Os EUA estão a posicionar-se no terreno para lançar um ataque mais directo ao Irão, acusando este país de ser uma ameaça nuclear e de desestabilizar o Iraque.
No discurso em que anunciou o aumento das tropas estadunidenses no Iraque em mais 20.000 efectivos (10/Jan), Bush lançou novas ameaças ao Irão alegando que este país «está a fornecer apoio material para apoiar os ataques às tropas americanas», e adiantando que os EUA vão «interromper o fluxo de apoio do Irão e Síria» e «encontrar e destruir as redes que fornecem armamento avançado e treino» aos seus «inimigos no Iraque.»
Horas depois desta declaração de guerra ao Irão, forças estadunidenses assaltaram o consulado iraniano em Irbil, no Norte do Iraque. Os soldados capturaram seis pessoas, incluindo diplomatas iranianos, documentos e computadores (Independent, 13/Jan), o que só pode ser interpretado como um passo na agressão directa dos EUA ao Irão.
Mas este não é o primeiro passo no que pode ser descrito como a guerra ao Irão, já em curso. No discurso do estado da nação de 2002, Bush nomeou o Irão como membro do «eixo do mal» (juntamente com o Iraque e República Democrática Popular da Coreia) e tem alegado que o Irão está a desenvolver um programa nuclear militar.
A actual exigência de suspensão do enriquecimento de urânio não deriva das obrigações do Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT) do qual o Irão é signatário. É fruto de alegações não fundamentadas e de ambições de domínio regionais por parte dos EUA.
PEÇAS DA CONSPIRAÇÃO
Sistematicamente, os meios de comunicação social referem-se ao programa nuclear iraniano como implicando a produção de armas. E por forma a agravar a percepção de perigo referem invariavelmente as afirmações do presidente Mahmoud Ahmadinejad sobre Israel. Muitas vezes repetida é a citação, pronunciada originalmente na Conferência “Um mundo sem sionismo”, em Outubro de 2005, de que Israel “deve desaparecer do mapa”, interpretada como a intenção de destruir Israel. No entanto, vários analistas fizeram notar que a tradução do original, em persa, é controversa, mas que a mais correcta seria “eliminado da página da história” [1], expressando desejo de que o regime sionista de Israel fosse substituído, e não que o povo israelita fosse exterminado.
Denegrida a figura de Ahmadinejad, construída uma ameaça de ataque nuclear, alegado que o Irão contribui para a instabilidade no Iraque (porque, claro, as tropas ocupantes estadunidenses são forças de estabilização), estão colocadas em jogo várias peças preparatórias para um ataque mais directo ao Irão. Várias peças militares estão também em andamento. Desde 2004, os EUA têm conduzido voos secretos de vigilância sobre o Irão; ainda este mês os iranianos abateram um avião espião estadunidense que sobrevoava o seu território. Tropas dos EUA têm entrado secretamente no Irão para recolher informações sobre alvos. Israel tem já um plano de ataque sobre as centrais nucleares [2]. Foi recentemente ordenado o envio de um segundo porta‑aviões da marinha dos EUA para o Golfo Persa, juntamente com os navios de apoio (limpa minas, etc.); sistemas mísseis de defesa Patriot foram também destacados para o Golfo. Poderão ser apenas movimentos de pressão militar sobre o Irão, mas há quem aponte [3] que os EUA têm uma janela de oportunidade curta, podendo lançar ataques para enfraquecer o Irão até Abril de 2007.
UM DIREITO LEGÍTIMO E SOBERANO
O Irão assume abertamente que está a enriquecer urânio, mas garante que este processo está integrado no seu programa civil de energia. Por forma a clarificar as suas intenções exclusivamente civis, o Ayatollah Ali Khamenei, líder supremo do Irão, emitiu um fatwa, em Agosto de 2005, proibindo a produção, criação de reservas e uso de armas nucleares. A Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA) não encontrou até à data quaisquer evidências que possam apontar para a existência de um programa de produção de armas nucleares, e a própria CIA, fazendo uso de informação captada por satélite e através de sobrevoos secretos dentro do Irão, não encontrou quaisquer evidências conclusivas de um programa nuclear militar [4].
O Irão mostra-se aberto a inspecções das suas instalações pelo IAEA [5], mas recusa-se a abandonar o programa de enriquecimento de urânio. A recusa baseia-se no seu direito legítimo e soberano de desenvolver um programa de energia nuclear, considerado necessário para fazer face às previsões de consumo doméstico de energia. A estratégia económica iraniana pressupõe que a produção doméstica de petróleo e gás natural possa ser canalizada para a exportação. Aliás, esta estratégia económica foi apoiada pelos EUA nos anos 70, no contexto da crise de petróleo, altura em que o Irão era liderado pelo Xá. Nessa altura, o presidente Ford [6] autorizou a venda de material para o enriquecimento e processamento de urânio ao Irão em troca deste comprar oito reactores nucleares aos EUA. Desde então, o Irão libertou-se do Xá e das garras do Império e os EUA encaram as manifestações de soberania iraniana como uma ameaça ao seu domínio na região.
[1] Jonathan Steele, The Guardian, 14 de Junho de 2006.
[2] Uzi Mahnaimi e Sarah Baxter, Sunday Times, 7 de Janeiro 2007.
[3] Ahmed al-Jarallah, editor do Arab Times, 14 de Janeiro 2007.
[4] Seymour Hersh, New Yorker, Novembro 2006.
[5] Ver relatório do IAEA de Novembro de 2006.
[6] O Chefe de Gabinete de Ford? Nada menos que o actual vice-presidente dos EUA, Dick Cheney.
