sábado, dezembro 30, 2006

Labirinto palestiniano

Rumo ao abismo. Confusamente, sentimos que os sofrimentos dos palestinianos, as solidariedades cada vez mais audaciosas que esse tormento suscita no Médio Oriente e as violentas reacções de defesa de Israel podem levar o mundo para o abismo. O confronto directo entre duas populações, a israelita e a palestiniana, que com razão ou sem ela mutuamente se temem, não pode continuar. Porque este medo “justifica”, por um lado, uma escalada na repressão, e, por outro, o recurso à violência de alguns grupos radicais.

Em cada um dos campos, confirmam-no as sondagens, a maioria dos cidadãos aspira à paz. Mas em cada um deles aumentam também os ódios e os extremismos. Em ambos os lados se fala doravante de “guerra até à morte” e de “destruição total”.

No Verão passado, a não derrota das milícias do Hezbollah libanês face às tropas israelitas e a não vitória das forças norte-americanas no Iraque face aos insurrectos deram novas esperanças a grupos palestinianos que voltam a crer nas possibilidades duma “guerra popular prolongada”. Depois de terem capturado o cabo Gilad Shalit, no passado dia 25 de junho (que ainda detêm), estes grupos multiplicam os disparos de rockets contra Sderot e Ashkelon. Em seis anos, foram mortas seis pessoas. Durante esse mesmo período, a repressão nos Territórios Ocupados causou 4500 mortos.

Mas a ameaça dos rockets atiça o desejo de vingança entre certos israelitas. A facção dos “duros” que está no poder, encorajada pela passividade internacional, parece ter carta branca para punir sem limites as populações palestinianas.

Desde há cinco meses, mais de quatrocentas pessoas, metade das quais civis, foram abatidas pelas forças israelitas, que já nada parece conseguir deter. Os militares nem sequer hesitaram em abater, no dia 3 de Novembro, mulheres desarmadas em Beit Hanun. A mesma cidade onde, cinco dias depois, vinte civis, entre os quais várias crianças, foram mortos por obuses israelitas.

Este crime – resultado de um “incidente”, segundo as autoridades israelitas – emocionou as opiniões públicas no mundo inteiro. E levou a Assembleia Geral das Nações Unidas, sob o impulso da França, a adoptar (por 156 votos contra 7) uma resolução reclamando o fim das operações militares israelitas em Gaza e a cessação de todos os actos de violência.

Estamos bem longe disso. Recentemente, o governo de Ehud Olmert não hesitou em integrar – apesar da corajosa demissão do ministro da Cultura, o trabalhista Ophir Pines-Paz –, com o estatuto de vice-primeiro­‑ministro e a responsabilidade da pasta das “Ameaças Estratégicas”, Avigdor Lieberman, chefe do partido extremista Israel Beytenu (Israel, Nosso Lar), cujos aderentes são sobretudo emigrantes oriundos da ex­‑União Soviética, frequentemente acusados de xenofobia.

A integração de Avigdor Lieberman num governo desorientado e tentado por um emprego desordenado da força é um perigo para toda a região. Em primeiro lugar, para Israel e as suas populações, coisa que não foi suficientemente sublinhada pelos grandes órgãos de comunicação social europeus, habitualmente mais prontos a denunciar a entrada de outros extremistas em governos da União.

Mais lúcidos, alguns jornais israelitas, como o diário Haaretz, lançaram de imediato uma advertência: «Escolber o dirigente mais irresponsável e menos moderado para ocupar as funções de ministro das Ameaças Estratégicas é em si mesmo uma ameaça estratégica. A falta de moderação de Avigdor Lieberman e as suas declarações intempestivas – só comparáveis às do presidente do Irão – podem provocar um desastre em toda a região» [1].

O politólogo israelita Zeev Sternhell, historiador do fascismo europeu, foi claríssimo: a seu ver, Lieberman é talvez «o mais perigoso político da história de Israel», por representar uma «mistura de nacionalismo, autoritarismo e mentalidade ditatorial» [2].

O contexto, paradoxalmente, agrava este risco. A recente derrota eleitoral de George W. Bush e a constatação do insucesso militar no Iraque poderão inflectir a política dos Estados Unidos nesta zona do mundo. Parecem esboçar­‑se desde já alguns contactos com a Síria (apesar das acusações que pesam sobre Damasco após o recente assassinato do ministro libanês Pierre Gemayel). E até com Teerão, cuja ajuda pode revelar­‑se decisiva se Washington quiser sair-se bem na sua retirada do atoleiro iraquiano. Na Palestina, por fim, a perspectiva dum governo de união nacional parece estar agora mais próxima.

Nada disso convém, em Israel, aos que – como Lieberman e seus adeptos – continuam a apostar no afrontamento e na supremacia da força. Não é de excluir um gesto irresponsável destes últimos. Eles sentem bem ter-se vindo a impor, na diplomacia internacional, a seguinte evidência: não haverá paz nenhuma nesta região enquanto os palestinianos não saírem do seu labirinto.

[1] Haaretz, Telavive, 24 de outubro de 2006.
[2] The Scotsman, Edimburgo, 23 de Outubro de 2006.
Ignacio Ramonet
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/autores/ramonet/ramonet100.htm

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