sábado, janeiro 27, 2007

O ancestral do Pico Petrolífero: O pico da produção carbonífera britânica na década de 1920

Estamos há apenas uns poucos anos do Pico Petrolífero, o momento em que a produção mundial de petróleo iniciará o seu declínio irreversível. O que deveríamos esperar que aconteça no momento do pico e depois disso? A história hão é um guia directo, uma vez que não existem casos passados de uma importante mercadoria global, tal como o petróleo, a atingir o pico. Contudo, tem havido picos regionais com efeitos globais. O caso mais bem conhecido é aquele da produção de petróleo dos EUA que atingiu o pico em 1970, o que provocou a primeira grande crise petrolífera nos anos que se seguiram. Mas este não foi o primeiro caso de um importante recurso a atingir o pico e declinar, houve um importante pico quase meio século antes: o Pico do Carvão na Grã-Bretanha, na década de 1920. O passo geológico deixou à Grã-Bretanha uma dotação em carvão sem paralelo em qualquer outra região da Europa. A exploração começou em eras medievais e já no século XVIII tornara-se uma indústria em crescimento exponencial. O carvão alimentou a Revolução Industrial britânica, e estava também conectada ao poder político, permitindo à Grã-Bretanha construir o primeiro, e até então o único, império da história. A importância do carvão é dificilmente subestimável. Durante o período de expansão da indústria, um mineiro britânico podia produzir quase 250 toneladas de carvão por ano (Kirby 1977). Mesmo levando em conta que cerca de 20% tinha de ser utilizada para minerar mais carvão, a produtividade de um mineiro de carvão, em termos de energia, era centenas de vezes maior do que a de um trabalhador agrícola. No apogeu do seu império, a Grã-Bretanha empregava mais de um milhão de mineiros (Kirby 1977). Era a superpotência da época, sendo desafiada apenas por outros Estados produtores de carvão. Na Primeira Guerra Mundial, o carvão britânico combateu contra o carvão alemão: o britânico venceu. Mas o carvão não podia perdurar para sempre, mesmo para uma Grã-Bretanha abundantemente dotada. Já em meados do século XIX, William Stanley Jevons previu, no seu The Coal Question (1856), que o esgotamento um dia tornaria o carvão britânico demasiado caro para a indústria britânica. Jevons não declarou explicitamente o conceito de Pico Carbonífero (Peak Coal) mas, numa sentido qualitativo, sua análise foi semelhante àquelas de Marion King Hubbert para a produção de petróleo nos Estados Unidos (Hubbert, 1956). E Jevons estava certo: o pico da produção carbonífera britânica verificou-se em 1913. A indústria do carvão britânica lutou por manter a produção mas não podia atingir novamente aquele nível. A pressão sobre a indústria também pode ser mostrada pelas duas grandes greves gerais de mineiros, de 1921 e 1926, que provocaram uma queda de produção temporária. A tendência descendente tornou-se evidente na década de 1930 e não podia ser travada. A produção britânica seguiu uma clássica curva em formato de sino em pleno acordo com o modelo de Hubbert, com o melhor ajustamento da distribuição indicado um pico em 1923, somente dez anos após o real. Hoje, a produção de carvão na Grã-Bretanha é de menos de um décimo do que foi no seu pico. O pico da produção carbonífera britânica foi um ponto de viragem na história; nunca antes uma importante região produtora de energia começará o seu declínio. Há analogias impressionantes entre o caso do Pico do Carvão Britânico de 1923 e aquele do Pico Petrolífero Americano de 1970. Em ambos os casos, os países estavam a produzir no momento do pico cerca de 20% do total mundial. Em ambos os casos, as consequências à escala mundial foram importantes. Antes do pico, a Grã-Bretanha estava a exportar cerca de 25% da sua produção interna, e este montante estivera a crescer exponencialmente juntamente com a produção. Após o pico, as exportações começaram a declinar, provocando uma escassez de carvão no mercado mundial. No caso dos EUA, as exportações de petróleo não eram importantes antes do pico (DOE 1993). Mas, após o pico, as importações americanas de petróleo ascenderam rapidamente, conduzindo também à escassez no mercado mundial. A escassez de petróleo na década de 1970 deu origem aos saltos de preços que provocaram a Grande Crise Petrolífera. Um salto semelhante teve lugar para o carvão na década de 1920 (Australian Gov., 2006) embora fosse menos pronunciado. Mas provavelmente, o salto do carvão foi menos abrupto porque os controles