André Levy
http://www.infoalternativa.org/moriente/irao002.htm
No discurso em que anunciou o aumento das tropas estadunidenses no Iraque em mais 20.000 efectivos (10/Jan), Bush lançou novas ameaças ao Irão alegando que este país «está a fornecer apoio material para apoiar os ataques às tropas americanas», e adiantando que os EUA vão «interromper o fluxo de apoio do Irão e Síria» e «encontrar e destruir as redes que fornecem armamento avançado e treino» aos seus «inimigos no Iraque.»
Horas depois desta declaração de guerra ao Irão, forças estadunidenses assaltaram o consulado iraniano em Irbil, no Norte do Iraque. Os soldados capturaram seis pessoas, incluindo diplomatas iranianos, documentos e computadores (Independent, 13/Jan), o que só pode ser interpretado como um passo na agressão directa dos EUA ao Irão.
Mas este não é o primeiro passo no que pode ser descrito como a guerra ao Irão, já em curso. No discurso do estado da nação de 2002, Bush nomeou o Irão como membro do «eixo do mal» (juntamente com o Iraque e República Democrática Popular da Coreia) e tem alegado que o Irão está a desenvolver um programa nuclear militar.
A actual exigência de suspensão do enriquecimento de urânio não deriva das obrigações do Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT) do qual o Irão é signatário. É fruto de alegações não fundamentadas e de ambições de domínio regionais por parte dos EUA.
PEÇAS DA CONSPIRAÇÃO
Sistematicamente, os meios de comunicação social referem-se ao programa nuclear iraniano como implicando a produção de armas. E por forma a agravar a percepção de perigo referem invariavelmente as afirmações do presidente Mahmoud Ahmadinejad sobre Israel. Muitas vezes repetida é a citação, pronunciada originalmente na Conferência “Um mundo sem sionismo”, em Outubro de 2005, de que Israel “deve desaparecer do mapa”, interpretada como a intenção de destruir Israel. No entanto, vários analistas fizeram notar que a tradução do original, em persa, é controversa, mas que a mais correcta seria “eliminado da página da história” [1], expressando desejo de que o regime sionista de Israel fosse substituído, e não que o povo israelita fosse exterminado.
Denegrida a figura de Ahmadinejad, construída uma ameaça de ataque nuclear, alegado que o Irão contribui para a instabilidade no Iraque (porque, claro, as tropas ocupantes estadunidenses são forças de estabilização), estão colocadas em jogo várias peças preparatórias para um ataque mais directo ao Irão. Várias peças militares estão também em andamento. Desde 2004, os EUA têm conduzido voos secretos de vigilância sobre o Irão; ainda este mês os iranianos abateram um avião espião estadunidense que sobrevoava o seu território. Tropas dos EUA têm entrado secretamente no Irão para recolher informações sobre alvos. Israel tem já um plano de ataque sobre as centrais nucleares [2]. Foi recentemente ordenado o envio de um segundo porta‑aviões da marinha dos EUA para o Golfo Persa, juntamente com os navios de apoio (limpa minas, etc.); sistemas mísseis de defesa Patriot foram também destacados para o Golfo. Poderão ser apenas movimentos de pressão militar sobre o Irão, mas há quem aponte [3] que os EUA têm uma janela de oportunidade curta, podendo lançar ataques para enfraquecer o Irão até Abril de 2007.
UM DIREITO LEGÍTIMO E SOBERANO
O Irão assume abertamente que está a enriquecer urânio, mas garante que este processo está integrado no seu programa civil de energia. Por forma a clarificar as suas intenções exclusivamente civis, o Ayatollah Ali Khamenei, líder supremo do Irão, emitiu um fatwa, em Agosto de 2005, proibindo a produção, criação de reservas e uso de armas nucleares. A Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA) não encontrou até à data quaisquer evidências que possam apontar para a existência de um programa de produção de armas nucleares, e a própria CIA, fazendo uso de informação captada por satélite e através de sobrevoos secretos dentro do Irão, não encontrou quaisquer evidências conclusivas de um programa nuclear militar [4].
O Irão mostra-se aberto a inspecções das suas instalações pelo IAEA [5], mas recusa-se a abandonar o programa de enriquecimento de urânio. A recusa baseia-se no seu direito legítimo e soberano de desenvolver um programa de energia nuclear, considerado necessário para fazer face às previsões de consumo doméstico de energia. A estratégia económica iraniana pressupõe que a produção doméstica de petróleo e gás natural possa ser canalizada para a exportação. Aliás, esta estratégia económica foi apoiada pelos EUA nos anos 70, no contexto da crise de petróleo, altura em que o Irão era liderado pelo Xá. Nessa altura, o presidente Ford [6] autorizou a venda de material para o enriquecimento e processamento de urânio ao Irão em troca deste comprar oito reactores nucleares aos EUA. Desde então, o Irão libertou-se do Xá e das garras do Império e os EUA encaram as manifestações de soberania iraniana como uma ameaça ao seu domínio na região.
[1] Jonathan Steele, The Guardian, 14 de Junho de 2006.
[2] Uzi Mahnaimi e Sarah Baxter, Sunday Times, 7 de Janeiro 2007.
[3] Ahmed al-Jarallah, editor do Arab Times, 14 de Janeiro 2007.
[4] Seymour Hersh, New Yorker, Novembro 2006.
[5] Ver relatório do IAEA de Novembro de 2006.
[6] O Chefe de Gabinete de Ford? Nada menos que o actual vice-presidente dos EUA, Dick Cheney.
André Levy
http://www.infoalternativa.org/moriente/irao002.htm
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