segunda-feira, dezembro 04, 2006

Portuguesismos

Ainda pelo Expresso de hoje decidi espreitar o caderno de Economia, o que para mim é pouco habitual, mas um tipo não deve negar uma “ciência” que desconhece.
E por lá encontrei dois textos sintomáticos do que é o “ser português” no que tem de fatalista e ao mesmo tempo de crítica ao fatalismo. Num deles, Nicolau Santos escreve sobre a necessidade de deixarmos de ser cépticos quanto às nossas possibilidades de vingarmos e termos sucesso e dá exemplos de várias coisas boas com origem em Portugal e usadas lá fora por pessoas e instituições de renome.
O problema é que o mais certo é que essas coisas (sejam programas informáticos para a Nasa ou sapatos para o Spielberg) é não serem reconhecidas pelos seus utentes como portuguesas ou, inclusivamente, serem usadas apesar de… É verdade a nossa proverbial baixa auto-estima não é um mito e, principalmente, não é um mito cá do torrão. A nossa imagem lá fora está longe de ser a de um país de inovação e qualidade, praias e golf para aposentados ou empresários de média gama à parte.
Para além de que, para quase todos os países do mundo, é possível encontrar exemplos equivalentes.
Mas talvez o mais grave seja o que vem exactamenbte nas páginas anteriores a este texto optimista de Nicolau Santos. Nas páginas 2 e 3 do mesmo caderno dá-se a saber que deixámos há muito de ser auto-suicientes numa das nossas tradicionais e emblemátcas produções, o azeite, sendo que mesmo o que consumimos e é produzido a partir das nossas oliveiras, acaba por ser transformado e nos é revendido por empresas espanholas.
Tudo isto porque, vão lá duas décadas, muito boa gente acorreu aos subsídios da então CEE para extirpar oliveiras, porque existiria então um excedente de azeite na Europa comunitária. Exactamente há 19 anos, em Dezembro de 1987, eu concluía um curso de pós-graduação em detecção remota (uma modernice da altura paga com alguns dos primeiros fundos do FSE), cujo trabalho prático passou por analisar através de fotografia aérea e de satélite, e depois no terreno, a eventual existência de restos arqueológicos soterrados nos campos de algumas zonas do Alentejo. E foi nessas fotos que vi pela primeira vez a cratera criada pelo arranque de oliveiras centenárias e me choquei com o atentado ambiental que aquilo significava, assim como a absoluta irracionalidade de subsidiar a não-produção e mesmo a tentativa de quase extinguir uma actividade tradicional, em vez de pagar para a sua modernização.
Mesmo muitos pequenos e médios produtores preferiram receber de uma vez o dinheirinho, à boa e velha moda portuguesa de olhar só para o curto prazo, do que investir algo na melhoria do seu modo de vida. Agora vemos no que isso deu. Até o azeite contribui para nos desiquilibrar a balança comercial.
Por isso mesmo, e por muito que goste de por cá viver e nunca me tenha ocorrido seriamente emigrar para lado nenhum, não posso deixar de achar que nós temos o país que merecemos, pois fomos nós que o transformámos no que é, com todas as suas limitações resultantes do acomodamento e as virtudes de desenrascanço. Será certamente muito interessante saber que o Blair veste umas fatiotas feitas ali para o norte ou que os bonecos da Guerra das Estrelas calçam umas sapatolas de origem nacional. No entanto, e chame-me saudosista quem quiser, preferia que tudo isso fosse feito a par com a modernização dos clusters empresariais da nossa economia que apresentam um carácter específico e competitivo nos mercados internacionais, onde temos vantagens comparativas (eu sei, fui dos que li e gostei do relatório Porter sobre o assunto) do que ir apostar em sectores que hoje já estão ocupados por quem lá chegou muito antes de nós. Podemos ter exemplos de sucesso nessas áreas, mas serão sempre casos relativamente isolados e singulares e não uma rede capaz de servir de base para um modelo de desenvolvimento.
Fatalismo? Desânimo? Não, apenas consciência de 20 anos falhados de generalizada subsidiodependência, sem capacidade de criar um modelo de desenvolvimento específico, que não passe pela venda de telemóveis, a abertura de grandes superfícies ou pelo negócio das obras públicas e construção civil.
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