quinta-feira, dezembro 07, 2006

O preço da electricidade em Portugal e na U.E., os lucros da EDP, e a ignorância do ministro da Economia

O ministro da Economia afirmou que o preço da electricidade em Portugal é mais baixo do que o praticado na generalidade dos países da U.E., para justificar os aumentos elevados de preços que o governo pretende impor para pagar o “défice tarifário” às empresas, e assegurar lucros elevados à EDP (segundo os media, a EDP «anunciou um crescimento dos lucros de 84% para os 649 milhões de euros») . Durante o debate do OE2007 na Assembleia da República, confrontamos o ministro com dados do Eurostat sobre os preços da electricidade nos diversos países da U.E. que provam precisamente o contrário do que ele dissera. O ministro perdeu a compostura, e respondeu com o ataque pessoal. Interessa, por isso, analisar de uma forma tecnicamente fundamentada esta questão. Para isso utiliza-se dados oficiais.

Segundo o Eurostat, entre 1995 e 2006, o preço da electricidade, sem incluir os impostos, aumentou em Portugal +6,6%, enquanto o preço médio comunitário (UE15) desceu –0,7%. Em 2006 o preço da electricidade em Portugal é superior ao preço médio comunitário em 18%. Por países, em 2006, exceptuando o caso da Alemanha em que o preço é superior ao de Portugal em apenas 3%, da Itália (+16%) e de Luxemburgo (+4%), em todos os outros países o preço da electricidade doméstica, sem impostos, é inferior ao preço praticado em Portugal. Em alguns deles, a diferença é significativa, como sucede na Grécia (–52%), na Espanha (–30%), na França (–32%), na Áustria (–33%), na Finlândia (–40%), na Inglaterra (–28%), na Suécia (–35%), e na Noruega (–38%). É com um preço superior que a EDP obtém lucros escandalosos.

Se a análise dos preços incluir os impostos, que são receitas do Estado, a conclusão que se tira não é muito diferente. Em 2006, utilizando preços-PPC, ou seja, com o mesmo poder de compra para serem comparáveis, o preço médio da electricidade era na UE25, segundo o Eurostat, inferior ao preço praticado em Portugal em –13%. Por países, conclui-se que num conjunto de 15 países, incluindo Portugal, apenas em quatro – Dinamarca, Alemanha, Itália e Noruega – os preços da electricidade para consumidores domésticos eram superiores ao preço praticado em Portugal. Nos outros 10 países, os preços da electricidade para consumidores domésticos, medidos em PPC, portanto uma comparação com maior consistência técnica, eram muito mais baixos do que o praticado em Portugal (Bélgica: –18%; Grécia: –50%; Espanha: –26,7%; França: –33%; Irlanda: –26,7%; Finlândia: –42,5%; Inglaterra: –44,5%; Suécia: –26%). A própria Entidade Reguladora dos Serviços de Electricidade elaborou um estudo comparativo dos preços, incluindo impostos, praticados nos diversos países da U.E., o qual está disponível no seu site, de que retirou o quadro que se transcreve no final deste estudo, que prova o contrário daquilo que o ministro da Economia afirmou.

Se a comparação for feita tomando como base dados do Eurostat sobre o salário hora médio auferido pelos trabalhadores em Portugal e nos restantes países da União Europeia, conclui-se o seguinte: Para pagar o consumo de 100 kWh de electricidade, um trabalhador português tem de entregar o corresponde a 1,18 vezes do seu salário hora, enquanto na UE25 um trabalhador tem de entregar em média o corresponde apenas a 57% do seu salário hora, ou seja, tem de trabalhar menos de metade do tempo (34,2 minutos) que um trabalhador em Portugal (70,8 m) para pagar 100 kWh. Por países, a situação era a seguinte: na Bélgica, o trabalhador tem de entregar o correspondente a 46% do salário hora; na Dinamarca, 46,4%; na Alemanha, 76,8%; na Espanha, 68,3%; na França, 36,9%; na Itália, 91,7%; no Luxemburgo, 45,3%; na Holanda, 50,5%; na Áustria, 50,8%; no Reino Unido, 35,5%; na Suécia, 42,2%.

Em resumo, os dados do Eurostat e do estudo da ERSE provam que se o ministro da Economia não mentiu, e não o afirmamos porque admitimos que não tenha tido tal intenção, pelo menos revelou grande ignorância e incompetência técnica numa área em que não é admissível um membro do governo ter, por ser uma área da sua responsabilidade.

