Sobre o pano de fundo da criação de uma base militar no Líbano
A crise política que assola o Líbano desde a última agressão israelense experimenta, desde há alguns dias, uma nova escalada — a mais violenta e a mais perigosa desde o fim da guerra civil em 1990. Esta escalada decorre do facto de o governo libanês, dirigido por Fuad Saniura (que foi um dos colaboradores mais próximos do ex-primeiro-ministro assassinado Rafic Hariri), recusar-se a levar a sério o grande movimento de protesto contra a sua política e deixar, em consequência, a cena política libanesa. Quando seis ministros já estão demissionários e, conforme o acordo de Taef (tornado parte integrante da Constituição em 1990), a formação dos governos deve ser baseada na participação de todas as confissões religiosas na proporção do número dos seus aderentes. Além disso, o primeiro-ministro não esconde que apelou a apoios nos dois cenários, regional e internacional. Assim, nos primeiros três dias que marcaram o fim da semana passada, pudemos ver e ouvir chefes de Estado e ministros, desde o Golfo Arábico até a América do Norte, a gritarem a sua solidariedade para com o governo "democrático" assediado por mais de um milhão de libaneses "vendidos ao estrangeiro" e "conduzidos pelo Irão e pela Síria"! E o que choca mais nestes gritos de solidariedade "democrática" contra um movimento de protesto libanês é que eles vêm de Condoleeza Rice, a representante de uma administração responsável pelos maiores crimes contra a humanidade, e também dos regimes da Arábia Saudita e do Egipto pouco conhecidos pelo seu reconhecimento das liberdades democráticas nos seus respectivos países. Além do mais, a França (a de Chirac e aquela que tenta substituí-lo) tomou partido, ela também, por um grupo de libaneses que até 2005 foram os mais encarniçados representantes da tutela síria. Tais posições, no dizer de muitos, constituem a razão pela qual o governo libanês recusa-se a discutir reivindicações da oposição, mesmo aquela cujo único objectivo é entrar no governo ou melhorar sua presença no seio do governo. E a luta encarniçada para salvaguardar os privilégios e o interesses toma formas bastante espantosas enquanto se esquece de falar do plano económico apresentado sob o título de "Paris 3" baseado em dois pontos essenciais: o primeiro sendo o das privatizações de todos os serviços considerados de utilidade pública, com um objectivo mais geral, a saber: a supressão gradual do sector público e da função pública. Quanto ao segundo, encontra-se na imposição de novos impostos indirectos e no aumento dos existentes (inclusive o IVA), ao mesmo tempo que reduzindo os salários e as pensões de reforma, de maneira a tornar a economia mais flexível segundo os critérios impostos pelo Banco Mundial. E ao mesmo tempo abrindo o Líbano, tanto no plano económico como político, para as transnacionais — o que o transformaria num paraíso fiscal para os "ricos" do planeta... A crise libanesa actual é, portanto, tão aguda que as soluções tradicionais tornam-se incapazes de resolvê-las como no passado. Sobretudo porque a ingerência estadunidense, vindo substituir a tutela síria (que os Estados Unidos haviam apadrinhado), manifesta-se não só no domínio político, através de diktats proferidos pelo seu embaixador no Líbano, David Fieltman, como também no domínio militar e sobretudo da informação, o que não se refere apenas ao que se passa entre nós... Aliás, são postos em movimento projecto para a construção de uma nova base americana na região de Jbeil; o que completaria o plano da repartição das bases americanas no Mediterrâneo Oriental e daria mais segurança a Israel, facilitando os seus planos e aqueles da administração americana visando a transferência de dezenas de milhares de novas famílias palestinas para o Líbano e ao mesmo tempo impedindo que aquelas já presentes (cerca de 60 mil, reunindo 360 mil pessoas) reintegrassem seu país conforme as resoluções das Nações Unidas que falam do direito dos refugiados palestinos ao retorno. Qual o plano que pode nos retirar da crise e salvaguardar a unidade nacional, ao mesmo tempo que impedindo o retorno a uma nova guerra civil que os Estados Unidos preparam entre as comunidades sunitas e xiitas do país? Pensamos que o melhor plano neste domínio é que aquele que resolvesse simultaneamente as crises políticas que o assolam tanto no plano da representatividade do parlamento (formado, na sequência da retirada dos sírios nos ano 2005, de acordo com uma lei eleitoral injusta e preparada por estes mesmo sírios no ano 2000) como no plano do poder executivo (Presidente da República e do Governo). Este plano poderia conter os seguintes pontos: 1- Demissão do governo de Fuad Saniura e constituição de um governo provisório que terá um prazo de três meses a fim de promulgar uma nova lei eleitoral (que a maioria dos libaneses quer que seja baseada no princípio da proporcionalidade e sem quotas confessionais). 2- A partir do momento em que a lei eleitoral seja promulgada, deveriam ter lugar eleições legislativas antecipadas a fim de eleger um novo parlamento. 3- O novo parlamento elegerá um novo Presidente da República, que terá como primeira tarefa a constituição de um governo de unidade nacional a fim de que todas as formações políticas libanesas tentem por em prática as soluções necessárias em todos os domínios, a começar pela criação da "Comissão para a supressão do confessionalismo", contida nos Acordo de Taef, e a reforma económica necessária. Mas os Estados Unidos e os israelenses consentirão ou, antes, continuarão as pressões através de certas formações políticas libanesas a fim de realizar aquilo que Israel não pôde fazer durante a agressão de Julho de 2006: o confisco das armas do Hezbollah...
