terça-feira, dezembro 05, 2006

Frutos amargos da “banana dólar” equatoriana

No dia 22 de Março, o estado de emergência foi decretado no Equador, que vive ao ritmo de importantes manifestações contra o tratado de livre comércio encarado com os Estados Unidos. Nos bananais, onde são explorados sem piedade, os equatorianos conhecem já os efeitos da globalização. A sua generalização não melhorará necessariamente o seu destino, e provocará ao mesmo tempo estragos do lado europeu – em particular nos departamentos ultramarinos franceses.

Entre Santo Domingo e Machala, nas terras férteis situadas no sopé dos Andes equatorianos, os bananais estendem­‑se dos dois lados da estrada. Painéis que contêm o nome da hacienda – Maria Elisa, La Julia, Norma Gisela – e a guarita de um guarda armado, marcam a entrada das plantações. De vez em quando, em voo rasante, surge uma avioneta que deixa na sua esteira uma nuvem branca de pesticidas...

Com uma média de 4,3 milhões de toneladas de bananas vendidas por ano durante os últimos cinco anos, o Equador classifica-se no primeiro posto dos países exportadores deste fruto, provendo só ele 25% do mercado mundial. Cento e oitenta mil hectares de plantações, duzentos e cinquenta mil empregos (14% da população activa se se tiver em conta os empregos induzidos). Ao contrário da situação que reina nos outros países produtores de “bananas dólares” [1], onde as três grandes multinacionais que dominam o sector (Dole, Chiquita Brands e Del Monte) possuem as suas próprias culturas, os frutos equatorianos provêm essencialmente de uns seis mil produtores nacionais.

Número um mundial da agro-indústria, a Dole assinou contrato com um grande número dentre eles e assegura aproximadamente um quarto das exportações de bananas do país [2]. Menos contudo que a companhia Bananera Noboa, que comercializa os seus frutos sob a marca Bonita, e exporta perto de metade das bananas equatorianas. Propriedade de Alvaro Noboa, uma das maiores fortunas da América Latina e candidato à próxima eleição presidencial, a companhia é o terror dos pequenos e médio produtores: «São bandidos!», afirma Gustavo Pesantez, presidente da Associação dos Produtores de Bananas de Los Ríos (APROBAN): «para nos forçarem a vender-lhes os nossos frutos, moveram processos contra novecentos dentre nós e ameaçam tomar as nossas terras».

Em processo ele também com a Bananera Noboa, Enrique Feijoo, proprietário de uma plantação de trinta hectares, conta: «O contrato assinado com a Noboa estipulava que os meus frutos eram vendidos a 3,20 dólares por caixa, o preço oficial. Na realidade, o pagamento efectuava-se em espécie numa agência do Banco del Litoral [propriedade do grupo Noboa]. Devia então retornar 0,80 dólares por caixa ao banco, sem nenhuma justificação, e Noboa podia denunciar o contrato a qualquer momento. Actualmente, sou eu quem não quer mais vender... então move-me um processo!» A Bananera Noboa foi condenado várias vezes por evasão fiscal ou infracções à legislação comercial, e nem todos os exportadores têm uma atitude tão brutal. Opõem-se, no entanto, maioritariamente às tentativas de regulação deste sector pelo Estado e impõem preços ridiculamente baixos aos produtores, deixando a estes a tarefa de gerir os conflitos sociais causados pelos salários de miséria e as duras condições de trabalho em vigor nos bananais.

Hacienda Ipanema (província de Los Ríos). É perto do meio-dia, a hora da pausa de refeição para as equipas de corte. Nos bananais reina um calor de estufa. «As jornadas de trabalho prolongam-se até que a encomenda tenha partido», explica um dos trabalhadores, «ou seja, frequentemente para além das doze horas. O salário? Varia de 30 a 70 dólares por semana de acordo com os postos [3]. Não, as roupas de trabalho e as ferramentas não são fornecidas pela empresa. E as despesas de transporte ficam a nosso cargo». Esta situação existe na maioria das plantações. As horas suplementares raramente são remuneradas e, de acordo com a Federação Nacional dos Trabalhadores Agro-industriais, Camponeses e Indígenas Livres do Equador (FENACLE), única organização sindical presente neste sector, 90% das empresas não filiam os seus trabalhadores na IESS (segurança social), sendo a parte salarial das contribuições, em contrapartida, deduzida dos salários e nunca transferida.

