segunda-feira, janeiro 08, 2007

O Eduquês, o Conhecimento e o Mundo em Geral

É verdade que o Eduquês não é um discurso sobre Educação isolado de um contexto mais alargado. Ele não surgiu ex nihilo para atormentar apenas os docentes, pois faz parte e emana de um movimento bem mais amplo e nem sequer muito recente que conjuga características teóricas do estruturalismo e do pós-modernismo, com diversas tendências críticas do modelo ocidental de organização política e económica, assim como da sua sociedade e cultura, modelo esse encarado como hegemonizador, selectivo, exclusivista, etnocêntrico, interessado na reprodução das desigualdades sociais e desrespeitador das manifestações culturais minoritárias e alternativas. Tudo isto com uma pitada, desde os anos 90, de análise crítica da globalização e uns pós de sistema-mundo educacional na área que mais nos interessa, fazendo reviver as ideias de John Boli, Francisco Ramirez e John Meyer.
Visto desta forma, até que a coisa parece interessante. E por vezes até é. Só que algumas das suas ramificações e apropriações, também elas com o seu quê de selectivas, de nacos do pensamento de autores muito diversos como Foucault, Derrida, Lyotard, Freire, Giddens, Wallerstein, Habermas e por aí adiante, acabaram por produzir um discurso fundamentalmente relativista em termos de valores, onde os principais chavões passam pelo multiculturalismo, a transnacionalização, a reflexividade crítica, a intersubjectividade, a reconfiguração, a emancipação, o self, regando tudo com uns pingos relacionais, contextuais e inter mais tudo e qualquer coisa.
Eu já tentei - e acho que consegui - apenas com algumas das palavras anteriores e outras normais, construir parágrafos inteiros quase perfeitamente incompreensíveis sobre praticamente todos os fenómenos sociais e educacionais concebíveis. Foi tipo experiência científica contra-factual.
O problema é que tudo se resume a muita palavra para parca e evidente substância. Vivemos num mundo complexo, rápido, onde a informação circula em enorme quantidade e onde as situações de potencial exclusão social e conflito entre pessoas e grupos aumentaram. Pronto, chega assim. E a vida está complicada e devemos ter isso em conta antes de agirmos ou fazermos juízos de valor apressados. OK, entendido. Não é preciso um tratado para demonstrar isso. Está à vista de todos.
Mas para alguns cientistas sociais e outros educacionais, nada como elaborar profusamente sobre a asa da mosca. Quase como eu em alguns posts.
Veja-se por exemplo como António Magalhães e Stephen Stoer colocam e resumem a questão, seja ela qual for mais ou menos exactamente:
A consciência crítica das aquisições das ciências sociais e humanas tem-se traduzido em propostas teóricas e práticas que se têm organizado sobretudo sob a designação do relativismo. Todavia, aquilo que vulgarmente esta designação cobre não parece esgotar-se na consciência do carácter conteextual fornecido às práticas sociais (incluindo aí obviamente o conhecimento) pelos quadros culturais. Primeiro, porque o enquadramento cultural do conhecimento não faz dele algo de completamente relativo (e. g. todos os seres humanos de todas as culturas reconhecerão que se se perfurar o ventre com uma faca e o golpe for bastante profundo, se corre perigo de vida); segundo, porque o isolamento das diferenças culturais na sua própria especificidade, se resolve o problema da especificidade, não resolve o problema do seu matricial carácter relacional. Quer dizer, se o relativismo corresponde sobretudo à consciência da incomensurabilidade da diferença, a sua crítica poderá corresponder ao enfatizar do carácter relacional desta. Do nosso ponto de vista, é no cruzamento destas duas perspectivas que o pensar das diferenças se deve colocar, isto é, na resultante das críticas ao etnocentrismo e ao relativismo.
O título do artigo é: “A Europa como um Bazar. Contributo para a análise da reconfiguração dos Estados-nação no contexto europeu e das novas formas de «viver em conjunto»”. A citação é da página 35 da obra identificada na imagem, mas há muito mais pérolas destas, aliás, todo o artigo parece um banco de ostras repletas.
Ufff…. e consegui escrever isto tudo quase sem sorrir.
http://educar.wordpress.com/

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