sábado, dezembro 09, 2006

Robôs e computadores geram mais empregos do que destroem?

Nos primórdios do capitalismo, as pessoas tinham absoluta certeza de que as máquinas lhes tiravam os meios de subsistência. Com o tempo, passou-se a uma opinião radicalmente inversa. O progresso tecnológico geraria sempre mais empregos do que elimina. Como seria essa relação no século 21?

Notamos que nos primeiros tempos em que se tentou introduzir máquinas com a finalidade de produzir algo útil, a reação foi brutal. Numa nota de rodapé de “O Capital” de Karl Marx, podemos ler que: “O tear de fitas foi inventado na Alemanha. O abade italiano Lancellotti conta, num texto publicado em Veneza no ano de 1636: ‘Anton Müller de Dantzig viu, há cerca de 50 anos’ (ele escrevia em 1629) ‘uma máquina muito engenhosa que fabricava 4 a 6 tecidos ao mesmo tempo; mas como o Conselho Municipal receava que essa invenção transformasse uma porção de trabalhadores em mendigos, suprimiu o emprego da invenção e mandou secretamente estrangular ou afogar o inventor’”.(1)

Seguem-se várias outras referências em que notamos principalmente o fato de que, depois da reação violenta dos trabalhadores, as máquinas são proibidas pelas autoridades constituídas, em alguns casos, foram queimadas publicamente por ordem “do magistrado”. Várias “ordenações” e até éditos imperiais são citados como proibindo o uso de máquinas.

Isso prova que os bons cidadãos e mesmo os monarcas da época, não viam com bons olhos essas novidades. Podemos concluir que, a idéia de que a introdução de equipamentos mecânicos para produzir mercadorias, geraria prosperidade e riqueza para todos, inclusive para os trabalhadores, é bastante recente.

Mesmo quando chegamos a revolução industrial, quando a burguesia, única realmente interessada nesses inventos, impõe o uso das máquinas, valendo-se de seu crescente poder político, as opiniões não são unânimes. David Ricardo, dizendo-se influenciado por Adam Smith, chega mesmo a afirmar que “A opinião mantida pela classe trabalhadora, de que o emprego da maquinaria é freqüentemente prejudicial aos seus interesses, não é fundada em preconceito ou em erro, mas conforme os princípios corretos da economia política”. (2)

Mas ele logo acrescenta uma ressalva: “As afirmações que fiz não levarão, espero, à conclusão de que o uso da maquinaria não deve ser encorajado. Para elucidar esse princípio, eu supus que a maquinaria aperfeiçoada é repentinamente descoberta e usada extensivamente. Mas a verdade é que essas descobertas são graduais e influem mais na determinação do emprego do capital que é poupado e acumulado, do que no desvio de capital de suas presentes aplicações”. (3)

Em outras palavras, apesar de concordar em que os trabalhadores são prejudicados, ele tranqüiliza seus contemporâneos, baseado em que o progresso tecnológico é sempre bastante “gradual”, e portanto os inconvenientes podem ser devidamente contornados.

Karl Marx, ironiza essa mesma “inconveniência temporária”, causada pela automação, e em suas observações sobre a “Luta entre Trabalhador e Máquina” descreve um rosário de sofrimentos causados aos operários desempregados pelas novas tecnologias de sua época. É contra isso, e já não mais contra as máquinas, que ele se baseia para criticar os “economistas burgueses” que segundo ele, eram “apologetas” da tecnologia.

Mas não deixa de observar que: “É preciso tempo e experiência até que o trabalhador distinga a maquinaria de sua aplicação capitalista e, daí, aprenda a transferir seus ataques do próprio meio de produção para sua forma social de exploração”. (4)

E continua: “As lutas por salário dentro da manufatura pressupõe a manufatura e não são voltadas, de nenhuma maneira, contra a sua existência”. (5) Em resumo, Marx acredita que a “manufatura” jamais irá prescindir de operários, esses é claro, devem lutar contra seus patrões, e portanto tudo se resume na aplicação “capitalista” da tecnologia.

Notamos que gradualmente, as máquinas passam de objetos a serem devidamente queimados em praça pública, por ordem “do magistrado”, para a condição de engenhos que devem ser usados com ressalvas. Segundo Ricardo, de maneira “gradual” e segundo Marx, de forma a evitar os terríveis “inconvenientes” causados por sua introdução.

Então como a tecnologia, com suas máquinas e linhas de produção automatizadas, passaram a ser verdadeiros ícones do progresso humano, tanto nos países capitalistas como nas “democracias populares”, apenas algumas décadas depois? Por que parece que os operários passam a aceita-las como fonte de sua prosperidade, mesmo não sendo seus possuidores?

Por que agora, no século 21, em que as tecnologias de automação, informação e telecomunicações, destroem milhões de empregos, esse fato não parece de modo algum preocupar os trabalhadores e muito menos aos senhores magistrados?

