quarta-feira, janeiro 31, 2007

Seis anos depois: Voltará Bin Laden a ajudar Bush a recuperar a sua popularidade perdida?

Por ocasião do discurso do Estado da União de George W. Bush do passado dia 23 de Janeiro, muitos meios de comunicação recordaram que, salvo dois presidentes dos EUA, Harry Truman, durante a Guerra da Coreia, e Richard Nixon, em pleno escândalo do Watergate, nenhum tinha antes chegado a cair 28% no seu nível de popularidade como ele nestes dias. Alguns cronistas cometeram, no entanto, o erro de valorizar a queda de Bush filho, em mais de 60 pontos em seis anos, tomando como referência de partida o momento em que assumiu o poder a 20 de Janeiro de 2001 e pronunciou o seu primeiro discurso sobre o Estado da União, comparando o com o que realizou há dias atrás, em 2007. E aí está o erro nessa tentativa de paralelismo. É verdade que Bush atingiu 90% de popularidade em 2001, mas não os tinha ainda ao assumir o poder, obteve os somente após o 11-S, depois de anunciar a sua cruzada antiterrorista planetária e indefinida no tempo.

Todos reconhecem que nos EUA, e em boa parte do mundo, em grande medida há um antes e um depois do 11 S e isto chega a tal ponto que muitas vezes se esquece como era Bush filho antes dessa data e como chegou à Presidência do país mais poderoso do planeta; que imagem tinham dele boa parte dos seus cidadãos e os próprios líderes dos principais países aliados dos EUA antes daquele fatídico 11-S. Um dia que, paradoxalmente, apesar de ter sido um golpe tão terrível para a sociedade norte-americana, representou ao mesmo tempo uma oportunidade de ouro para esse aspirante a César do século XXI.

George W. Bush foi dado como vencedor das eleições presidenciais de Dezembro de 2000, apesar de o seu adversário, o candidato democrata Al Gore, ter obtido mais 300.000 votos populares, graças a ter beneficiado do polémico e ainda vigente sistema eleitoral norte-americano, e à controversa e prolongadíssima recontagem de votos que revelou perante a opinião pública mundial um sistema arcaico, digno de uma república das bananas, a que se somaram as ensaboadelas pouco claras das autoridades e tribunais da Flórida, onde – oh casualidade! – Jeb Bush era, e é, governador. Após cinco semanas de incerteza, o Tribunal Supremo deu a vitória ao actual presidente, sem convencer um sector muito amplo da população sobre a sua legitimidade. “Parem o ladrão!” gritavam muitas das 20.000 pessoas que se manifestaram em Washington, a 20 de Janeiro desse ano, enquanto Bush jurava como presidente número 43º dos EUA sobre a mesma Bíblia escolhida por George Washington em 1789.

Esse antecedente de irregularidade eleitoral fez com que nas eleições seguintes, as de finais de 2004, pela primeira vez na história dos EUA, congressistas democratas solicitassem a presença de observadores independentes supervisionados pelas Nações Unidas para evitar que se repetisse uma situação similar. Face a isso, o Partido Republicano aprovou um projecto de lei pelo qual se proibiu expressamente ao Governo proporcionar fundos à ONU para pagar o trabalho dos observadores. Finalmente, o subsecretário de Estado, Paul Kelly, procurou uma postura mediadora, e a 9 de Agosto enviou uma carta aos 13 congressistas democratas notificando os que o Departamento de Estado tinha convidado para as eleições do dia 2 de Novembro (de 2004) um grupo de observadores da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da qual os EUA são membros.

Durante os primeiros meses do primeiro mandato de Bush filho, quando o mundo ainda estava bem longe de imaginar que nos EUA se pudesse produzir algo como um 11-S, as anedotas sobre a sua incultura geral e sobre o desconhecimento sobre política externa que manifestava deram lugar a numerosos artigos nos meios de comunicação. Compilações das suas gafes mais sonantes foram publicadas em vários livros. O comentarista do New York Times Bob Herbert fazia a seguinte comparação entre Bush e Clinton: «O presidente (Bush), para dizê lo da forma mais suave possível, não parece demasiado comprometido com o difícil trabalho de ser presidente». E acrescentava: «Quando Clinton tinha algum tipo de problema, sempre podia apoiar se na sua inteligência, no seu instinto político e capacidade de trabalho, de comunicação». «Mas esses não são precisamente os pontos fortes do senhor Bush», concluía.

