quarta-feira, janeiro 17, 2007

Sessenta anos de (não-)proliferação nuclear

Principais responsáveis pelo fracasso da Conferência sobre o Tratado de Não Proliferação (TNP) que teve lugar em Maio de 2005, os Estados Unidos – mas também a Grã-Bretanha e a França – preparam-se para se lançar no fabrico de uma nova geração de armas nucleares. Por outro lado, segundo os documentos do Pentágono, Washington encara a utilização de tais armas, de forma preventiva, em situações de crise, mesmo que o adversário não disponha de bombas nucleares. Esta postura agressiva não impede a administração Bush de multiplicar as pressões no sentido de levar o Irão a comparecer perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas por incumprimento do TNP. Teerão rejeita tais acusações e afirma o direito a desenvolver a sua própria energia nuclear, incluindo o direito a enriquecer o urânio. O regime poderá ver-se isolado, tanto mais que a União Europeia alinha com as posições dos Estados Unidos – a Rússia e a China permanecem, por agora, muito prudentes.

Neste debate, tal como no que se refere à Coreia do Norte, joga-se o futuro do TNP, assinado há quase quarenta anos e que, pelo menos até ao fim da Guerra Fria, desempenhou bastante bem o seu papel. O desaparecimento dos blocos, a tensão permanente no Médio Oriente e as rivalidades na Ásia podem efectivamente pôr em causa estas conquistas. Mais ainda porque os principais países detentores de armas atómicas não levaram à prática o compromisso, assumido em 1968, de caminharem no sentido do seu próprio desarmamento nuclear.

Quanto mais elevado é o número de países que dispõem de armas nucleares, mais elevado é o risco de elas serem deliberadamente utilizadas, não para dissuadir, mas para aniquilar; mais elevado é também o risco de um conflito ser desencadeado por engano, ou de um país bombardear preventivamente as instalações dos seus adversários, ou ainda de as armas ou matérias físseis caírem nas mãos de grupos criminosos.

A proliferação nuclear é por isso um dos perigos mais graves para o futuro da humanidade. Não obstante, não foi esta preocupação que inspirou as primeiras medidas tomadas para a evitar. Desde que lançaram, em 1942, o seu programa nuclear militar, os Estados Unidos proibiram a divulgação de quaisquer informações relativas à energia atómica, para evitar que a Alemanha nazi fosse a primeira a possuir a bomba. Depois de 1945, a restrição foi mantida, para atrasar os trabalhos dos soviéticos. Em 1954, após a URSS ter experimentado o seu primeiro engenho termonuclear, o segredo foi abandonado em benefício de uma política denominada “Átomos pela paz”: os países que desejassem desenvolver os seus trabalhos no domínio do nuclear podiam ser ajudados pelos Estados Unidos, desde que se comprometessem a utilizar tais trabalhos apenas para fins pacíficos, permanecendo ao mesmo tempo livres de desenvolver um programa militar, desde que o pudessem fazer sozinhos. Vários países beneficiaram desta ausência de regulamentação internacional global para satisfazerem as suas ambições militares. Sete dos oito países que dispõem hoje de um arsenal tinham deste modo adquirido, em 1960, os elementos indispensáveis à sua realização [1].

Foi sobretudo a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, que conduziu ao estabelecimento de uma política global de não­‑proliferação, pois Washington e Moscovo constataram então que, se uma outra potência dotada de armas nucleares se imiscuísse no confronto entre os dois, provavelmente não seriam capazes de controlar o desenrolar da crise. Originalmente, o objectivo essencial do Tratado de Não Proliferação (TNP) consistia por isso, para as duas superpotências, em manter o controlo sobre os países do seu campo. Concluído a 1 de Julho de 1968, o TNP divide o mundo em dois: de um lado, os “Estados dotados de armas”, que haviam feito explodir um engenho antes de 1 de Janeiro de 1967, e aos quais é pedido que não ajudem outros países a adquiri­‑las [2]; por outro lado, todos os restantes Estados, que devem comprometer-se a não procurar adquiri­‑las, e a colocar todas as instalações nucleares de que disponham sob controlo da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), encarregada de assegurar que tais países respeitam as suas obrigações.

