domingo, janeiro 14, 2007

Nacionalidade, hino e juiz

[O Tribunal da Relação de Lisboa recusou a nacionalidade portuguesa a uma cidadã indiana, de 33 anos, casada com um português, com dois filhos e residente em Portugal há nove anos, onde detém dois estabelecimentos comerciais, porque não «provou a sua ligação afectiva à comunidade portuguesa» (Portugal Diário, 12/06/2006).

A seguinte carta da cidadã Alpa Kanabar sobre o sucedido, foi também publicada quase na íntegra no Boletim SOS Racismo n.º 36, de Setembro/Outubro 2006.]

Sou natural da Índia e tenho nacionalidade indiana, meu marido é português de nacionalidade, meus dois filhos também o são. Tenho casa própria e duas casas de comércio que são o meu sustento e da minha família onde emprego normalmente portuguesas. Tirei um curso de português para estrangeiros num centro cultural luso­‑asiático com formadores portugueses certificados, que concluí com sucesso. Tirei a carta de condução logo à primeira, na prática e teoria sem chumbar. Em casa nós falamos português e indiano, mas também sei falar inglês. E acho que quanto mais línguas soubermos melhor. Os meus dois filhos estudam no ensino oficial português. Dou-me muito bem com os meus vizinhos e amigos portugueses e residimos em Portugal desde 1997. Temos amigos(as) portugueses e alguns estrangeiros. 90% dos meus vizinhos são lusos. Visitei Portugal de norte a sul. Falo fluentemente a língua de Camões. Não conheço muito sobre a história e literatura portuguesa, no entanto, conheço bem a história, a literatura e a escrita indianas que posso ensinar aos meus amigos lusos que queiram aprender. Mas posso aprender a história e o hino de Portugal! Na verdade, estou a fazê-lo com um professor de história de Portugal. Aprendi o português e com vontade tudo se aprende!

Quantos portugueses passam logo à primeira na carta de condução e quantos chumbam?

Por outro lado, meu marido e eu pagamos os impostos e respeitamos as leis portuguesas, portanto, contribuímos para o desenvolvimento de Portugal.

O que me impede então de adquirir a nacionalidade portuguesa?

O facto de ainda não conhecer uma parte da história e do hino de Portugal?

A integração numa qualquer sociedade não é um processo constante de aprendizagem? Não se aprende todos os dias quando se quer aprender?

Conheço a gastronomia portuguesa, mas sou vegetariana por razões religiosas. Um português não pode gostar de gastronomia indiana, chinesa ou africana? Para a advogada do ministério público era importante saber o que é que comia em casa. Para ter a nacionalidade é preciso comer comida portuguesa em casa? E deixar a nossa religião? Não há portugueses vegetarianos? Não há portugueses hindus, muçulmanos e budistas?

Fiquei a saber pela Sr.ª advogada do M.P. que afinal o Vasco da Gama (descobridor português do caminho marítimo da Índia) pertencia à história da índia e não à história de Portugal! O que é uma novidade para mim. Eu sempre pensei que era ao contrário.

Uma das perguntas da advogada do M.P. era sobre o Centro Comercial Colombo. O que é que o C.C. Colombo tem de especial para os portugueses terem de saber obrigatoriamente? Agradecia que me respondessem! Pensei que o mosteiro dos Jerónimos era mais importante ou por exemplo a cidade de Fátima.

Quantos portugueses sabem o hino e a história de Portugal? 20%, 30%, 50%? Quantos? Só para citar alguns casos, o Deco, o Derlei, o Jardel, o Makukula, o Obikwelu, o Deivid e o Nani, conhecem o hino e a história de Portugal? Eu não sou jogadora de futebol ou atleta. Isto é que é importante para se ser português? Acho que houve discriminação!

Em relação à sociedade portuguesa, eu sou uma boa observadora e julgo que ainda há muitos jovens portugueses e estrangeiros que não respeitam os mais velhos e isso não me agrada. Isso pode influenciar negativamente o facto de eu ir pedir a nacionalidade portuguesa? Não posso ter uma opinião negativa sobre algumas coisas que acontecem em Portugal? Ou tenho de mentir e dizer que é tudo bom? Isto preocupa­‑me porque vivo e trabalho em Portugal e gosto do país. No Japão, por exemplo, os mais velhos são mais respeitados e isso agrada-me, mas eu não quero ter a nacionalidade japonesa, porque não estou a viver no Japão e não sou casada com um japonês. Quero ser portuguesa e o meu marido também quer que eu seja portuguesa.

Acredito que o que me fizeram foi uma violação dos direitos humanos, direitos de igualdade de tratamento e oportunidade, de liberdade de religião e de expressão. E foi cometida uma grande injustiça. Gostaria que nunca mais nenhum cidadão estrangeiro nesta situação seja impedido de adquirir a nacionalidade portuguesa desta forma e nestas condições.

Todas as perguntas feitas pela advogada do M.P. estão gravadas no Tribunal de Relação de Lisboa.

Parece que ter orgulho de ser português é só saber o hino nacional, e conhecer a história de Portugal. Um criminoso que não paga impostos e sabe o hino e a história de Portugal já pode ser português?

Um português que vai para França, Inglaterra ou Índia o que é que leva com ele? Apenas leva a língua portuguesa (que é mais importante) e não apenas o hino nacional ou a história e a religião.

A família é um corpo!
A mãe é o coração de uma família.
Quero dizer que um corpo (família) tem de andar com o seu coração (mãe) na mão?
Onde está a harmonia?

Gostaríamos de apelar aos senhores governantes/políticos e aos senhores legisladores que incluíssem na lei claramente que quem quiser adquirir a nacionalidade portuguesa tem de saber o hino nacional, a história de Portugal na ponta da língua e de conhecer toda a cultura portuguesa. E mais, no acto de casamento obrigatoriamente cantar o hino nacional.

Eu quero que justiça seja feita no meu caso! Que seja um exemplo para toda a gente!

O meu agradecimento a todos os que acreditam na justiça.

Alpa Kanabar

P.S.: quem quiser consultar/conhecer o meu processo, tem o número 9909/05-7 7ª secção datado de 17.05.2006 do Tribunal de Relação de Lisboa

Meu contacto é o 218862120 (serviço) / menal@sapo.pt
Alpa Kanabar
http://www.infoalternativa.org/portugal/port119.htm

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