sábado, janeiro 20, 2007

A Absoluta Ignomínia

“Alunos de 12 anos inquiridos sobre vida sexual dos Pais”
A notícia de hoje do Expresso com destaque de primeira página (e desenvolvimento na p. 14) é das mais perturbadoras de sempre em relação à forma como o Estado se está a apropriar da Escola Pública como mecanismo de controle e devassa da privacidade dos cidadãos.
Na minha Escola não apareceu tal coisa, nem até ao momento alguém me falara em tamanho atentado à privacidade dos indivíduos e das famílias. É certo que circula um outro tipo de inquérito, igualmente controverso, sobre a caracterização socio-económica dos agregados familiares dos alunos. No entanto, para esse consigo imaginar alguma justificação e utilidade. Mas quanto a um inquérito que visa inquirir os alunos sobre aspectos da vida privada da sua família, incluindo o comportamento sexual dos pais, só se pode manifestar a mais profunda repulsa. Não compreendo a sua utilidade e refuto liminarmente qualquer tipo de justificação que se pretenda encontrar. Não me interessa se é voluntário ou se é anónimo.
Acho simplesmente indecoroso que o Estado se sirva dos alunos do ensino público para fazer estudos desconchavados, pseudo-sociológicos com amostras sem critério ou qualquer tipo de garantia de fiabilidade das respostas. E também não aceito de ânimo leve que colegas meus sejam suficientemente passivos para aceitarem fazer tal inquérito aos seus alunos sem se interrogarem sobre a falta de ética de tudo isto.
Reforçando a adjectivação, tudo isto é vergonhoso mas é apenas mais uma peça que demonstra ao ponto a que o Estado chegou na monitorização da vida dos seus cidadãos, usando a escola pública como instrumento de devassa da privacidade. É absolutamente inaceitável.
Sempre desconfiei das teorias algo conspirativas que encaram a Escola como um mecanismo de opressão e regulação dos indivíduos por parte do estado e de outros poderes; pelo contrário, sempre considerei que a Escola e a Educação são, com maiores ou menos obstáculos, instrumentos fundamentais para os indivíduos e as sociedades se emanciparem de boa parte das limitações à liberdade que lhes sejam impostas.
Confesso que, nos dias que vão escorrendo, começo pela primeira vez a questionar o meu optimismo e fé na forma como a Escola está a ser usada pelo Estado para controlar os cidadãos. Usar crianças e jovens para inquirir, sem consentimento parental, os hábitos das suas famílias é um escândalo. Se um jovem cometer publicamente uma infracção no espaço escolar é necessário a presença de um adulto responsável para o processo disciplinar ser válido, mas para espiar a privacidade desses mesmos adultos, a autorização pode ser aparentemente dada pelo menor.
Não me falem depois nas virtudes d(est)a democracia. Porque isto é ao nível da pior intromissão de qualquer regime totalitário na vida dos indivíduos.
E não deixa de ser estranha a reacção do inefável Abílio Almeida, ex-presidente da Confap, que se limita a discordar da formulação das questões, pois acha que as questões deviam ser diferentes para jovens de 12 ou 17 anos e acrescenta que, para quem viva tais situações, essa formulação pode ser “inibidora”. Portanto, o senhor considera que não há problema na existência do inquérito, nem na sua substância, mas apenas na forma. Não me espanta tal reacção, apenas a registo com naturalidade.
Quanto a mim gostaria de conhecer a opinião oficial da Confap sobre este assunto - sou professor mas também sou pai e não gosto de abusos de confiança por parte do Estado - assim como dos articulistas e opinadores que sempre têm estado do lado do Ministério que aprova a circulação de um inquérito deste tipo nos estabelecimentos de ensino sob sua tutela.
Porque há (deveria haver, pelos menos) limites para tudo.
E isto ultrapassa o mero desrespeito pelas instituições ou pelos seus profissionais, entrando pela pura e simples agressão aos direitos constitucionais de todos nós.
E PIM.
http://educar.wordpress.com/

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