maior parte dos recursos que permitirão pagar as aposentadorias dos funcionários”.
O que o deputado “tory” observa é um fato que já se constata por todo o mundo, ou seja: A completa “desconexão” entre o mercado financeiro e o desenvolvimento econômico e tecnológico de um país e suas respectivas classes trabalhadoras. Não se trata realmente de um fenômeno “espantoso” e sim de uma conseqüência inevitável do processo de globalização neoliberal.
Em outras palavras, dentro dos novos paradigmas tecnológicos, o mercado de trabalho sofre um constante “encolhimento”, independentemente do crescimento da atividade econômica, do desenvolvimento tecnológico ou do nível de educação da população.
Em artigo do correspondente de “Veja” em Paris, ficamos sabendo que: “A França precisa de 150.000 novos empregos por ano, mas só cria 80.000, dos quais 55.000 recebem ajuda ou são oferecidos pelo governo”.(2)
O artigo está cheio de lamurias sobre a “rendição” vergonhosa do governo francês (comparável à capitulação aos exércitos alemães na Segunda Guerra Mundial), diante de “estudantes, sindicalistas e funcionários públicos franceses” (os “trabalhadores” simplesmente desapareceram do relato do correspondente).
Além disso, a “flexibilização” do mercado de trabalho, que segundo o correspondente seria uma solução absolutamente maravilhosa e aceita com festejos públicos pelos trabalhadores do mundo todo, “é repudiada com vigor pelo código genético dos sindicatos franceses”.
Absurdos e exageros à parte, algumas coisas ficam absolutamente claras. Primeiro: O excelente desempenho das empresas e da economia francesas não se traduz absolutamente em geração de empregos para os franceses. Segundo: A opção para a classe trabalhadora se resume a escolher entre o desemprego para alguns ou o emprego precário para todos.
De qualquer forma, os números não mentem. Existe um déficit de geração de empregos, que só não é maior porque o Estado banca boa parte das vagas oferecidas. Resta saber porque, visto que não existe nenhuma das razões tradicionais para isso, ou seja, não existe recessão, nem obsolescência tecnológica ou incompetência gerencial por parte das empresas francesas.
Até porque o Estado de bem-estar social não surgiu agora. Vem de longa data e é fruto de conquistas dos trabalhadores que foram perfeitamente “assimiladas” ao longo de décadas pelas empresas. Por que agora virou um estorvo?
Por que os empregos da “Era da Informação”, da “Terceira Onda”, da “Nova Economia”, da “Economia baseada no Setor de Serviços”, todos dependentes apenas do “conhecimento”, insistem em não aparecer em número suficiente?
A resposta é simples: O novo paradigma tecnológico elimina empregos em uma proporção impossível de ser resposta por qualquer política convencional que se queira adotar. As novas tecnologias, por outro lado, geram apenas um número muito reduzido de empregos para profissionais altamente capacitados.
Alem disso, a enorme melhoria nos sistemas comunicações, de transportes e logística, transferem muitos dos tais “empregos de alta tecnologia” para países onde os trabalhadores se contentam com um baixíssimo padrão de vida.
Isso pode ser testemunhado pelo já mencionado deputado britânico: “Visitei uma fábrica em Bangalore onde trabalham 14.000 engenheiros em informática, com idades de 23 a 35 anos. A sua aparência é muito parecida com a dos jovens que nós vemos manifestando em Paris, eles trajam os mesmos tênis Nike, as mesmas camisetas, ouvem os mesmos i-Pods. O futuro do mundo está naquele país e nós temos que admitir isso”.
O que ele não diz, é que esses engenheiros recebem salários que equivalem às vezes até a menos de um terço dos pagos aos seus colegas do primeiro mundo. Além de não contarem com qualquer garantia de emprego e nem sonharem com os direitos que os “manifestantes de Paris” procuram defender.
Devemos considerar também que os empregos “surgidos” em Bangalore não foram produto de um dramático crescimento do mercado de informática, e sim de meras transferências de empregos, de países de mão-de-obra cara para um dos países mais pobres do mundo. Em suma, a globalização simplesmente não gera mais empregos.
Tão logo os “engenheiros de tênis Nike” hindus reivindiquem algum aumento de salário, ou exijam algum benefício, serão imediatamente “desconectados” da grande rede global de produção. Aparecerão novos deputados “tory” para elogiar os engenheiros da Tanzânia ou da Namíbia e para afirmar que o “futuro do mundo” de fato está nesses países...
Notas:
(1) “A falta de espírito de aventura dos franceses é bastante deprimente” – Le Monde - 08/04/2006.
(2) “Rendição no Grito” – Antonio Ribeiro – Veja – 19/04/2006, pág. 70
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