As sanções arbitrárias – multas, despedimentos não fundamentados – são moeda corrente, e a precarização do emprego é agravada pelo recurso à subcontratação: «De um mês para o outro», explica um trabalhador que passou por múltiplos empregadores, «um trabalhador pode ser contratado por diferentes empresas de prestação de serviços, continuando ao mesmo tempo a trabalhar para a mesma hacienda e no mesmo posto. Trata-se de um passa-passa destinado a fazê­‑lo perder o seu direito à antiguidade». A exposição dos trabalhadores aos produtos químicos, maciçamente empregados, é também objecto de denúncias repetidas: «Substâncias tóxicas são utilizadas sem protecção adequada e», conta Alfredo Rosalbal, da pequena exploração El Zapote, «durante toda a minha carreira, conheci apenas uma empresa que fizesse sair os trabalhadores da plantação durante as fumigações aéreas».

Em 2002, em reacção a um relatório da associação humanitária Human Rights Watch (HRW) [4], o Congresso norte­‑americano tinha feito da erradicação do trabalho das crianças nos bananais uma pré­‑condição à abertura de negociações sobre o tratado de livre comércio (TLC) – cuja próxima assinatura, sem outras formalidades, provoca muito fortes mobilizações populares. No entanto, quando a HRW considera que poucas coisas se alteraram, Eduardo Ledesma, director da Associação dos Exportadores de Bananas do Equador (AEBE), insurge-se: a lei equatoriana não autoriza o trabalho dos menores a partir de 15 anos?

Em Guayaquil, a 22 e 23 de Janeiro de 2006, e a convite da AEBE, a nata dos exportadores e dos produtores de bananas reuniu-se nos salões do hotel Sheraton para debater os “novos desafios do mercado bananeiro”. Entre duas mesas redondas dedicadas à análise dos mercados e à produtividade, uma manhã foi consagrada às “conquistas sociais da indústria bananeira”. Mandatados pelos principais produtores, os intervenientes congratularam-se uns os outros: «Três postos de saúde e uma unidade médica móvel de saúde oferecem prestações gratuitas aos assalariados da companhia», anunciou a assessora de imprensa da Dole. «Dez escolas criadas e vinte e uma outras apoiadas pela nossa fundação», suplanta o porta-voz da Reybanpac, precisando de passagem: «apesar da oposição do sindicato de professores, que denunciava uma privatização da educação». Alexandra Moncada, representante do projecto Soy [5], dá conta de progressos animadores no domínio da erradicação do trabalho das crianças.

CAÇA ÀS BRUXAS SINDICAIS

Falsa nota neste concerto de elogios, Joaquin Orrantia, interveniente em nome dos produtores, reconhece com uma franqueza brutal que a monocultura bananeira tem um impacto negativo no ambiente. Mas a culpa é dos exportadores, defende-se, que impõem preços insuficientes para implementar medidas ambientais necessárias. A mesa redonda terminou contudo com uma nota optimista, com Ledesma apresentando os projectos sociais da AEBE e anunciando que a organização patronal tenciona criar um campeonato de futebol interprovincial das empresas bananeiras! A questão dos salários, quanto a ela, nunca foi evocada – a não ser para sublinhar que qualquer aumento prejudicaria a competitividade –, e nenhum representante dos trabalhadores tomou a palavra.

Na hacienda Josefa, os “extremistas” da FENACLE limitam as suas reivindicações a reclamar a aplicação do código do trabalho: pagamento das despesas sociais e respeito pelo direito a organizar­‑se sindicalmente. É ainda demasiado para o proprietário desta plantação que produz para a Dole e que, de acordo com as sugestões de um técnico da multinacional, decidiu, em Janeiro passado, despedir dez trabalhadores, entre os quais quatro dirigentes da jovem secção sindical. A greve foi votada; os oitenta e cinco assalariados que ocuparam a empresa penduraram as suas redes de descanso sob a cobertura do depósito de acondicionamento dos frutos. A ocupação durava há perto de um mês quando, a 11 de Fevereiro de 2006, a polícia interveio para desalojar os grevistas. Estes pediram ao oficial de polícia, que veio em companhia do proprietário da plantação, para ver a ordem de expulsão assinada por um juiz. Recusa do funcionário. E consequentemente: a decisão foi tomada em toda a ilegalidade, para agradar a um proprietário que saberá, no momento oportuno, mostrar-se reconhecido [6].