UM SUICÍDIO COLECTIVO?

Com os seus defeitos e fraquezas, o Tratado de Não Proliferação contém os elementos necessários para impedir a disseminação das armas e, se tivesse sido integralmente aplicado, apenas cinco países possuiriam ainda um arsenal nuclear. O seu êxito exigia que fosse universal, ou seja, que todos os Estados a ele aderissem, que existisse um mecanismo de verificação perfeitamente eficaz e que, em caso de violação, fossem tomadas medidas enérgicas para acabar com a infracção e dissuadir outros Estados de imitar o infractor.

À partida, o Tratado foi encarado por vários países como um inaceitável atentado à sua soberania, tendo a Alemanha, o Japão e Itália, que eram os seus primeiros alvos, começado por recusar submeter-se-lhe. Se em 1970 entrou em vigor [3], foi graças à assinatura de países como a Irlanda, a Dinamarca, o Canadá, a Suécia ou o México, que nele viram um meio de reduzir os riscos de um suicídio colectivo, ou à assinatura de Estados politicamente muito próximos dos Estados Unidos ou da URSS, ou ainda de países que não imaginavam possuir um dia os meios necessários ao fabrico das bombas. Entre os primeiríssimos signatários contavam-se assim o Iraque, o Irão e a Síria.

Em meados da década de 1970 ocorreu uma viragem, com a ascensão dos movimentos antinuclear, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa, e sobretudo com a primeira explosão indiana, em 1974. As opiniões públicas alarmaram-se com os perigos em que a disseminação fazia incorrer a segurança mundial, e um grande número de Estados considerou que a sua segurança seria mais bem assegurada se os seus vizinhos não dispusessem de armas.

Graças também às pressões exercidas em simultâneo pelos Estados Unidos e pela URSS, este movimento permitiu um rápido aumento do numero de signatários, aos quais se juntaram os grandes países industriais Alemanha, Japão, Itália, Suíça e Holanda. No fim de 1979, o número de aderentes ultrapassava a centena. A vaga de adesões prosseguiu ao longo dos anos seguintes e, apesar do desmembramento da URSS, ampliou­‑se com o fim da Guerra Fria. Em 1995, eram já 178 os países signatários que decidiram manter o Tratado em vigor por duração indeterminada.

No entanto, por diversas razões, as grandes potências nunca fizeram o esforço necessário para convencer a Índia, Israel e o Paquistão a juntarem-se-lhes. Tendo sempre recusado aderir ao Tratado, estes três países puderam assim construir os seus próprios arsenais sem faltarem às suas obrigações. Actualmente isso já não seria possível, pois o Tratado conta agora com 189 países aderentes [4], ou seja, quase a totalidade dos Estados, e nenhum país pode agora fabricar um engenho explosivo sem violar os seus compromissos internacionais.

Entre estes 189 Estados contam-se a Argentina e o Brasil que, nas décadas de 1970 e 1980 haviam lançado programas de investigação cujo objectivo era claramente militar. Como nessa altura não tinham assinado o Tratado de Não Proliferação, os trabalhos por eles desenvolvidos não entravam em contradição com as respectivas obrigações internacionais. A Argentina e o Brasil abandonaram esses projectos militares no fim da década de 1990, e aderiram ao TNP, respectivamente em 1995 e 1998. Não renunciaram aos referidos projectos por a sua segurança externa estar então mais bem assegurada do que no passado, mas porque um regime democrático substituíra entretanto as ditaduras militares no poder.

O mesmo aconteceu com a África do Sul, que nas décadas de 1970 e 1980 fabricou uma meia dúzia de engenhos, sem estar a cometer uma infracção e sem que a AIEA pudesse intervir. Pretória desmantelou as suas armas exactamente antes de abandonar o regime de apartheid e de aderir ao TNP, em 1991.

