Curiosamente, veio agora o Primeiro-Ministro, José Sócrates, marcar um debate sobre alterações climáticas no Parlamento (a 24 Janeiro) e apresentar um conjunto de medidas adicionais como contributo para combater este problema. Curioso porque o Plano Nacional de Alterações Climáticas (PNAC 2006) foi recentemente revisto (publicado em Agosto) e estas medidas não foram contempladas.
Aliás, as medidas do PNAC 2006 ficaram muito aquém do desejável, resumindo-se a tentar cumprir as metas impostas pelas directivas europeias em áreas como a produção a partir de fontes de energia renovável (FER) e biocombustíveis, e outras como o reduzir a velocidade das auto-estradas para o máximo de 118 km/hora ou retirar um dia de trabalho aos taxistas.
Parece, portanto, que numa altura em que o estado do “ambiente” do Governo é tão contestado (como seja ao nível da co-incineração, da aprovação de empreendimentos imobiliários em zonas sensíveis, da falta de respostas para o problema da erosão costeira, para a decadência na gestão das áreas protegidas, entre muitos outros), e o seu Ministro aparece como um elo muito frágil, Sócrates vem defender e mostrar que o ambiente é uma bandeira sua.
Recorde-se que Sócrates já foi Ministro do Ambiente e não quer sair deste Governo com uma imagem derrotada a este nível. Por isso, é complacente com um conjunto de atentados ambientais em nome da economia, mas quer brilhar de vez em quando para as televisões, apresentando propostas que acusa os outros de não terem.
Mas vamos ver o que são estas propostas:
– as centrais termoeléctricas que vão fechar estão a chegar ao fim do seu período de vida útil, sendo que o seu encerramento não é propriamente uma novidade;
– as compras públicas ecológicas já estavam previstas no PNAC 2004 e já em Outubro de 2006 tinha sido anunciado pelo Ministro do Ambiente que se estava a preparar um plano nacional para as compras públicas ecológicas, para além de que este assunto já vem sendo discutido há algum tempo na União Europeia, que já lançou manuais de apoio e directrizes para a sua implementação;
– já antes da discussão do orçamento de estado para 2007 (sendo que em todos os orçamentos o imposto automóvel é, pelo menos, actualizado), se previa que em Julho deste ano a componente ambiental corresponderia a 30%;
– a aposta nos biocombustíveis é muito duvidosa, primeiro porque as culturas energéticas requerem práticas intensivas consumidoras de muito espaço e agressivas para o ambiente, segundo porque a sua neutralidade em termos de emissões é duvidosa e podem mesmo piorar o problema do aumento das emissões [1];
– a continuação da aposta nas hídricas é um erro, isto porque os impactes das barragens ao nível dos cursos de água têm reflexos cumulativos graves a jusante (para não se falar nos impactes a montante), como seja no transporte de sedimentos que é importante para o não agravamento do problema da erosão costeira, e também porque numa situação em que a frequência da ocorrência de secas é cada vez maior a produção daí derivada reduz-se muito;
– a prioridade à eólica é importante mas não no modelo que tem sido adoptado: pela criação de monopólios nas renováveis e mantendo (de certa forma) a centralização na produção e distribuição, para não falar na ocupação de zonas sensíveis em áreas protegidas com impactes ao nível da biodiversidade;
– o programa de microgeração anunciado é o mais promissor, mas veremos em que moldes se fará.
Outras medidas são necessárias, mesmo reconhecendo que as adoptadas são importantes, ainda para mais porque algumas já eram propostas antigas que não foram concretizadas (e veremos se o são de facto e com que prazos).
É urgente e necessária a aposta na eficiência energética da economia, sobretudo no sector dos edifícios e dos transportes, já que os desperdícios e as perdas de energias são extremamente elevadas (na ordem dos 60%) e é aqui que se podem obter ganhos mais directos na redução das necessidades energéticas de consumo e das emissões de GEE, combatendo o desperdício.
Complementarmente, seria interessante apostar-se na generalização da arquitectura bioclimática para todos os novos edifícios (uso de sistemas solares passivos), estabelecendo regras e normas obrigatórias a aplicar nas fases de concepção arquitectónica e construção.
Por outro lado, a aposta deve ser feita na requalificação e reabilitação do edificado existente (de preferência aplicando-se princípios de eficiência energética), grande parte dele devoluto e entregue à especulação imobiliária, ao invés de se continuar a investir em construção nova.
O sector da construção é responsável por grandes consumos energéticos e emissões de GEE e outros poluentes. Para além disso, continua-se a assistir a um crescimento urbano excessivo e desordenado em “mancha de óleo” em torno dos grandes centros urbanos, com consequentes acréscimos das necessidades de mobilidade para os movimentos pendulares e as deslocações intra-urbanas.
E aqui entra-se no preocupante sector dos transportes. Deve claramente desincentivar-se o uso do automóvel, para o qual é preciso mudar a política de planeamento e organização das cidades (reduzindo as necessidades de mobilidade) e a política de transportes colectivos e transportes individuais não poluentes.
A descentralização da produção e distribuição de energia (p.e. apostando no funcionamento de redes locais em microgeração e na figura do produtor-consumidor), promovendo-se a democraticidade da sua utilização e a redução de impactes ambientais (como acontece nos grandes parques eólicos em relação à avifauna), deveria ser uma aposta séria para a reconversão do sector energético.