Se a confrontação foi, desta vez, evitada – tendo os trabalhadores aceitado retirar-se calmamente –, não será sempre assim. «Em 2002, aquando do conflito de Los Alamos», recorda o Guillermo Touma, presidente da FENACLE, «a intervenção das forças policiais, apoiadas por duzentos pistoleiros a soldo de Noboa, foi de uma violência extrema, fazendo um morto e vários feridos, dos quais um teve de ser amputado de uma perna». O conflito, no entanto, desembocou em certos acordos – com as principais companhias aceitando doravante regularizar as prestações sociais dos seus assalariados permanentes – e marcou o ressurgimento do movimento sindical nos bananais: «Estamos actualmente organizados em vinte e duas plantações», explica Touma, «das quais sete dispõem de uma secção sindical legalmente registada».

No entanto, a caça às bruxas sindicais prossegue, e o recurso às empresas de prestação de serviços constitui uma arma cada vez mais utilizada. O código do trabalho equatoriano impõe com efeito um mínimo de trinta afiliados para poder constituir um sindicato de empresa, e a contratação dos assalariados através de várias empresas de prestação de serviços impossibilita atingir esta quota. «Trata-se geralmente de empresas fantasma», precisou Touma, «entre as quais várias dezenas podem ser agrupadas num mesmo escritório, com um mesmo número de telefone, e que, quando lhe ligamos, responde: “Bananeira Noboa, estou...”» [7]

Apesar das estratégias anti­‑sindicais do patronato, os conflitos multiplicam-se nas plantações - El Sapote, Josefa, San Luis, Maria Elisa, El Tesoro, Maravilla... – mas permanecem isolados, preferindo a FENACLE negociar caso a caso em vez de procurar alargar e radicalizar o movimento. Espera em contrapartida muito dos seus apoios internacionais: «Aquando dos acontecimentos de Los Alamos, as denúncias de organizações como a Coordenação dos Sindicatos Bananeiros da América Latina [COLSIBA], a Organização Regional Interamericana dos trabalhadores [CIOSL-ORIT], a US-LEAP ou a Banana Link [8], deram a este conflito um eco internacional e», considera Touma, «as campanhas de informação sobre as actividades de multinacionais como a Chiquita ou a Dole constituem um apoio inapreciável às nossas lutas».

Na Europa, uma taxa única de 176 euros por tonelada substituiu, em Janeiro de 2006, o precedente sistema de quotas e de certificações que regulava tão bem como mal o acesso das bananas ao mercado comunitário. «É provável que a nova regulamentação europeia se traduza em primeiro lugar numa pressão acrescida sobre os salários», considera Maude Feral, da organização não governamental Povos Solidários. Desempenhando as grandes multinacionais da agro-indústria e os supermercados um papel determinante nas condições de trabalho impostas aos assalariados da indústria bananeira, é sobre eles, na Europa ou nos Estados Unidos, que é necessário fazer pressão».

Pode­‑se visualizar a íntegra das fotografias relativas a esta reportagem no sítio do autor.

[1] Nome dado às bananas exportadas pelos países da América Central e do Sul. Ler Ghislain Laporte, La banane, fruit de toutes les convoitises, Le Monde diplomatique, Outubro de 1996.
[2] Desde 2002, a Dole adquiriu uma vintena de plantações no Equador.
[3] Os salários representam de 1,5% a 2% do preço de uma banana dólar vendida num supermercado europeu, a parte do produtor de 10% a 15%, enquanto o supermercado encaixa 40% do preço o fruto.
[4] http://www.hrw.org/reports/2002/ecuador/
[5] O projecto Soy, «de apoio à nossa juventude», é apoiado pelas organizações não governamentais Care, Save the Children, Children’s Relief Services, bem como pela Conferência Episcopal Equatoriana e pela sociedade Reybanpac. É igualmente financiado generosamente pelo United States Department of Labor (USDOL). Obrigados a apresentar um perfil aceitável pelo Congresso dos Estados Unidos, os exportadores de bananas, desde 2002, adoptaram diversas medidas mínimas.
[6] O autor deste artigo estava presente nos locais aquando da intervenção da polícia. Testemunho embaraçoso, sem dúvida, foi interpelado e detido durante quarenta e oito horas.
[7] Um relatório recente do Ministério do Trabalho lista 4.264 empresas de prestação de serviços, das quais apenas 920 estão legalmente registadas.
[8] http://www.colsiba.org; http://www.usleap.org; http://www.bananalink.org.uk
Philippe Revelli
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/amlatina/equador007.htm

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