segunda-feira, janeiro 15, 2007

Profissionais Críticos e Reflexivos Como?

Ao longo dos anos 90 a classe docente foi verdadeiramente bombardeada com um discurso que visava promover entre os professores aquilo que se considerava ser a necessidade de uma profissionalidade crítica e reflexiva, destinada a incentivar a autonomia do trabalho docente. Visitaram-nos e/ou publicaram entre nós variada obra, autores como Andy Hargreaves, Michael Apple, Philippe Perrenoud e Thomas Popkewitz, entree diversos outros.
Opunha-se à concepção do professor-técnico, do professor-funcionário, mero cumpridor das suas tarefas profissionais básicas ditadas pela tutela, debitador de um discurso homogeneizador e estagnado em “paradigmas” ultrapassados, o modelo do professor dinâmico, crítico, capaz de questionar o tal “paradigma”, na teoria e na prática, reflexivo em relação ao funcionamento e objectivos do sistema educativo, inovador e estimulante nas suas práticas pedagógicas facilitadoras da aprendizagem dos seus alunos.
Releio alguma da literatura da época e quase sinto os grilhões a estalarem perante a força do verbo, quase oiço os gritos de emancipação dos professores em relação aos modelos tradicionalistas e controleiros de um sistema de ensino que aparentemente cilindrava as oportunidades de ser “diferente”.
Passada uma meia dúzia de anos, pouco resta desse ímpeto retórico. Acredito que permaneça em nichos da formação inicial de professores, mas desapareceu gradualmente da retórica discursiva apoiada pela tutela e, pelo contrário, em matéria de aparato legislativo tudo foi feito - apesar da tentativa de aparência de aposta na “autonomia das escolas”, menina dos olhos do ministério de Marçal Grilo, que agora é retomada de forma travestida - no sentido de reforçar o controle sobre o trabalho dos professores.
E esse reforço controlador é desenvolvido a diversos níveis que se articulam no sentido da normalização das condutas, do activo desencorajamento dos comportamentos críticos e da quase impossibilidade de uma autonomia no aprofundamento da formação. Sei que vou voltar a um terreno já qui percorrido, mas perante a promulgação do ECD pela presidência da República convém reavivar certas questões:
Antes de mais, é impossível não regressar sempre à questão das quotas como sistema de regulação da progressão. Como conceito, parece implicar que os órgãos de gestão das escolas são incapazes de fazê-la com rigor. Aponta-se o passado como exemplo, mas esquece-se que a falta de diferenciação resulta parcialmente da não regulamentação pelo próprio ME das classificações que visariam promover o mérito. Para o futuro, determina-se que só alguns podem progredir, criando um sistema que, na prática, se irá traduzir num regime de cooptação por parte do grupo que inicialmente se formará como casta dirigentes das escolas e agrupamentos. O que isso implica em termos de desmotivação e limitação dos horizontes de cada um é difícil de avaliar, mas irá certamente prejudicar e não melhorar a qualidade do ensino. Os defensores da proposta afirmam que este método visa responsabilizar os avaliadores e incentivá-los a premiar as boas práticas. Acredito que seja esse o objectivo e acredito que em muitas escolas e agrupamentos isso venha a ser possível, a começar pela minha. Mas eu aposto que em muitas outras vão instalar-se práticas defensivas, de controle estreito da progressão de acordo com clientelas particulares e afastando as vozes críticas. E não nos esqueçamos que o ME vai fazer recair essa função de avaliação exactamente naqueles docentes que até agora afirma não terem sido capazes de fazer uma avaliação rigorosa e/ou que progrediram na carreira até ao topo sem terem sido devidamente avaliados, bem como em muitos casos sem terem dado à Escola todo o tempo que deveriam ou terem cumprido todas as funções que a sua experiência exigiria. Estas não são palavras minhas, foram os argumentos repetidos meses a fio pela tutela. São paradoxais, eu sei, mas esse é exactamente o Catch 22 da questão.
Para além disso, existe o completo afunilamento da formação acessível aos docentes. Na Secção V, artigo 109º do ECD ministerial, veda-se na prática oa cesso a qualquer formação externa ao ME, pois determina-se que para a mesma só é autorizada nos períodos de interrupção lectiva ou, em último caso, só deve ser concedida dispensa preferencialmente na componente não lectiva do horário. Isto significa, para todos os efeitos, a quase completa impossibilidade de frequentar cursos, seminários, colóquios, congressos ou iniciativas equivalentes nas áreas científicas de origem dos docentes, os quais são organizados de acordo com uma lógica própria e calendários específicos. Usando o meu exemplo pessoal, cerca de 80% da formação que frequentei ou a que assisti, na maior parte dos casos como participante e orador, será a partir de agora impraticável, restando-me as acções de formação contínua cujo valor o próprio ME desvalorizou mas que mantém em funcionamento. Maior controle do que proibir o alargamento e aprofundamento dos conhecimentos científicos de um docente é difícil de imaginar. Note-se que nem sequer se prevê a possibilidade de organizar um sistema de substituição do docente que vá frequentar a formação, apenas se declarando que, se não for educador de infância, um docente só pode pedir a dispensa de 10 horas anuais (e exclusivamente da componente não lectiva) para frequentar formação de sua iniciativa.
Para além de que se um docente quiser desenvolver a sua formação deve fazê-lo à sua custa, a todos os níveis, pois a partir de agora também são limitadas as possibilidades de equiparação a bolseiro, para além de que para os professores no activo os recursos disponíveis nas Bibliotecas e Centros de Recursos Educativos são normalmente muito parcos em materiais sobre a prática pedagógica e o espólio disponível tende a ser muito datado e pouco sistemático. Aquisição de bibliografia fica a cargo de cada um, assim como de materiais adicionais, como os próprios meios informáticos que tanto são elogiados, nem sequer têm a devida cobertura em matéria fiscal, ao nível dos abatimentos à colecta.
Maiores limitações à autonomia do trabalho de um docente, em particular ao nível de uma sua formação contínua e diversificada ao longo da carreira, só mesmo assumindo claramente a sua completa proibição.
http://educar.wordpress.com/

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