Teria sido de fato demonstrado que os frutos da tecnologia sempre geram mais empregos e renda do que eliminam? Nesse caso como? De fato não é tão fácil responder a essa pergunta, mas temos uma pista.

Ao analisarmos em detalhes as demonstrações numéricas, tanto de Ricardo quanto às de Marx, notamos que o primeiro temia que o lucro do capital, propiciado pelas máquinas, fosse desviado para o consumo de luxo das classes ociosas, retirando de circulação o capital necessário para a geração de novos empregos.

Para Marx, o problema maior estava na imobilização do capital em forma de máquinas e equipamentos, e na redução de salários, que derivava do aumento do contingente do “exercito de reserva”, a disposição dos capitalistas.

De fato, nenhum desses temores se confirmou. Isso se deve ao fato de que a produtividade das máquinas era muito maior do que se supunha de início. Em muitos casos, deve ter ocorrido o que os profissionais de informática conhecem hoje como “paradoxo da produtividade”, que consiste na utilização dos computadores fora de um contexto adequado para sua utilização com potencial máximo.

Assim, nas palavras do prêmio Nobel Robert Solow: "Vemos o computador por toda parte, menos nas estatísticas de produtividade". Hoje sabemos que o problema não estava nos computadores e sim na maneira de usa-los. Em muitos casos, faltavam planejamento e modernização dos métodos de trabalho.

É razoável supor que muitas indústrias tenham adquirido máquinas modernas mas, por falta de capacidade gerencial, não souberam como utiliza-las da melhor forma possível. O surgimento de uma nova “cultura empresarial”, que culmina com a introdução dos “Princípios de Administração Científica” de Taylor, e das linhas de montagem, adotadas por Henry Ford, por exemplo, faz a produtividade dar saltos espetaculares.

Some-se a isso a enorme capacidade de expansão dos mercados em meados do século 19 e princípios do século 20, e o que temos é uma antes impensável geração de riquezas a nível mundial. Por esse raciocínio, podemos concluir que a primeira e a segunda guerra mundial não passaram de uma gigantesca disputa por novos mercados.

Os receios de Ricardo e Marx se dissiparam porque os capitais gerados pelas máquinas, na verdade, foram sempre investidos em novas fábricas, gerando novos empregos. Mesmo o milionário mais perdulário e excêntrico, não conseguia dissipar seus imensos lucros em consumo inútil. Por outro lado, ao contrário das previsões de Marx, o proletariado conseguiu ser incorporado a sociedade de consumo.

A partir daí, embora cada empresário continuasse a procurar pagar o mínimo para seus empregados, não mais concordava que todos devessem fazer isso. Agora era do seu interesse que os outros patrões fossem mais “compreensivos” e “progressistas”, ao atender as reivindicações por aumentos de salários e benefícios.

Isso parecia provar que os “deslocamentos” de mão-de-obra de um setor para outro, não eram tão problemáticos assim. Afinal os capitais gerados pelo aumento de produtividade não poderiam faltar ao novo encontro com os trabalhadores “liberados”.
Como todos os setores imagináveis de atividade econômica precisavam de mão-de-obra, esses capitais necessariamente gerariam empregos.

Mas existia um fator que não entrou nos cálculos dos economistas. A partir de um certo nível de automação, o capital não é mais reinvestido na geração de novos empregos, e sim na aquisição de mais tecnologia. Em outras palavras, o capital pode voltar a reproduzir-se empregando robôs e computadores, do mesmo modo que antes o fazia com trabalhadores humanos.

Isso explica porque o sistema capitalista em si não entra em colapso. Ao contrário das previsões dos neomarxistas. Mas também não gera novos empregos, como afirmam os neoliberais. O recente fenômeno, já batizado de “jobless recovery” (recuperação sem empregos), nos EUA, onde a economia cresce mas o nível de emprego e renda dos trabalhadores permanece estagnado ou até sofre retração, é um sinal claro de que esse processo está em andamento.

Devemos notar que a reação dos governos conservadores, de reduzir impostos para incentivar a produção, obtém resultados indiscutíveis no que se refere ao aumento da produção. Mas não tem efeito algum sobre os irreversíveis processos de precarização do mercado de trabalho.

Mas ocorre que se o velho proletariado pode ser descartado como fator de produção, não pode ser ignorado como sendo o principal consumidor de bens e serviços nas economias modernas.

Ironicamente, o poder de compra do trabalhador e não a falta de acumulação ou o desperdício do capital poderá vir a se tornar o verdadeiro limite para sua expansão.

Notas:

(1) MARX, Karl – “O Capital” - Vol 1 – Tomo 2 – Abril Cultural – Pág. 48/49
(2) RICARDO, David - “Princípios de economia política e tributação” – “Os Pensadores” - Abril cultural – Vol. XXVIII – pág. 116
(3) Idem. Pág. 344
(4) MARX, Karl – “O Capital” - Vol 1 – Tomo 2 – Abril Cultural – Pág. 47
(5) Idem.

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