[1] Rita Calvário, Biocombustíveis: o petróleo “verde”?, Esquerda, 29/12/2006.
Rita Calvário
Esquerda
http://www.infoalternativa.org/ecologia/ecologia046.htm
Aliás, as medidas do PNAC 2006 ficaram muito aquém do desejável, resumindo-se a tentar cumprir as metas impostas pelas directivas europeias em áreas como a produção a partir de fontes de energia renovável (FER) e biocombustíveis, e outras como o reduzir a velocidade das auto-estradas para o máximo de 118 km/hora ou retirar um dia de trabalho aos taxistas.
Parece, portanto, que numa altura em que o estado do “ambiente” do Governo é tão contestado (como seja ao nível da co-incineração, da aprovação de empreendimentos imobiliários em zonas sensíveis, da falta de respostas para o problema da erosão costeira, para a decadência na gestão das áreas protegidas, entre muitos outros), e o seu Ministro aparece como um elo muito frágil, Sócrates vem defender e mostrar que o ambiente é uma bandeira sua.
Recorde-se que Sócrates já foi Ministro do Ambiente e não quer sair deste Governo com uma imagem derrotada a este nível. Por isso, é complacente com um conjunto de atentados ambientais em nome da economia, mas quer brilhar de vez em quando para as televisões, apresentando propostas que acusa os outros de não terem.
Mas vamos ver o que são estas propostas:
– as centrais termoeléctricas que vão fechar estão a chegar ao fim do seu período de vida útil, sendo que o seu encerramento não é propriamente uma novidade;
– as compras públicas ecológicas já estavam previstas no PNAC 2004 e já em Outubro de 2006 tinha sido anunciado pelo Ministro do Ambiente que se estava a preparar um plano nacional para as compras públicas ecológicas, para além de que este assunto já vem sendo discutido há algum tempo na União Europeia, que já lançou manuais de apoio e directrizes para a sua implementação;
– já antes da discussão do orçamento de estado para 2007 (sendo que em todos os orçamentos o imposto automóvel é, pelo menos, actualizado), se previa que em Julho deste ano a componente ambiental corresponderia a 30%;
– a aposta nos biocombustíveis é muito duvidosa, primeiro porque as culturas energéticas requerem práticas intensivas consumidoras de muito espaço e agressivas para o ambiente, segundo porque a sua neutralidade em termos de emissões é duvidosa e podem mesmo piorar o problema do aumento das emissões [1];
– a continuação da aposta nas hídricas é um erro, isto porque os impactes das barragens ao nível dos cursos de água têm reflexos cumulativos graves a jusante (para não se falar nos impactes a montante), como seja no transporte de sedimentos que é importante para o não agravamento do problema da erosão costeira, e também porque numa situação em que a frequência da ocorrência de secas é cada vez maior a produção daí derivada reduz-se muito;
– a prioridade à eólica é importante mas não no modelo que tem sido adoptado: pela criação de monopólios nas renováveis e mantendo (de certa forma) a centralização na produção e distribuição, para não falar na ocupação de zonas sensíveis em áreas protegidas com impactes ao nível da biodiversidade;
– o programa de microgeração anunciado é o mais promissor, mas veremos em que moldes se fará.
Outras medidas são necessárias, mesmo reconhecendo que as adoptadas são importantes, ainda para mais porque algumas já eram propostas antigas que não foram concretizadas (e veremos se o são de facto e com que prazos).
É urgente e necessária a aposta na eficiência energética da economia, sobretudo no sector dos edifícios e dos transportes, já que os desperdícios e as perdas de energias são extremamente elevadas (na ordem dos 60%) e é aqui que se podem obter ganhos mais directos na redução das necessidades energéticas de consumo e das emissões de GEE, combatendo o desperdício.
Complementarmente, seria interessante apostar-se na generalização da arquitectura bioclimática para todos os novos edifícios (uso de sistemas solares passivos), estabelecendo regras e normas obrigatórias a aplicar nas fases de concepção arquitectónica e construção.
Por outro lado, a aposta deve ser feita na requalificação e reabilitação do edificado existente (de preferência aplicando-se princípios de eficiência energética), grande parte dele devoluto e entregue à especulação imobiliária, ao invés de se continuar a investir em construção nova.
O sector da construção é responsável por grandes consumos energéticos e emissões de GEE e outros poluentes. Para além disso, continua-se a assistir a um crescimento urbano excessivo e desordenado em “mancha de óleo” em torno dos grandes centros urbanos, com consequentes acréscimos das necessidades de mobilidade para os movimentos pendulares e as deslocações intra-urbanas.
E aqui entra-se no preocupante sector dos transportes. Deve claramente desincentivar-se o uso do automóvel, para o qual é preciso mudar a política de planeamento e organização das cidades (reduzindo as necessidades de mobilidade) e a política de transportes colectivos e transportes individuais não poluentes.
A descentralização da produção e distribuição de energia (p.e. apostando no funcionamento de redes locais em microgeração e na figura do produtor-consumidor), promovendo-se a democraticidade da sua utilização e a redução de impactes ambientais (como acontece nos grandes parques eólicos em relação à avifauna), deveria ser uma aposta séria para a reconversão do sector energético.
[1] Rita Calvário, Biocombustíveis: o petróleo “verde”?, Esquerda, 29/12/2006.
Rita Calvário
Esquerda
http://www.infoalternativa.org/ecologia/ecologia046.htm
Sem comentários:
Enviar um comentário