Para além do financiamento dos lucros da EDP, os consumidores domésticos do Continente ainda são obrigados a financiar os chamados Custos de Interesse Geral, que abrangem os pagamentos às Autarquias pela utilização da rede (234 milhões de euros em 2006), os sobrecustos de cogeração (164 milhões de euros em 2006) e de aquisição de energias renováveis (157 milhões de euros em 2006), ou seja, os lucros também destas empresas, assim como os custos de convergência tarifária das Regiões Autónomas (118 milhões de euros em 2006), ou seja, das tarifas mais baixas praticadas nestas regiões, o que não sucede em outros países da U.E. em relação a muitos destes custos. Em 2006, estes custos somaram 673 milhões de euros e, em 2007, atingirão 742 milhões de euros.

É com um preço de electricidade superior aos preços praticados em muitos países da U.E. e que financia já tudo isto, que o governo pretende impor em 2007 e nos anos seguintes aumentos elevados do preço da electricidade para pagar o chamado “défice tarifário” que atingiu, só em 2006, mais de 399 milhões de euros, o que agravará a situação em relação à U.E.

O ministro da Economia tem afirmado que o preço da electricidade em Portugal é inferior ao praticado na generalidade dos países da União Europeia, certamente com o objectivo de justificar os aumentos elevados do preço da electricidade já decidido pelo governo para 2007 (+6%), e os dos anos seguintes. Confrontado por nós na Assembleia da República, durante o debate do OE2007, com dados publicados pelo Eurostat, que mostravam precisamente o contrário, o ministro da Economia perdeu a compostura, e entrou no ataque e mesmo na ofensa pessoal. Interessa, por isso, analisar com objectividade, utilizando dados publicados pelo Eurostat e pela ERSE, esta questão que afecta a vida de milhões de portugueses.

OS LUCROS ELEVADOS DA EDP E OS PREÇOS DA ELECTRICIDADE EM PORTUGAL E NA U.E.

A EDP, que produz a maior parte da electricidade consumida em Portugal, tem alcançado elevados lucros, nomeadamente depois da sua privatização. Em 24 de Novembro de 2006 podia ler­‑se no site da Agência Financeira: «EDP pode alcançar lucros recorde no final do ano. Ontem, a eléctrica anunciou um crescimento dos lucros de 84% para os 649 milhões de euros».

Perceber porque razão a EDP obtém lucros tão elevados, quando a maioria dos mais de cinco milhões de consumidores de electricidade domésticos enfrentam dificuldades crescentes, devido à grave crise económica e social em que o país está mergulhado, é importante, pois esta situação é mais um exemplo concreto da política dos governos que se têm sucedido ao longo dos anos no nosso País, nomeadamente daqueles que privatizaram as grandes empresas públicas (Cavaco Silva, Guterres, Durão Barroso e Sócrates). E isto porque uma das razões apresentadas para justificar essas privatizações, em particular a da EDP, foi precisamente a de que os consumidores iriam ser beneficiados com preços mais baixos de electricidade. Mas o que sucedeu foi precisamente o contrário, como revela o Eurostat, o serviço oficial de estatística da U. E..


Entre 1995 e 2006, o preço da electricidade, sem impostos, aumentou em Portugal +6,6% enquanto o preço médio comunitário desceu –0,7%. E isto apesar do preço da electricidade em Portugal, em 1995, ser já superior à média comunitária em +14%.

Como mostram também os dados do quadro I, em 2006 o preço médio da electricidade sem impostos na UE15 era inferior ao preço praticado em Portugal em –18%, e exceptuando o caso da Alemanha em que o preço é superior ao de Portugal em apenas +3%, da Itália (+16%) e de Luxemburgo (+4%), em todos os outros países o preço da electricidade para os consumidores domésticos, sem impostos, é significativamente inferior ao preço praticado em Portugal. E em alguns desses países a diferença para menos é muito significativa, como sucede na Grécia (–52%), na Espanha (–30%), na França (–32%), na Áustria (–33%), na Finlândia (–40%), na Inglaterra (–28%), na Suécia (–35%), e na Noruega (–38%). É precisamente o preço elevado da electricidade praticado em Portugal, quando o comparamos com muitos países da U.E., que torna possível os elevados, para não dizer, escandalosos lucros obtidos pela EDP.

