sábado, janeiro 13, 2007

Big Brother goes global

Diz-se que é necessário abdicar de algumas liberdades civis em nome da “guerra contra o terrorismo”, desde que as restrições à liberdade sejam temporárias e acabem logo que cesse a ameaça. Há muita coisa de errado neste argumento, por exemplo o facto de a “guerra contra o terrorismo” ser permanente e não temporária. A “guerra contra o terrorismo” substituiu a “Guerra Fria” como a ideologia legitimadora da globalilzação capitalista. O económico e o político andam de mão dada. Para além disso, a “guerra contra o terrorismo” é bastante mais perigosa do que a “Guerra Fria” alguma vez foi. Nesses tempos, havia algumas ideologias em competição (capitalismo de estilo ocidental, democracia liberal, social democracia, comunismo à maneira soviética, à maneira chinesa e uma quantidade de socialismos de terceiro mundo. Hoje, existe a “guerra contra o terrorismo”, capitalismo de mercado livre ao estilo ocidental e “liberdade e democracia”. Também se diz que, mesmo abdicando dessas liberdades, a nossa vida não mudou assim tanto. Mas a vida de quem? Dos europeus brancos? De certeza que não se fala da vida dos refugiados que procuram asilo na Europa (há mais a morrerem a tentar entrar, mais a quem é recusada a entrada, mais a serem detidos nos centros de detenção e muitos mais a serem “voluntariamente” repatriados, ou, se se opuserem, enviados de volta à força. As comunidades de migrantes, especialmente as muçulmanas, são alvo de vigilância, rusgas e buscas nas suas casas. Negros e outras pessoas do terceiro mundo, sejam de primeira, segunda, terceira ou quarta geração, são alvo de racismo e rusgas policiais. Diz-se ainda que as medidas adoptadas (ou planeadas) depois do 11 de Setembro mantêm o equilíbrio entre a segurança e as liberdades públicas. O que é assustador é que os governos, os ministros, os secretários de Estado e muitos deputados acham mesmo que isto é verdade. E isto é assustador não apenas porque eles não conseguem ver como a vida de refugiados e migrantes se alterou de forma drástica, mas também porque estão a impor medidas que irão colocar toda a população europeia sob vigilância. A vigilância de movimentos Em primeiro lugar, haverá a vigilância de movimentos. E assim se vai uma das quatro “liberdades” básicas da UE – a liberdade de movimento de país para país sem se ser controlado. Todos os países terão que emitir passaportes ou cartões de identidade para embarcar em aviões (mesmo para viagens internas). Em Abril de 2004, a UE concordou que deveriam ser introduzidos controlos do registo do nome do passageiro (passanger name record – PNR) de e para a UE – todos os visitantes e residentes da UE serão “examinados” antes de embarcar . Não é claro com base em que “listas” é que a identidade das pessoas será “verificada”. Será a lista de organizações e indivíduos “terroristas” da UE, ou será uma lista mais vasta de “suspeitos” de terrorismo, ou talvez listas dos procurados ou suspeitos de terrorismo, crime organizado e qualquer tipo de ofensa criminal? É uma questão de tempo até que um “Sistema Avançado de Infomações sobre os Passageiros” (Advanced Passenger Information System – APIS) seja introduzido. Colocará todos os passageiros numa de três categorias: Verde, podes embarcar. Amarelo, serás sujeito a inspecções extra de bagagens e pessoa e/ou questionado ou colocado sob vigilância à chegada. Vermelho e és detido à chegada, ou no balcão de check in. Claro que há falhas neste sistema e há testes que demostraram que 5 a 15% dos passageiros podem ser classificados como “Amarelos”, dependendo da abrangência da lista contra a qual a identidade das pessoas é verificada. E a maior falha de todas é que, desde que os serviços secretos ou a polícia não saibam que determinada pessoa é terrorista, essa pessoa entrará pelo canal “Verde”. Em segundo lugar, a UE decidiu, em Dezembro 2004, introduzir passaportes “biométricos”. A UE diz que são necessários para responder às exigências internacionais quanto a documentos de viagem “biométricos, em linha com o standard adoptado pela Organização Internacional de Aviação Civil (OIAV), uma medida que saiu do G8, dirigido pelos EUA e pela Inglaterra. No entanto, os standards da OIAV só determinam que se deve incluir nos documentos de viagem uma fotografia digital, muito simplesmente a habitual fotografia que se pode enviar no pedido de passaporte que se manda pelo correio a ser digitalizada e colocada num chip que possa ser lido. Isto permite um controlo “olhos nos olhos” sobre se a pessoa que tem o passaporte é ou não a mesma pessoa da fotografia digitalizada. A medida do passaporte biométrico da UE irá envolver o tirar de duas (ou mais) impressões digitais a todas as pessoas que peçam um novo passaporte (ou que o peçam pela primeira vez). Como a maior parte das pessoas que viajam dentro do espaço Schenge o fazem apenas com os documentos de identificação nacional, há a proposta, sob o Programa de Haia, de estabelecer “condições mínimas” para esses cartões, o que, sem dúvida, irá “harmonizar” o uso das impressões digitais. O Reino Unido decidiu ficar de fora das provisões de Schengen sobre controlos fronteiriços e imigração e, portanto, não está coberto pelo