sexta-feira, janeiro 19, 2007

“Classe média” e outros mitos do desemprego tecnológico

Nas últimas décadas vem se enraizando o mito do empobrecimento “classe média”. Na realidade, o que vem ocorrendo é o desaparecimento gradativo e irreversível dos empregos estáveis e bem remunerados, por conta da reestruturação produtiva baseada nas novas tecnologias.

Já se tornou um lugar comum à publicação de pesquisas de todo tipo, em todos os países, desenvolvidos ou “em desenvolvimento”, cuja conclusão principal é um forte “empobrecimento” do que se convencional denominar de “classe média”.

A maioria desses estudos no entanto, parece misturar deliberadamente conceitos muito diferentes para “explicar” fenômenos que, de outra maneira, parecem escapar aos seus métodos tradicionais de análise.

O erro fundamental está na definição da existência de uma “classe média” como sendo um segmento da população com características perfeitamente delineadas e imutáveis. É comum a apresentação de estudos em que se fala em “classe média” da mesma forma que se faz referencias a “afros-descendentes”, “mulheres trabalhadoras” ou “homens entre 40 e 50 anos”.

Em seguida conclui-se que esse ou aquele segmento apresentaram perdas ou ganhos salariais, aumento ou redução de sua participação no mercado de trabalho, no consumo de determinados bens, na adoção de determinados hábitos, etc.

Tudo se passa como se a condição de pertencer a “classe média” fosse uma espécie de condição biológica, determinada por raça, cor, gênero ou idade. Um exemplo típico dessa abordagem o artigo da Folha de São Paulo, de 10 de dezembro de 2006, que traz o título: “Renda da classe média cai 46% em 6 anos”.

Além da manchete bastante tendenciosa: “Sob Lula, classe média é a que perde” (As perdas começaram há seis anos e, portanto, já vem da época do governo anterior), esses critérios são utilizados em uma série de artigos do caderno “dinheiro”.

Duas frases servem de “subtítulo”: “Parcela da população que ganha acima de três salários mínimos perde 2 milhões de empregos formais desde 2001”. E em seguida: “Em contrapartida, trabalhador que recebe até 1 mínimo vê aumento de 124% nos ganhos e saldo de 2,2 milhões de vagas”.

A conclusão parece indicar que 2 milhões de indivíduos, devidamente identificados como da “classe média”, passaram a viver na ociosidade, ou imigraram ilegalmente para os EUA e Europa. Enquanto isso, 2,2 milhões de indivíduos, também perfeitamente identificados como “classe C e D”, deixaram seus passatempos prediletos para se dedicar ao trabalho remunerado.

A hipótese elementar de que milhões de indivíduos simplesmente “desceram” da classe média para as classes “inferiores”, não parece ocorrer ao grupo de sábios que organizaram esses estudos. Na realidade fala-se até mesmo em “distribuição de renda”.
Os “classe média” estariam subsidiando a melhoria das condições de vida dos mais pobres. As enormes perdas reais (46,3%) nos salários desse interessante grupo biológico, seria fruto da transferência de renda para um outro grupo de espécimes biológicos, os menos “menos favorecidos”.

Essas “piruetas” estatísticas têm por objetivo desviar-se da conclusão óbvia: A reestruturação da produção capitalista, baseada nas novas tecnologias de informação e telecomunicações, juntamente com as novas técnicas gerencias que viabilizam, estão promovendo uma enorme redução no número de empregos estáveis e bem remunerados.

Sabemos que o “desemprego tecnológico” atinge especialmente os operários mais especializados e os funcionários da administração intermediária, na indústria no comércio e no setor de serviços. Mas tem pouco impacto sobre os trabalhadores de “baixa renda”.

Robôs e computadores eliminam ferramenteiros e inspetores de qualidade, contadores e subgerentes, etc, mas tem pouca influencia sobre o número de faxineiras, empregadas domésticas, garçons, trabalhadores da construção civil, etc. É do primeiro grupo que sai a “classe média” e do segundo as classes de “baixa renda”.

Logo, quando falamos no “encolhimento” da classe média, estamos falando na redução do número de empregos bem remunerados. Quando falamos em perda de renda dessa classe, falamos da acentuada perda do poder de barganha que ela enfrenta ao ter sua posição cada vez mais vulnerável devido às novas tecnologias.

Em outras palavras, não foi a “classe média” que perdeu 2 milhões de empregos e sim a sociedade como um todo. O fato de no mesmo período terem sido criadas 2,2 milhões de vagas remuneradas com no máximo um salário mínimo, não pode ser visto como uma “vitória” das classes menos favorecidas.

Na mesma edição da “Folha” há um artigo intitulado: “Ex-vendedora vê salário subir quase 400% até perder o emprego na 25 de março”. Trata-se de uma jovem de 22 anos que trabalhava a 5 no comércio da região. Ela começou ganhando R$ 315,00 o equivalente a 1,75 salário mínimo.

Depois desse tempo todo, ela passou a ganhar de R$ 900,00 a R$ 1200,00 dependendo das comissões. Logo, ela se tornou “classe média”. Mais daí aconteceu o que já é rotina na vida dessa “espécie biológica”: Foi demitida. Mais o que aconteceu com ela? Vive do seguro desemprego até encontrar nova vaga com o mesmo salário anterior?

Nada disso, a esforçada moça agora monta bijuterias “pra ajudar no orçamento” em casa. Com essa atividade ela ganha R$ 600,00 por mês, o que a coloca de volta nas classes de “baixa renda” dos estudos dos doutores em economia.

Mais não devia reclamar, pois ao mudar de “espécie biológica” ela agora conta com aumentos de rendimento “médio” muito maiores, alem de um “saldo de empregos” de no mínimo 2,2 milhões de vagas, ou seja, “estatisticamente” ela é uma privilegiada...
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

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