Marie Nassif-Debs
http://resistir.info/
A crise política que assola o Líbano desde a última agressão israelense experimenta, desde há alguns dias, uma nova escalada — a mais violenta e a mais perigosa desde o fim da guerra civil em 1990. Esta escalada decorre do facto de o governo libanês, dirigido por Fuad Saniura (que foi um dos colaboradores mais próximos do ex-primeiro-ministro assassinado Rafic Hariri), recusar-se a levar a sério o grande movimento de protesto contra a sua política e deixar, em consequência, a cena política libanesa. Quando seis ministros já estão demissionários e, conforme o acordo de Taef (tornado parte integrante da Constituição em 1990), a formação dos governos deve ser baseada na participação de todas as confissões religiosas na proporção do número dos seus aderentes. Além disso, o primeiro-ministro não esconde que apelou a apoios nos dois cenários, regional e internacional. Assim, nos primeiros três dias que marcaram o fim da semana passada, pudemos ver e ouvir chefes de Estado e ministros, desde o Golfo Arábico até a América do Norte, a gritarem a sua solidariedade para com o governo "democrático" assediado por mais de um milhão de libaneses "vendidos ao estrangeiro" e "conduzidos pelo Irão e pela Síria"! E o que choca mais nestes gritos de solidariedade "democrática" contra um movimento de protesto libanês é que eles vêm de Condoleeza Rice, a representante de uma administração responsável pelos maiores crimes contra a humanidade, e também dos regimes da Arábia Saudita e do Egipto pouco conhecidos pelo seu reconhecimento das liberdades democráticas nos seus respectivos países. Além do mais, a França (a de Chirac e aquela que tenta substituí-lo) tomou partido, ela também, por um grupo de libaneses que até 2005 foram os mais encarniçados representantes da tutela síria. Tais posições, no dizer de muitos, constituem a razão pela qual o governo libanês recusa-se a discutir reivindicações da oposição, mesmo aquela cujo único objectivo é entrar no governo ou melhorar sua presença no seio do governo. E a luta encarniçada para salvaguardar os privilégios e o interesses toma formas bastante espantosas enquanto se esquece de falar do plano económico apresentado sob o título de "Paris 3" baseado em dois pontos essenciais: o primeiro sendo o das privatizações de todos os serviços considerados de utilidade pública, com um objectivo mais geral, a saber: a supressão gradual do sector público e da função pública. Quanto ao segundo, encontra-se na imposição de novos impostos indirectos e no aumento dos existentes (inclusive o IVA), ao mesmo tempo que reduzindo os salários e as pensões de reforma, de maneira a tornar a economia mais flexível segundo os critérios impostos pelo Banco Mundial. E ao mesmo tempo abrindo o Líbano, tanto no plano económico como político, para as transnacionais — o que o transformaria num paraíso fiscal para os "ricos" do planeta... A crise libanesa actual é, portanto, tão aguda que as soluções tradicionais tornam-se incapazes de resolvê-las como no passado. Sobretudo porque a ingerência estadunidense, vindo substituir a tutela síria (que os Estados Unidos haviam apadrinhado), manifesta-se não só no domínio político, através de diktats proferidos pelo seu embaixador no Líbano, David Fieltman, como também no domínio militar e sobretudo da informação, o que não se refere apenas ao que se passa entre nós... Aliás, são postos em movimento projecto para a construção de uma nova base americana na região de Jbeil; o que completaria o plano da repartição das bases americanas no Mediterrâneo Oriental e daria mais segurança a Israel, facilitando os seus planos e aqueles da administração americana visando a transferência de dezenas de milhares de novas famílias palestinas para o Líbano e ao mesmo tempo impedindo que aquelas já presentes (cerca de 60 mil, reunindo 360 mil pessoas) reintegrassem seu país conforme as resoluções das Nações Unidas que falam do direito dos refugiados palestinos ao retorno. Qual o plano que pode nos retirar da crise e salvaguardar a unidade nacional, ao mesmo tempo que impedindo o retorno a uma nova guerra civil que os Estados Unidos preparam entre as comunidades sunitas e xiitas do país? Pensamos que o melhor plano neste domínio é que aquele que resolvesse simultaneamente as crises políticas que o assolam tanto no plano da representatividade do parlamento (formado, na sequência da retirada dos sírios nos ano 2005, de acordo com uma lei eleitoral injusta e preparada por estes mesmo sírios no ano 2000) como no plano do poder executivo (Presidente da República e do Governo). Este plano poderia conter os seguintes pontos: 1- Demissão do governo de Fuad Saniura e constituição de um governo provisório que terá um prazo de três meses a fim de promulgar uma nova lei eleitoral (que a maioria dos libaneses quer que seja baseada no princípio da proporcionalidade e sem quotas confessionais). 2- A partir do momento em que a lei eleitoral seja promulgada, deveriam ter lugar eleições legislativas antecipadas a fim de eleger um novo parlamento. 3- O novo parlamento elegerá um novo Presidente da República, que terá como primeira tarefa a constituição de um governo de unidade nacional a fim de que todas as formações políticas libanesas tentem por em prática as soluções necessárias em todos os domínios, a começar pela criação da "Comissão para a supressão do confessionalismo", contida nos Acordo de Taef, e a reforma económica necessária. Mas os Estados Unidos e os israelenses consentirão ou, antes, continuarão as pressões através de certas formações políticas libanesas a fim de realizar aquilo que Israel não pôde fazer durante a agressão de Julho de 2006: o confisco das armas do Hezbollah...
Marie Nassif-Debs
http://resistir.info/
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