esquema da UE e é por isso que está a propor-se introduzir os seus próprios “passaportes biométricos”. Propõe-se fazê-lo para o Outono de 2006 (para quem peça passaporte pela primeira vez) e, depois, para todas as renovações. Isto implicará o tirar de impressões digitais e uma digitalização facial (uma digitalização que detecte e armazene até 1840 características únicas da cara de uma pessoa) de talvez uma digitalização de íris. Os detalhes biométricos e pessoais do indivíduo serão, inicialmente, armazenados em bases de dados nacionais que, posteriormente, serão adicionadas a outras, de forma a construir uma base de dados europeia. As implicações são enormes. Nos próximos 10 anos, à medida que os passaportes forem sendo renovados, milhões de pessoas terão que se deslocar fisicamente a um “centro de processamento” para serem “registadas”. No Reino Unido , estima-se que esse número seja de 5 milhões de pessoas por ano. O “registo” implicará não apenas ter que ir a um centro (em vez de enviar a candidatura por correio). As pessoas serão entrevistadas e terão que apresentar documentos comprovativos da sua identidade. Depois, ser-lhes-ão obrigatoriamente tirados os dados biométrico. No Reino Unido, o governo está a tentar passar uma lei no parlamento que fará com que cada pessoa que peça um passaporte (pela primeira vez ou para renovação) receba também um cartão de identidade nacional. Tal como já referido anteriormente, as pessoas que vivem no espaço Schengen (15 países) e que têm cartões nacionais de identidade serão sujeitas ao mesmo processo quando as novas medidas forem aprovadas. Deslizando para uma “sociedade da vigilância” A introdução dos passaportes biométricos e cartões nacionais de identidade é penas parte do quadro completo. Está a caminho um novo cartão de saúde da UE que guardará toda a história médica de cada pessoa num chip. Não será disparatado pensar que, nos próximos dez anos, haverá movimentações com vista a conseguir unificar o passaporte europeu, oas cartões nacionais de identidade, as cartas de condução e o cartão de saúde num único cartão. As preocupações sobre a privacidade irão ser trocadas pela comodidade. É, pelo menos, isso que as autoridades esperam. A vigilância das comunicações: retenção de dados A terceira maior questão é a da obrigatoriedade de retenção de dados. Há anos que as agências de imposição da lei andavam a fazer pressão para terem acesso a dados relacionados com comunicações, mas a oposição de grupos de liberdades civis e de protecção da privacidade encontraram eco nos meios de comunicação e numa grande parte da sociedade civil. No dia 20 de Setembro de 2001, apenas nove dias depois do 11 de Setembro, o encontro especial do Conselho de ministros da Administração Interna e da Justiça trouxe o assunto de volta para as prioridades da agenda europeia. A proposta que se encontra agora em discussão (N.T.: este texto foi escrito antes da aprovação da respectiva directiva, mas os problemas que o texto coloca no condicional, colocam-se já na prática) implicaria que os fornecedores de comunicações e serviços relacionados tivessem que armazenar dados de todas as chamadas telefónicas, faxes, chamadas de telemóvel (incluindo a sua localização) emails e navegação na internet por um período mínimo de 12 meses e ter esses dados disponíveis para qualquer departamento de imposição da lei (polícia, guardas fronteiriços, alfândega, pessoal da imigração, para além dos serviços de segurança interna que ainda não têm acesso). A proposta também permite a troca destas informações entre autoridades de diferentes países da UE (e fora). Há, no entanto, alguns problemas nesta proposta. As alterações tecnológicas têm permitido que os fornecedores de serviços de internet e email por ADSL forneçam uma utilização ilimitada e já não necessitem de guardar um registo de utilização (a utilização antiga baseava-se na facturação dependente da utilização). De acordo com a proposta de directiva, os fornecedores de serviços teriam, por um período mínimo de 1 ano, que guardar dados que já não necessitam de guardar (e, mesmo quando ainda precisavam de os guardar, não o faziam por mais de 2 ou 3 meses). Portanto, há uma questão que se levanta: quem irá pagar este trabalho adicional e este espaço de armazenamento? O Estado ou as empresas? Outra questão fundamental é a base legal da proposta. Tanto os serviços legais do Conselho como os da Comissão opinam que a proposta deveria ser dividida em duas bases legais distintas. Uma, que cobrisse a obrigatoriedade de os fornecedores de serviços de internet recolherem e guardarem os dados, o que requer uma decisão de “primeiro pilar”, onde o Parlamento Europeu tem um poder de co-decisão (ou seja, tem que concordar com o texto). A outra, onde se deve decidir com base no “terceiro pilar” (e onde o PE é apenas “consultado”), que cobrisse as questões relacionadas com o acesso e a troca de dados por parte dos seviços de imposição da lei. Neste momento, os cinco governos que apresentaram a proposta, com a conivência doutros governos, estão a tentar ignorar estas questões legais e a agir como se nada estivesse errado. O “princípio da disponibilidade” A vigilância total dos movimentos e das telecomunicações