quinta-feira, dezembro 07, 2006

O Estatuto da Escravidão Docente - 5. Direitos Alguns, Deveres Trinta e Um

Há uns dias a propósito do “passeio do descontentamento” de alguns militares, e independentemente do que eu acho ou não acho sobre essa iniciativa, ouvi com particular pasmo uma tirada do engenheiro Sócrates, Primeiro-Ministro em exercício de um Estado de Direito, afirmar que a «a Liberdade é dada pela Lei».
Eu não quero aqui entrar por aqueles meandros esconsos sobre a natureza e riqueza dos estudos do nosso Primeiro, porque isso é um assunto dele próprio e quase diria da sua consciência, pois já foi assunto por demais discutido sem se chegar a nenhuma conclusão feliz. No entanto, fico espantado porque, após passar por duas juventudes partidárias, seria de esperar um pouco mais de profundidade na sua formação política.
Com que então a Liberdade, num estado democrático e liberal, é dada pela Lei? Não se passará exactamente o inverso, aquela conversa dos tipos do Iluminismo que nascemos todos livres e iguais perante a Lei e que esta é exactamente uma convenção social destinada a limitar a Liberdade, no que o seu exercício desregrado pode levar à perturbação das liberdades alheias?
Ao que parece devo ter lido tudo mal quando estudei a coisa e mesmo mais tarde quando fiz umas leituras certamente erróneas sobre o tema. E começo a ficar tanto mais convencido disso quanto começo a analisar os tratos de polé que este Governo reserva às regras básicas do Direito, com a retroactividade à cabeça.
No entanto, há outros momentos em que me parece que afinal estou certo, sendo disso exemplo modelar o ECD ministerial na parte em que se detém na enumeração dos direitos e deveres dos docentes.
Bem, o caso da enumeração dos direitos passa depressa: no artigo 4º despacha-se em passo acelerado meia dúzia deles, depois especificados nos artigos seguintes, mas é só isso. Temos seis direitos de acordo com o nosso estatuto profissional e não nos cansemos mais com isso.
Já no caso dos deveres o legislador assumiu o seu papel paternalista e controlador, decidindo enumerar de forma exaustiva todos os deveres que lhe ocorreu e talvez mais alguns soprados ao ouvido por um qualquer transeunte de circunstãncia: deveres gerais, para além dos relativos a toda a função pública, temos logo oito (artigo 10º); para com os alunos temos dez (artº 10º-A); para com a escola e outros docentes são oito (artº 10º-B); para com os pais e encarregados de educação temos mais cinco (artº 10º-C). São trinta e um (31), um para cada dia dos meses mais longos.
Não me incomoda propriamente o desnível entre direitos e deveres. Afinal, nem seria de esperar outra coisa em tempos e protagonistas tão afeiçoados ao mérito, à autonomia, à inovação e todas esas coisas.
O que acho curioso é que, afinal, para o Ministério da Educação a Lei sirva efectivamente para condicionar ou determinar os limites da acção dos docentes, o que equivale a limitar a sua Liberdade. O que também não é necessariamente mau. Aliás, se ainda se lembram, essa até é a minha ideia sobre a função da Lei.
O engenheiro Sócrates é que acha que não. Ele acha que a Liberdade é dada pela Lei. Se possível a Lei por ele aprovada. Acho que o Luís XIV se não tivesse achado mais lapidar e singela a fórmula do «Estado sou Eu» teria usado como alternativa a de «a Liberdade é dada pela Lei e a Lei quem a dá sou Eu».
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