sexta-feira, dezembro 29, 2006

A NEGAÇÃO DA LIBERDADE DE EDUCAÇÃO E LUTA GERAL DA JUVENTUDE

INTRODUÇÃO
Temos a noção, na AC-INTERPRO, de que os meios coercivos do Estado e do Capital se exercem não pela repressão pura e simples (pelo menos em tempos normais) mas sobretudo pela subtil mas constantedoutrinação, pela subtil mas constante alienação. A perpetuação das classes sociais efectua-se tanto pelatransferência da propriedade e do capital, como pela capacidade das classes mais abastadas oferecerem ensino e oportunidades especiais de formação à sua descendência, que fica assim «naturalmente» habilitada para os cargos de chefia.Sentimos como necessária uma discussão generalizada emtorno de um dos vectores da nossa actividade enquanto AC-INTERPRO. As nossas campanhas contra a privatização do ensino e contra o processo de Bolonha têm de ser aprofundadas,têm de ser assumidas pelos membros e simpatizantes dosindicato, temos de transmitir a nossa perspectiva de classe, anti capitalista e anti autoritária, emcontraste com discursos dos falsamente «amigos dos trabalhadores e dos estudantes», com que sindicatos burocráticos do sector educação e muitas associaçõesde estudantes vêm, ano após ano, iludindo e encobrindo a verdade. Nosso papel é desmascarar e organizar o contra ataque, descrevendo as coisas que realmente sevêm passando e o seu significado geral.
COMO É QUE SE PROCESSA A PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO?
Quanto à privatização da educação, ela tem ocorridoneste país, como em todos os países da área do chamado«1º Mundo» e muito para além deste, como uma das facetas fundamentais do processo de globalização(capitalista). Os estados-maiores que comandam a política mundial nãose enganaram ao proclamar que o ensino deveria serconsiderado como um serviço e sujeito «leis domercado». Eles estavam apenas a franquear as portaspara oportunidades de negócios para os capitalistas,por um lado, sendo certo, por outro, que é uma questãoestratégica saber-se quem ensina, a quem, como, em que condições. O «desenvolvimento económico» é sempre tributário deuma determinada visão política da economia, que tenta passar sob silêncio a sua opção de classe, através daimposição de um saber «conveniente», o «pensamento único», a ideologia do «consenso social».Estas razões - só por si - seriam suficientes para nos distanciarmos dessa política, embora também elastragam como consequência a acentuação dasdesigualdades, já existentes previamente, no acesso àeducação. A educação de qualidade está reservada, mais do que há20 ou 30 anos atrás, a uma fina camada das classesmédias-altas e altas, num mundo em que postos detrabalho interessantes, bem remunerados e comprestígio social, escasseiam. Para a grande massa, está reservada uma pseudo educação, na realidade, uma aculturação ao capitalismode hoje; uma pseudo formação, na realidade, umprocesso de aceitação da precariedade. O investimento público no ensino é calculado em funçãode critérios de «rentabilidade» económica, por maisaberrante isso seja, se pensarmos um pouco sobre oassunto. Assim, as consideradas escolas «modelo», são as queestão a rebentar pelas costuras, por serem as«escolhidas» pelos pais, que «preferem» que os seusfilhos façam longos quilómetros diários para frequentar tais escolas de «elite». Se as escolas fossem todas mantidas ao mesmo nível deequipamento, de investimento, etc., esta distinção nãoteria lugar. Acontece que algumas escolas são deixadasao abandono (as de menor «sucesso») como uma absurdapunição às respectivas comunidades educativas, maspara as referidas «escolas modelo», há uma chuva deverbas, de contratos programa, de parceriasempresas/escolas, etc. Os docentes também são fortemente coagidos apreferirem essas tais escolas modelo, pois assim terãouma vida profissional tranquila, sem risco de «horáriozero» por redução do número de turmas (situação que sepode transformar numa deslocação forçada para muitolonge), sem problemas «disciplinares».As escolas têm vindo a ser transformadas em palco das políticas autárquicas, com uma influência muitodirecta do município (e dos seus políticos) na gestãoe mesmo nos assuntos pedagógicos dos estabelecimentos.De facto, a única componente do sistema (ainda) nãomunicipalizada é a das escolas secundárias, mas isso também vai mudar, em breve. Quanto aos docentes, o provimento dos seus lugares ainda é por um concurso nacional, mas isso vai deixarde ser assim. Com efeito, haverá possibilidade daprópria administração da escola escolher os seusdocentes, por critérios dúbios, ao abrigo de um pseudocontrato de autonomia.Neste momento, assiste-se à intrusão da empresa nointerior da escola pública: o «sponsoring» está ainvadir todos os domínios, desde campanhaspublicitárias para produtos alimentares e bebidas