Foi precisamente com estes dados do Eurostat, que desmentem as afirmações do ministro da Economia, que o confrontamos durante o debate do OE2007 na Assembleia da República, e que o fizeram perder a compostura e enveredar pelo ataque pessoal. E a justificação utilizada é que estes preços não incluíam os impostos. No entanto, no debate que se estava a realizar – porque razão com lucros tão elevados a EDP não suportava o défice tarifário – era evidente que tecnicamente não interessava considerar preços com impostos, pois estes não revertem para a EDP mas constituem receitas do Estado.

O PREÇO DA ELECTRICIDADE COM IMPOSTOS EM PORTUGAL E NOS PAÍSES DA U.E.

O ministro da Economia, para se justificar, afirmou que o preço da electricidade em Portugal, incluindo impostos, era inferior ao praticado nos outros países da U.E., com excepção de Espanha. Mas isso também não é verdade, como mostram os dados do Eurostat.
Em termos de consumidores, a comparação que interessa fazer, para ser tecnicamente consistente, deve ser ou de preços – Paridade de Poder de Compra, ou seja, euros com mesmo poder de compra, ou então que percentagem do seu salário hora gasta um trabalhador em Portugal e nos outros países da U.E. para pagar um kWh de consumo de electricidade.

A primeira análise é possível fazer com base nos preços PPC divulgados pelo Eurostat constantes do quadro anterior (ver coluna marcada com um asterisco: *). E, como se conclui rapidamente, o preço de um kWh de electricidade, incluindo os impostos, é, em 2006, em média na UE25 inferior ao preço praticado em Portugal em cerca de –13%. Se a análise for feita por países, conclui-se que num conjunto de 15 países incluindo Portugal (os mais desenvolvidos), apenas em quatro (Dinamarca: +5,3%; Alemanha: +2,1%; Itália: +24,3%; Noruega: +5,3%) é que os preços da electricidade para consumidores domésticos são superiores ao preço que os portugueses são obrigados a pagar. Nos restantes dez países constantes do quadro, os preços da electricidade para consumidores domésticos, medidos em PPC, portanto uma comparação com maior consistência técnica, são mais baixos do que o praticado em Portugal e, em alguns, significativamente (Bélgica: –14%; Grécia: –50%; Espanha: –26,7%; França: –33%; Irlanda: –26,7%; Finlândia: –42,5%; Inglaterra: –44,5%; Suécia: –26%), o que prova que o ministro da Economia, pelo menos, revela ignorância sobre esta matéria.

Uma outra análise com consistência técnica que se pode fazer para avaliar se a situação em Portugal é melhor ou pior que a verificada em outros países da U.E. para os consumidores é, tomando como base o valor médio do salário hora auferido em cada país da U.E., calcular que percentagem do salário representa o preço, com impostos, de 100 kWh. Como os dados mais recentes relativos a salários divulgados pelo Eurostat são os de 2004, a comparação teve-se de fazer para o ano de 2004. Mas é evidente que as conclusões para 2006 seriam ainda piores para os consumidores portugueses, já que a subida dos salários em Portugal, nos anos de 2005 e 2006, foi inferior à média comunitária e o aumento dos preços de electricidade foi superior.
Em Portugal, para pagar o consumo de 100 kWh de electricidade, um trabalhador português tem de entregar o corresponde a 1,18 vezes o seu salário hora, enquanto a média na UE25 corresponde apenas a 57% do salário hora de um trabalhador. Por países, a situação era a seguinte: na Bélgica, o trabalhador só tem de entregar o correspondente a 46% do seu salário hora para pagar 100 kWh; na Dinamarca, 46,4%; na Alemanha, 76,8%; na Espanha, 68,3%; na França, 36,9%; na Itália, 91,7%; no Luxemburgo, 45,3%; na Holanda, 50,5%; na Áustria, 50,8%; no Reino Unido, 35,5%; na Suécia, 42,2%. Portanto, é o consumidor português que se encontra em pior situação. Pretender fazer crer, como tem feito o ministro da Economia do governo de Sócrates, que a situação dos consumidores em Portugal é mais favorável do que a generalidade dos países da União Europeia revela, pelo menos, grande incompetência técnica e grave ignorância que não é admissível a um membro de um governo.