que se planeia, apoiada pela introdução das impressões digitais de toda a gente que vive na UE e, eventualemente, o armazenamento de todos estes dados pessoais e biométricos numa base de dados europeia, será complementada pelo chamado “princípio da disponibilidade”. Todas as informações retidas a nível nacional por serviços de imposição da lei em todos os 25 Estados membros estariam, de acordo com este princípio, disponíveis para todos os outros serviços similares. Um relatório nunca publicado sobre este “princípio” (documento da UE nr. 7416/05) diz que os cidadãos da UE querem “liberdade, segurança e justiça” e que: “não é relevante para eles (cidadãos) como as competências são divididas entre as diferentes autoridades para atingir esses resultados” O relatório acaba sugerindo que o objectivo final não é que todas as autoridades de todos os Estados membros da UE tenham acesso a dados pessoais relacionados com a lei e a ordem (incluindo impressões digitais e dados de ADN). As agências de imposição da lei deveriam também ter: “acesso directo aos sistemas administrativos nacionais de todos os Estados membros (i. e. registos das pessoas, incluindo personalidade legal, veículos, armas de fogo, documentos de identidade e cartas de condução, assim como registos marítimos e aéreos”). “Sistemas administrativos nacionais” que irão, certamente, incluir dados médicos pessoais, quando este estiverem disponíveis nas bases de dados nacionais (como estarão no Reino Unido em 2006). O que é igualmente perigoso é que o “princípio da disponibilidade” iria significar que as autoridades se iriam “auto-regular”, podendo esconder o uso indevido ou abusivo. Os serviços de imposição da lei iriam poder interpretar e decidir no que respeita à protecção e à partilha de dados pessoais. Onde, antes, cada pedido tinha que ser canalizado pelos ministros da Administração Interna, que os analisavam antes de os autorizarem (muito por serem legal e politicamente responsáveis pela decisão), agora haverá um “mercado livre” de dados pessoais sem nenhum tipo de protecção digno desse nome. Em nome da “guerra contra o terrorismo” Todas estas medidas seriam quase impensáveis há cinco anos atrás, mas agora, em nome da “guerra ao terrorismo”, todas têm passado com bastante facilidade, dando poucas oportunidades para a discussão pública ou, sequer, para o debate parlamentar. Argumenta-se constantemente que os serviços de imposição da lei necessitam de todas estas medidas para a sua luta contra o “terrorismo”. Há várias falhas neste argumento. Em primeiro lugar, a linha da frente no combate ao terrorismo são os serviços secretos e não os serviços de imposição da lei. São os primeiros que recolhem SIGINT (sinais de “inteligência”), COMINT (comunicações de “inteligência”) e HUMINT (“inteligência” humana), apesar desta última estar muito sub-desenvolvida antes do 11 de Setembro de 2001. Na maioria dos países, estes serviços têm todos os poderes que precisam. Os serviços de imposição da lei, no que diz respeito ao terrorismo, jogam um papel secundário ou de apoio. O combate ao “terrorismo” tem sido, e é, utilizado por governos e autoridades, pelos serviços de imposição da lei ciosos de alargar o seu poder e o seu estatuto, e, claro, pelas multinacionais que irão fazer milhões com as novas necessidades tecnológicas da vigilância total. Uma vez estabelecido na Europa (e nos EUA) este modelo será a marca do “modelo global” (o que dará ainda mais milhões de lucro). A segunda falha no argumento é que a “guerra contra o terrorismo” está a ser utilizada como uma “cortina de fumo” para introduzir a vigilância total. O Conselho Europeu e a Comissão Europeia argumentam que, com o terrorismo, se está permanentemente a recomeçar, tendo que se dirigir atenções para o crime organizado e a lavagem de dinheiro, depois para o crime violento e, finalmente, para todo o tipo de criminalidade. A vigilância de movimentos e comunicações, as impressões digitais obrigatórias, a criação de bases de dados à escala europeia e um acesso sem controlo por parte dos serviços de imposição da lei, são todos justicados pela “política do medo”. Como em todas as decisões tomadas em Bruxelas, que raramente são apresentadas com detalhe nos média, a reacção da sociedade civil e das pessoas a esta alteração brutal no equilíbrio entre o poder do Estado e os direitos e liberdades dos indivíduos ainda tem que se expressar. Hana Stepankova, do Gabinete Checo para a Protecção de Dados, disse: “A privacidade é um dos valores básicos da vida humana e os dados pessoais são a maior porta de entrada. Os cidadãos dos países que experimentaram um período de regimes totalitários tiveram essa dura experiência, quando a privacidade não era considerada valiosa e era sacrificada ao interesse do Estado.” Da mesma forma que a elite política não entendeu nada quanto à Constituição Europeia, pode ser que, quando as pessoas da Europa perceberem que, agora, são todas “suspeitas”, a aceitação se transforme em oposição. (tradução livre de um artigo que apareceu em Index on Censorship 3/05, em Outubro de 2005 de) Tony Bunyan.
http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=69471&cidade=1

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