Demanda Marques Mendes novas do Líbano. Diz Severiano Teixeira que a situação se pode complicar, entre hip hurras e vai abaixo, vai acima. Aqui vai o meu contributo:
1. No Líbano não se confrontam, de um lado, os “pró-sírios”, e do outro, o “governo legítimo”. Esta é, quando muito, a versão “ocidental” que medias de memória curta reproduzem.
2. No Líbano não está em curso “um golpe de Estado”. Não se fazem “golpes de Estado” com um milhão de pessoas na rua. Quando muito, fazem-se revoluções. Mas no caso, nem isso. Os chamados “pró-sírios” exigem, simplesmente, uma minoria qualificada no governo – o bastante para poderem “bloquear” decisões, ou seja, forçarem compromissos.
3. Excessivo? Não creio. Os governos libaneses não são como os de cá, formados pela maioria. São como as nossas câmaras municipais. Todos lá cabem, desde que o desejem, e mais ou menos de acordo com o seu peso eleitoral. Não é só tradição. É mandato constitucional. As forças ditas “pró-sírias” têm 53 deputados em 120. Na realidade, obtiveram em 2005 a maioria dos votos. Só o arrevesado sistema eleitoral libanês transformou essa maioria em minoria de deputados. Pode gostar-se ou não da oposição. Mas ela tem uma minoria de bloqueio no Parlamento e não existe qualquer ilegitimidade na pretensão do seu alargamento ao governo. Nem nos meios de pressão escolhidos: lá como cá, a rua faz parte da democracia.
4. Acresce que, há 4 meses, Israel invadiu e bombardeou o Líbano. O Sul, maioritariamente chiita, resistiu. Todo o país lhe agradeceu. Na sequência da guerra, a principal força dessa resistência – o Hezbollah – passou a defender um “governo de unidade nacional” que incluísse, também, o partido do ex-general Michel Aoun, o maior entre os cristãos, então na oposição.
5. Foi a obstinação da maioria do governo que gerou a presente crise. Sem os partidos chiitas e sem o partido de Michel Aoun, que representa 60 a 70 por cento da maior comunidade libanesa, o governo é largamente minoritário. Mas o que lhe falta em apoio popular, sobra-lhe em cobertura norte-americana. É Washington quem força o primeiro-ministro à inflexibilidade. Fá-lo no Líbano, do mesmo modo que na Palestina e no Iraque. Bem mais do que as ingerências sírias, em Beirute pesam as de ocidente. Mas ninguém escreve que o governo é “pró‑americano”...
6. Michel Aoun é o porta-voz oficial da oposição. Não é muçulmano nem “pró-sírio”. Foi a Síria, com cobertura norte‑americana, que forçou este líder cristão a um exílio de 16 anos. O Hezbollah também não recebe ordens do vizinho. Durante o protectorado, nunca participou nos seus governos. Já as principais figuras do actual governo se sentaram sempre à mesa dos orçamentos. Por causa das benesses, foram “pró‑sírios”. Por causa das benesses são agora “pró-ocidentais”. Ontem e hoje nunca deixaram, contudo, de ser o que realmente são: chefes de clã.
7. O Líbano só deixará de ser uma promessa se contiver a disputa entre comunidades no marco da política. Um compromisso é indispensável. A Europa faria bem em distanciar-se de G. W. Bush e ler com atenção o relatório Baker/Hamilton. Um novo equilíbrio é inevitável no Médio Oriente. Ele chegará através das armas, cavando cemitérios, ou pela mão da política. Não tenho dúvidas sobre a escolha acertada.
Miguel Portas
http://www.infoalternativa.org/moriente/mo081.htm
1. No Líbano não se confrontam, de um lado, os “pró-sírios”, e do outro, o “governo legítimo”. Esta é, quando muito, a versão “ocidental” que medias de memória curta reproduzem.
2. No Líbano não está em curso “um golpe de Estado”. Não se fazem “golpes de Estado” com um milhão de pessoas na rua. Quando muito, fazem-se revoluções. Mas no caso, nem isso. Os chamados “pró-sírios” exigem, simplesmente, uma minoria qualificada no governo – o bastante para poderem “bloquear” decisões, ou seja, forçarem compromissos.
3. Excessivo? Não creio. Os governos libaneses não são como os de cá, formados pela maioria. São como as nossas câmaras municipais. Todos lá cabem, desde que o desejem, e mais ou menos de acordo com o seu peso eleitoral. Não é só tradição. É mandato constitucional. As forças ditas “pró-sírias” têm 53 deputados em 120. Na realidade, obtiveram em 2005 a maioria dos votos. Só o arrevesado sistema eleitoral libanês transformou essa maioria em minoria de deputados. Pode gostar-se ou não da oposição. Mas ela tem uma minoria de bloqueio no Parlamento e não existe qualquer ilegitimidade na pretensão do seu alargamento ao governo. Nem nos meios de pressão escolhidos: lá como cá, a rua faz parte da democracia.
4. Acresce que, há 4 meses, Israel invadiu e bombardeou o Líbano. O Sul, maioritariamente chiita, resistiu. Todo o país lhe agradeceu. Na sequência da guerra, a principal força dessa resistência – o Hezbollah – passou a defender um “governo de unidade nacional” que incluísse, também, o partido do ex-general Michel Aoun, o maior entre os cristãos, então na oposição.
5. Foi a obstinação da maioria do governo que gerou a presente crise. Sem os partidos chiitas e sem o partido de Michel Aoun, que representa 60 a 70 por cento da maior comunidade libanesa, o governo é largamente minoritário. Mas o que lhe falta em apoio popular, sobra-lhe em cobertura norte-americana. É Washington quem força o primeiro-ministro à inflexibilidade. Fá-lo no Líbano, do mesmo modo que na Palestina e no Iraque. Bem mais do que as ingerências sírias, em Beirute pesam as de ocidente. Mas ninguém escreve que o governo é “pró‑americano”...
6. Michel Aoun é o porta-voz oficial da oposição. Não é muçulmano nem “pró-sírio”. Foi a Síria, com cobertura norte‑americana, que forçou este líder cristão a um exílio de 16 anos. O Hezbollah também não recebe ordens do vizinho. Durante o protectorado, nunca participou nos seus governos. Já as principais figuras do actual governo se sentaram sempre à mesa dos orçamentos. Por causa das benesses, foram “pró‑sírios”. Por causa das benesses são agora “pró-ocidentais”. Ontem e hoje nunca deixaram, contudo, de ser o que realmente são: chefes de clã.
7. O Líbano só deixará de ser uma promessa se contiver a disputa entre comunidades no marco da política. Um compromisso é indispensável. A Europa faria bem em distanciar-se de G. W. Bush e ler com atenção o relatório Baker/Hamilton. Um novo equilíbrio é inevitável no Médio Oriente. Ele chegará através das armas, cavando cemitérios, ou pela mão da política. Não tenho dúvidas sobre a escolha acertada.
Miguel Portas
http://www.infoalternativa.org/moriente/mo081.htm
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