OS CONSUMIDORES DO CONTINENTE FINANCIAM OS LUCROS DA EDP E MUITAS MAIS COISAS

Em 2006, por força do n.º 4 do Decreto-Lei 187/95, o aumento dos preços da electricidade para os consumidores domésticos não foi superior à taxa de inflação. No entanto, o Estado assinou contratos com as empresas produtoras de electricidade que permitem a estas aumentar os seus preços mais do que a inflação, o que contribuiu para gerar o chamado “défice tarifário”. Para além de financiar os lucros da EDP, os consumidores domésticos do Continente também têm de pagar os Custos de Interesse Geral, que abrangem os pagamentos às Autarquias pela utilização da rede (234 milhões de euros em 2006), os sobrecustos de cogeração (164 milhões de euros em 2006) e os sobrecustos de aquisição de energias renováveis (157 milhões de euros em 2006), ou seja, os lucros também destas empresas, assim como os custos de convergência tarifária das Regiões Autónomas (118 milhões de euros em 2006), ou seja, das tarifas mais baixas praticadas nestas regiões. Em 2006, estes custos somaram 673 milhões de euros e, em 2007, atingirão 742 milhões de euros (em 1999, representavam 3,5% do preço pago pelo consumidor e, em 2007, representarão já 13,4%). E como resultado de tudo isto é que surge o “défice tarifário” que, só em 2006, atingiu 399 milhões de euros.

Em 2006, o governo Sócrates publicou o Decreto-Lei 90/2006, cujos efeitos o ministro da Economia desconhece, apesar de pertencer ao governo, pois na Assembleia da República foi incapaz de responder às questões colocadas sobre os seus efeitos, o qual estabelece que aquele “défice” terá de ser pago pelos consumidores domésticos do Continente. O governo, no lugar de obrigar a EDP e as outras empresas a suportar tais custos e a reduzir os seus elevados lucros, preferiu sobrecarregar os consumidores domésticos com aumentos elevados do preço de electricidade em 2007 (inicialmente cerca de 15%, mas devido ao escândalo que representava tal aumento foi reduzido para 6%, que continua a ser bastante elevado tendo em conta a reduzida subida prevista dos salários ) e nos anos futuros (o aumento de 6% em 2007, apenas permite pagar 15% do défice tarifário de 399 milhões de euros referentes a 2006), o que determinará um agravamento ainda maior da situação de Portugal relativamente a outros países da U.E..

A IGNORÂNCIA DO MINISTRO DA ECONOMIA

A ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços de Electricidade), dependente do Ministério da Economia e da Inovação, elaborou um estudo com o título “Comparação internacional dos preços de electricidade”, que se encontra disponível no site desta entidade. O ministro da Economia afirmou, durante o debate do OE2007 na Assembleia da República, que os preços de electricidade para consumidores domésticos, incluindo os impostos, praticados em Portugal eram inferiores aos praticados nos outros países da U.E., com excepção de Espanha. E quando o confrontamos directamente com dados do Eurostat, que provavam que isso não era verdade, pois existiam mais países da U.E. onde os preços eram mais baixos, o ministro perdeu a compostura e entrou no ataque e mesmo na ofensa pessoal.
O quadro 4.1, que se encontra na pág. 37 do estudo da ERSE, que se transcreve, prova que o ministro da Economia se não mentiu, e admitimos que isso não tenha sucedido porque não terá sido intencionalmente, pelo menos revelou grande ignorância e incompetência técnica. E isto porque em muitos países da U.E., de que são exemplos a França e a Inglaterra, o preço da electricidade, incluindo impostos, é inferior ao preço pago pelos consumidores portugueses.
NO: Noruega; DK: Dinamarca; IE: Irlanda; SE: Suécia; LU: Luxemburgo; DE: Alemanha; NL: Holanda; BE: Bélgica: FI: Finlândia; SK: Eslováquia ; CZ :República Checa; AT: Áustria; FR: França; CY: Chipre; PL: Polónia; ES: Espanha; PT: Portugal; UK: Inglaterra; HU: Hungria; IT: Itália; LT: Lituânia; EE: Grécia; LV: Eslovénia; MT: Malta
No “grupo Dc” estão 36,4% dos consumidores portugueses, cujo consumo representa 48,2% de todo o consumo. Esses consumidores têm de pagar em Portugal por cada kWh de electricidade 14,1 cêntimos, enquanto na Áustria paga-se 13,40; na França 12,05; na Polónia 11,90; na Espanha 11,47; na Finlândia 10,78; na Hungria 10,75; na Inglaterra 10,20; na Grécia 7,31 cêntimos, etc.. O estudo da própria ERSE prova também que aquilo que o ministro afirmou na Assembleia da República não corresponde à verdade.
Eugénio Rosa
http://www.infoalternativa.org/autores/eugrosa/eugrosa102.htm

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