Os índices de popularidade de Bush filho não eram, evidentemente, de 90% quando assumiu o poder a 20 de Janeiro de 2001, nem o eram meses depois, nem até um dia antes do 11-S. Em concreto, a 10 de Setembro de 2001, George W. Bush registava 51% de índice de popularidade, e foi precisamente com os atentados cometidos no dia seguinte pela Al Qaeda, a organização paradoxalmente criada por Osama bin Laden, aliado da CIA no Afeganistão nos anos 80 contra as tropas soviéticas, que conseguiu que a sua popularidade disparasse para 90%.

Esse foi um dos níveis mais altos jamais atingidos por um presidente estadunidense. John F. Kennedy obteve 83% de índice de popularidade em 1961, também paradoxalmente, depois de fracassar de forma estrepitosa na sua tentativa de invadir Cuba. Apesar de a invasão da Baía dos Porcos ter sido feita com cerca de 2.000 mercenários (boa parte deles pertencentes às tropas do tirano Fulgencio Batista, derrotado dois anos antes pela Revolução), armados e financiados pelos EUA, apoiados por barcos e aviões, foram derrotados pelas forças revolucionárias cubanas em apenas 72 horas.

A 20 de Janeiro de 2002, um ano depois de chegar ao poder, o milagre continuava. George W. Bush contava com 83% de popularidade. Só Harry Truman tinha conseguido um índice semelhante após 12 meses no poder.

Bin Laden, considerado um “lutador pela liberdade” duas décadas antes por Ronald Reagan, transformava se duas décadas depois num boomerang contra os EUA, passava a ser supostamente o seu pior inimigo, mas ao mesmo tempo no “balão de oxigénio” para Bush. Foi a partir do 11-S que Bush atingiu pela primeira vez esses 90% de popularidade, que lhe vão permitir, a galope do espírito patriótico e da frente unida nacional contra o inimigo comum, levar por diante uma série de medidas na ordem interna impensáveis sem essa ajuda que Bin Laden de novo prestava a um presidente republicano.

Assim, não somente Bush não encontraria uma só fissura no interior do seu próprio partido, como também não encontraria oposição no Congresso da parte do opositor Partido Democrata para levar avante os seus mastodônticos orçamentos militares, as suas repressivas leis antiterroristas, como a Patriot Act, que de disposições temporárias acabaram transformando se em leis permanentes, retalhando drasticamente as leis democráticas mais elementares dos cidadãos. A elas seguir-se-iam também a luz verde dada pelos democratas a Bush para a guerra no Iraque; a não oposição a esse campo de concentração do século XXI que é a base de Guantánamo; aos sequestros e traslados de numerosos prisioneiros para centros de tortura nos sinistros voos na frota da CIA; e a um larguíssimo etc.

A nível externo, o acentuado unilateralismo que caracterizou o primeiro mandato de Bush desde o próprio momento em que assumiu o poder, quase oito meses antes do 11-S, tinha provocado o alarme e as críticas dos principais líderes de países europeus tradicionalmente aliados dos Estados Unidos. Nos últimos dias do seu mandato, Bill Clinton quis dar um toque multilateralista ao seu Governo, que na realidade nunca teve tais características e eludiu assinar os tratados mais comprometidos tanto de defesa do meio ambiente, como da infância, ou da justiça universal, e nem sequer saldou as enormes dívidas dos EUA com a ONU. Mas nos últimos dias, Clinton deixou mais que uma batata quente ao seu sucessor. Foi assim que se mostrou partidário de que se ratificasse o Protocolo de Roma com base no qual avançaria o Tribunal Penal Internacional (TPI, para julgar genocídios, crimes de guerra e contra a humanidade); decidiu proteger 60 milhões de acres de bosques nacionais, irritando a grande indústria madeireira nacional; mostrou-se partidário de assinar o Protocolo de Quioto, e outra série de medidas que provocariam a ira de Bush. Este faria exactamente o contrário desde o primeiro momento. Não só recusou terminantemente a ratificação do TPI, como se transformou num feroz inimigo dele, e John Bolton (posteriormente seu embaixador perante a ONU) criou a fórmula perfeita para sabotá lo e evitar que qualquer dos cerca de 200.000 soldados, agentes da CIA ou mercenários ao seu serviço a trabalhar no estrangeiro, pudessem ser em algum momento levados perante o banco dos acusados do TPI por ter cometido algum dos delitos da competência desse tribunal.