de preços que estiveram em vigor durante a guerra foram relaxados vagarosamente na década de 1920. Os preços do carvão permaneceram elevados na década de 1920, mas caíram com o crash de 1929. Muitas regiões da Europa dependiam do carvão britânico, de modo que a falta de carvão foi sentida por toda a parte. Vários eventos que se seguiram ao pico do carvão britânico podem ser relacionados com a redução da disponibilidade de energia: o declínio do Império Britânico, a Grande Depressão da década de 1930, bem como a reviravolta política geral da Europa nas décadas de 1920 e 1930. Os jornais italianos dessa época estão cheio de insultos contra a Grã-Bretanha por não enviar para a Itália o carvão a que os italianos sentiam ter o direito. Isto reflecte a espécie de atitude que os países ocidentais adoptaram contra os produtores de petróleo do Médio Oriente na década de 1970. Mas, se o carvão britânico estava a minguar na década de 1930, o carvão alemão estava ainda a aumentar; o seu pico só se seria alcançado na década de 1940. A Alemanha nunca produziu carvão em grande escala, nomeadamente o da melhor qualidade, como fez a Grã-Bretanha, mas na década de 1930 tinha a vantagem de ainda poder aumentar a sua produção, ao passo que a da Grã-Bretanha estava a declinar. Na década de 1930 a Itália abandonou o seu aliado tradicional, a Grã-Bretanha, pela Alemanha porque apenas a Alemanha podia proporcionar o carvão que a indústria italiana precisava a um preço que os italianos podiam comprar. Só mais tarde eles perceberiam que o preço do carvão alemão era muito mais alto do que havia parecido. Na década de 1950, após a confusão da Segunda Guerra Mundial, os problemas provocados pelo pico do carvão britânico foram resolvidos — por algum tempo — pela comutação para o petróleo. Da mesma forma, após a confusão da crise petrolífera da década de 1970, os problemas provocados pelo pico petrolífero americano foram resolvidos — por algum tempo — pela transferência para outras regiões produtivas. Em ambos os casos, nem o público, nem os políticos, nem os economistas viram a relação entre os eventos políticos e económicos da época e o atingir do pico da produção petrolífera e carbonífera. Na década de 1930 eram escritos muitos livros sobre o carvão (Neuman 1934) mas a palavra esgotamento (depletion) dificilmente era mencionada. Em 1977, Kirby escreveu mais de 200 páginas sobre a história da indústria do carvão britânica durante o período do pico sem nem sequer mencionar a questão do esgotamento. Aparentemente, as pessoas não podiam entender porque, enquanto ainda havia carvão a ser extraído, a produção declinaria. Elas não entendiam que não é a disponibilidade física que conta e sim o seu custo da extracção, que aumenta com o esgotamento progressivo. Era um conceito que Jevons já havia entendido quase um século antes mas não havia sobrevivido na corrente principal das ciências económicas. O caso do pico petrolífero americano foi semelhante, o atingir do pico geralmente foi ignorado pelos economistas, apesar de Marion King Hubbert tê-lo previsto correctamente. Tudo aquilo que aconteceu depois foi atribuído a causas políticas. Ambos os picos logo foram esquecidos. Hoje, é a produção global de petróleo que está a atingir o pico. É algo que todos nós estamos a ver, mas não é politicamente correcto mencionar o facto. Atingir o pico é um acontecimento grandioso, mas sugere uma realidade que a maior parte das pessoas preferiria ignorar: a finitude dos recursos minerais. Podemos bem ignorar o pico global, tal como a maior parte das pessoas ignorou o pico carbonífero britânico dos anos 1920 e o pico petrolífero americano de 1970. Mas, ainda assim, não poderemos ignorar os seus efeitos.
Referências Australian Government, the Treasury, 2006 (accessed) www.treasury.gov.au/ Coal Authority, 2006 (accessed) www.coalminingreports.co.uk Cook, C and Stevenson, J. 1996. The Longman Handbook of Modern British History, 1714-1995. Longman 3rd Edition. London and New York: DOE 1993, DOE/EIA-0572 Report, Hubbert, M.K. (1956). Nuclear Energy and the Fossil Fuels. Presented before the Spring Meeting of the Southern District, American Petroleum Institute, Plaza Hotel, San Antonio, Texas, March 7-8-9, 1956 Kirby, M. W., 1977 The British Coalmining Industry, 1870-1946, The Macmillan Press Ltd, London and Birmingham. Neuman A.M. 1934 Economic Organization of the British Coal Industry; Routledge.
Ugo Bardi
http://resistir.info/

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