nointerior da escola, até a pseudo cursos de informática«oferecidos» generosamente, sob condição de suacontinuidade ser paga, em tais escolas privadas deinformática…As autarquias não têm vocação (ou vontade) para gerirescolas, tendo portanto tendência a fazer o«outsourcing» de todos os serviços de apoio, desde ofornecimento de refeições à limpeza dos locais. Vãoportanto beneficiar empresas privadas que, muitasvezes, obtêm contratos contra favores políticos epessoais, não pela qualidade superior dos seus serviços. Face a uma população capaz de fazer grandes sacrifícios para assistir ao jogo da sua equipa defutebol preferida, mas que não compra livros, não vaiao teatro e raramente vai ao cinema, a opção de muitosautarcas tem sido a de fomentar o desporto/futebol nasua autarquia, sendo avaros em relação afinanciamentos destinados a melhorar a qualidade do ensino e todos os complementos educativos e culturais que poderiam gravitar em torno da escola.As próprias escolas são vistas como empresas, que devem ser geridas como empresas, onde o produto é o«sucesso dos alunos». A escola que fabrica maior«sucesso» (não importa por que meios, mesmo à custa daqualidade!) é a melhor.Não admira que se note um recuo sensível da qualidadedo ensino: retiraram-se as aulas experimentais emciências naturais e físico-química, diminuíram-se asoportunidades de estruturação do pensamento, com alimitação do ensino da filosofia a somente alguns anos do secundário (só os 10º e 11º anos). A ignorância cada vez mais chocante dos alunos do secundário, em relação à «cultura geral» vaiprogredindo. A ciência é tida como prioridade, somente ao nível do discurso, pois não é favorecida naprática: nota-se uma ausência de nexo lógico entrematérias, entre os diversos ramos do saber científico,além do constante desprezo da sua essencial componenteexperimental.Este cozinhado vem apresentado com discursos«pedagógicos», cheios de citações evocando nossos ideais de pedagogia não directiva e libertária. Bastaler os preâmbulos dos textos legais, dos programas,dos livros didácticos e outros materiais, para nosapercebermos disso.O recurso sistemático aos termos da pedagogialibertária e não directiva no discurso teórico éperversa e constantemente acompanhado pela negação detoda a hipótese de sua realização nas escolas doestado. Estamos perante mais uma demonstração daesquizofrenia do poder: o discurso é tanto maislibertário, quanto mais autoritária for a prática queele pretende encobrir.Professores, alunos, encarregados de educação, devemser despertados para as políticas que se tentaencobrir com mentiras e propaganda, sendo essencialterem conhecimento do que se está a passar. Uma vezcientes dos embustes, eles próprios saberão detectar,no seu entorno, sinais desta privatização encapotada da escola pública, tornando assim possível o surgir depropostas de luta.A VERDADE SOBRE BOLONHADesde há alguns anos, o «processo de Bolonha» tem sidoapresentado por governantes e seus apoiantes como ummarco decisivo para o «progresso» do ensino superioreuropeu. Mas não dizem que o processo foi inteiramenteconcebido dentro e para a satisfação plena dosparâmetros da «competitividade capitalista». O raciocínio dos que lançaram tal processo, de reformado ensino superior nos países da EU, é simplesmenteeste: «os europeus devem copiar os anglo-saxónicos, sequiserem ser a primeira potência mundial no saber, nainvestigação científica, logo, em tudo o resto, pois éeste o domínio que dinamiza a economia». Segundo os apologistas de Bolonha, os sucessos dosanglo-saxónicos devem-se a uma determinada organizaçãodo ensino, nomeadamente do superior, com uma estruturade cursos que conduz à canalização dos melhores alunospara uns poucos lugares altamente qualificados, em quetêm as melhores condições para levar a cabo ainvestigação. Estas instituições são universidadesprivadas, muitas vezes, tendo o ensino sido baseado,desde há longos anos, no investimento privado directoa vários níveis (parcerias universidade/indústria,fundações, bolsas de estudo e investigação fornecidaspor grandes grupos, financiamentos privadospreferenciais em determinadas áreas de investigação,etc.)Em face do processo de Bolonha, qual vai ser oestatuto de Portugal, pais atrasado, com uma enormefalta de abertura ao exterior, sem desenvolvimentopróprio, sem linhas próprias de investigação (as queexistem são meros apêndices e encomendas feitas porgrandes unidades de investigação doutros países, masnão feitas ou suscitadas de dentro de vários ramos daindústria ou do estado)?Pois, vai continuar a ser o que é. Vai acentuar-se a competição no seio de um grupomaioritário de estudantes apenas com uma fracaformação, incapazes de alcançar um elevado grau decompetência por razões económicas (terão de trabalharpara subsistir, por não