Para isso criou os BIA, os acordos bilaterais dos EUA com dezenas de governos que fazem parte do TPI, chantageando os para que em caso algum denunciassem as suas tropas ou agentes assentados nesses países, ainda que cometessem esse tipo de delitos. Aqueles países que aceitaram assinar tais acordos conseguiram em troca um tratamento privilegiado nas relações com os EUA. Os que se negaram a assiná-lo perderam no entanto acordos de cooperação comercial e/ou de ajuda militar e, paradoxalmente, inclusive de ajuda na luta contra o terrorismo.

Mas todo este tipo de medidas adoptadas nos primeiros de governo de Bush, com anulações de importantes acordos de segurança internacionais, ou tratados comerciais que provocaram sérias fricções com países aliados, diluíram se com o 11-S. A invocação da luta do “Bem” contra o “Mal” feita por Bush logrou o seu efeito, a NATO fez frente comum, o aspirante a César sentiu que estava bem mais perto do seu objectivo. Depois, os seus aliados secundaram no no Afeganistão, alguns também no Iraque, e os que o não fizeram limitaram se a criticá-lo somente antes de se iniciar a guerra, mas depois calaram a sua voz.

Paradoxalmente, quando a própria ONU reconhece agora, em 2007, que anualmente morrem 35.000 civis no Iraque, quando o país já está totalmente fora de controle, e ninguém sabe como fechar a caixa de Pandora aberta pelos EUA, não se ouvem já críticas de países como a França, a Alemanha ou a Rússia, que no início de 2003, com razão, alertavam sobre os perigos e a ilegalidade de uma intervenção no Iraque. Agora não dizem nada. Os iraquianos estão abandonados à sua sorte.

Estes países parecem agora preocupados em observar os próximos passos dos EUA relativamente ao Irão, só para saber quanto podem afectar os seus próprios interesses energéticos, as suas próprias empresas e as sua própria segurança.

Pode-se confiar que o facto de que as duas Câmaras nos EUA estejam agora nas mãos do Partido Democrata fará mudar realmente as coisas de forma radical, para lá desta ou daquela medida adoptada pontualmente por este partido com claro propósito eleitoral? Parece fácil criticar agora Bush pelos erros cometidos no Iraque, golpear a árvore caída, quando está com 28% de popularidade, mas o facto de, durante os últimos seis anos, os democratas terem sido cúmplices de uma política tão nefasta para o mundo, não se pode esquecer ao ouvir o seu discurso e as suas promessas.

Também não se pode esquecer o que foi o último mandato democrata, o de Bill Clinton, em termos de política externa. Foi ele precisamente quem cedeu à chantagem, às acções provocadoras da gusanera Irmãos ao Resgate e do lobby de Miami no Congresso norte-americano, e quem acabou por assinar em 1996 a cruel Lei para a Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana, conhecida como Lei Helms-Burton, contra Cuba. Dita lei, por outro lado, foi elaborada não só pelo senador republicano de extrema-direita Jesse Helms, da Carolina do Norte, como também pelo senador do Partido Democrata pelo Illinois Dan Burton. Apesar de outra lei anterior contra Cuba, a Lei pela Democracia em Cuba, mais conhecida como Lei Torricelli, ter sido promulgada durante o Governo de Bush pai em 1992, em plena campanha eleitoral, Bill Clinton, depois de votar a favor dela, declarou: «É um dia importante na causa da democracia em Cuba». E não é caso para menos do que estar orgulhoso. O projecto de lei não tinha sequer sido apresentado neste caso por senadores dos dois partidos, como depois aconteceria com a Helms-Burton, mas nada menos do que por dois senadores do Partido Democrata, Robert Torricelli, de New Jersey, e Bob Graham, da Flórida.

Foi também durante o mandato de Bill Clinton, em 1994, que se puseram em marcha as Cimeiras das Américas e o lançamento da ALCA, como forma de renovar em finais do século XX os laços de dependência da América Latina com o Império.

O que foi a intervenção dos EUA na Somália em 1993 sob o Governo de Clinton senão uma mostra do que nunca se pode fazer, ir a uma missão humanitária entrando em combate abertamente a favor de uma das partes, sair derrotado militarmente (como mostrou o filme Black Hawk Down), e abandonar o país precipitadamente deixando o entregue à sua sorte, afundado no caos mais absoluto?

Estas e outras aventuras de Clinton no exterior, convenientemente revestidas de intervenções humanitárias, parecem hoje em dia pequenezes comparadas com o terrorismo de Estado planetário que o Império vem levando a cabo desde 2001, sob a era Bush, mas nem por isso podem ser passadas por alto.

Um genocídio não pode deixar de fazer com que um simples assassinato ou a cumplicidade com ele também seja condenável.

Roberto Montoya
http://www.infoalternativa.org/usa/usa145.htm

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