terem bolsa e por os pais nãolhes poderem pagar os estudos): estes terão uma«licenciatura» de apenas três anos, que antes sechamava «bacharelato». Não poderão ter a pretensão de alcançar postos detrabalho mais ou menos prestigiados. Serão condenadosà precariedade para a vida inteira. Os poucos queacederão aos mestrados, pagarão propinas muitoelevadas para conseguir um diploma de mestrado quelhes dará (por quanto tempo ainda?) alguma hipótese deobterem um posto de trabalho nesta economia. Uma elitemuito restrita irá fazer doutoramento, sendoprovavelmente atraída para outras paragens maisestimulantes antes, durante ou após ter feito a tesede doutoramento. Vai perpetuar-se o padrão dobrilhante cientista que vai para fora adquirir renomee dá o melhor de si próprio em temas de investigaçãocom interesse, sobretudo, para o país de acolhimento.Continuará a fuga dos «cérebros».A miragem de Bolonha engana, sobretudo, na ausência deum discurso crítico sobre tal miragem. Pois as pessoassabem que este país não lhes oferece condições,sobretudo se forem jovens. Custa às vezes as pessoasdespertarem para a realidade, mas isso vai acontecer,mais cedo ou mais tarde, pois «Bolonha» é mesmo umamiragem. As pessoas, realmente, serão sujeitas a umensino muito parco em qualidade (salvo em casosisolados, para «inglês ver»). Vão os portugueses realmente ter maior dificuldade emcompetir no mercado de trabalho globalizado? Semdúvida que sim! A ideia de que os estudantes podem irpara qualquer país, pois haverá um sistema integradode reconhecimento automático de graus académicos érealmente uma falácia. Apenas por ingenuidade se podepensar que um português será bem acolhido e farábrilhantes mestrados ou doutoramentos no estrangeiro,mormente quando isso tira possibilidades de empregoaos nacionais desse país! Além disso, quantosestudantes universitários portugueses dominamsuficientemente o alemão ou o francês, de forma apoderem frequentar o ensino - no mais elevado grau -nesses países? Só alguns raros indivíduos bilingues. Será bem mais fácil a jovens técnicos e investigadoresestrangeiros, doutros países da UE, virem a Portugal,para trabalhar em empresas ou departamentos deinvestigação, pois nestes sítios valoriza-se mais acompetência adquirida do que a língua (e todos falam oinglês, a língua universal dos negócios e da ciência).Temos de denunciar. Mas não basta denunciar, énecessário designar que outro tipo de educação e deorganização nos estudos superiores se possa contrapora este modelo. Sabemos que o saber é poder. É evidente que os podereseconómico e estatal querem monopolizar o saber, paramelhor controlar os diversos aspectos da sociedade,incluindo a própria gestão do estado e das empresas. Tudo o que seja no sentido de uma abertura, dearrancar o monopólio ao pensamento único, tudo o queseja pensamento crítico, toda a crítica ao modelocapitalista imperante, é visto (com razão) comoperigoso para a gestão de classe desta sociedade. Os modelos concorrentes, o livre pensamento, a livrecrítica, sempre foram apanágio dos melhores centrosuniversitários, produtores de novos saberes e ideias,de novas correntes e estéticas. Esta diversidade vaidecrescer exponencialmente com o modelo que se querimpor, onde as exigências são ditadas directamentepela grande indústria, pelos grandes gruposeconómicos. A médio prazo, irá haver empobrecimento, portantoperda de competitividade das universidades europeiasface às dos EUA. Neste país, afluem e continuarão aafluir os melhores cientistas de países do «TerceiroMundo», aliciados por boas condições de investigação,bons ordenados e um ambiente aberto, não xenófobo,pois os meios académicos nos EUA são um microcosmomuito diverso da sociedade norte-americana em geral.Assim, a Europa arrisca-se a empobrecer, desprezando asua diversidade cultural, sob a batuta dos tecnocratasdas grandes multinacionais, dos burocratas e políticosde Bruxelas e dos diversos países da UE. Pior que tudo, os jovens serão os grandessacrificados, ser-lhes-ão negados tanto o acesso aoestudo, como à formação técnico-científica, com umnítido critério económico a prevalecer, depois dealguns decénios de relativa «democratização». Só uma revolta generalizada poderá mudar as coisas,mas não como em Maio de 1968. Os estudantes de 68acreditaram que estavam a fazer uma revolução, quandoapenas foram capazes de fazer tremer o poder. Estesoube rapidamente «neutralizar a revolta» e mesmo«reciclá-la» pois, nessa altura, a economia aindaestava no (fim de um) ciclo de expansão. Como as condições agora são diferentes, espera-se queuma revolta europeia da juventude tenha uma amplitudee profundidade muito maiores e talvez conduza a umarevolução social em profundidade.
Associação de Classe Interprofissional
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