Em meados da década de 1990, os Estados Unidos quiseram completar o TNP com um Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares (TICE) e com uma convenção que proibisse a produção de urânio enriquecido ou de plutónio de qualidade militar. Os dois acordos visavam unicamente a Índia e o Paquistão, mas os americanos pensavam que estes dois países adeririam mais facilmente a um tratado universal.

Os dois acordos não fazem, efectivamente, qualquer sentido para os outros países, pois 184 Estados tinham já assumido o compromisso de não procurar dotar-se de armas e, quanto a prometer não explodir as armas que não se fabricou, isso não significa um progresso particularmente significativo! Os cinco Estados dotados de armas pararam os seus ensaios, e a França, que desmantelou o polígono do Pacífico, não podia retomá-los. Em contrapartida, a Índia e o Paquistão fizeram explodir os seus engenhos em 1998, mas prosseguem a produção de matérias físseis militares e recusam aderir ao TICE ou à convenção.

Deve acrescentar-se que a impossibilidade de proceder a ensaios nunca impediu um país de se dotar de armas. Israel nunca experimentou qualquer engenho, mas todos os especialistas lhe atribuem um arsenal nuclear; a África do Sul nunca fez experiências, oficialmente, e no entanto detém uma meia dúzia de armas; não existe qualquer tipo de dúvida sobre a existência de vários engenhos no Paquistão, mesmo antes de 1998. No total, este projecto de tratado, que os Estados Unidos recusam ratificar, não tem qualquer outro interesse que a ligação simbólica que com ele sente a opinião pública.

O organismo encarregado de verificar o respeito pelas obrigações contratadas foi a AIEA, que teve que o fazer, desde o início, em condições bastante complicadas. Os inspectores só podem deslocar-se a países membros do Tratado que tenham assinado com esta Agência e ratificado um acordo particular precisando os seus direitos e deveres. Foi por esse motivo, por exemplo, que não puderam entrar na Coreia do Norte antes de Abril de 1992, ao passo que a existência do reactor e da instalação de retratamento onde foi produzido o plutónio norte­‑coreano era conhecida pelo menos desde 1990.

O acesso dos inspectores às diferentes instalações é em seguida limitado por variadas disposições administrativas: por exemplo, têm que solicitar previamente um visto cuja obtenção pode ser mais ou menos demorada, e apenas estão autorizados a inspeccionar uma fábrica durante um período minuciosamente calculado segundo a natureza das actividades e a quantidade de urânio ou de plutónio que aí se encontre.

Todas as excepcionais a que os inspectores devem submeter-se foram definidas em 1971, não pelos funcionários da Agência – que teriam podido precisar o que necessitavam para cumprir a sua missão –, mas pelos representantes dos Estados, e sobretudo os dos países na época mais avançados no domínio do nuclear. Tiveram um enorme cuidado em limitar o mais possível os constrangimentos que os controlos representariam para si próprios, e sobretudo para os seus industriais. O mecanismo de controlo fundou-se, assim, no postulado de que um programa nuclear não pode ser clandestinamente desenvolvido, apresentando­‑se como única fraude concebível o desvio para usos militares do urânio ou do plutónio que devia permanecer no sector civil. Deste modo, os inspectores apenas tinham acesso às instalações declaradas por cada Estado, constituindo tarefa sua assegurarem­‑se de que todas as matérias físseis que nelas são introduzidas são realmente utilizadas para fins pacíficos. Não podiam verificar se no país existiam outras instalações que não lhes tivessem sido declaradas.

Tais limitações não eram totalmente irracionais, se se tiver em conta as técnicas da época. Estas exigiam, sobretudo para a produção de urânio enriquecido, fábricas de dimensões impressionantes, de formato característico, absorvendo consideráveis quantidades de energia, e cujo funcionamento seria inevitavelmente detectado. Deve acrescentar-se que no início da década de 1970 só países industriais avançados podiam ter a perspectiva de levar a cabo importantes actividades nucleares.

Estavam então em causa Estados democráticos, onde a informação circula livremente e onde a decisão de se dotar de um arsenal não pode permanecer clandestina. Nos limites que lhe foram impostos, o sistema de controlo funcionou convenientemente, uma vez que, desde 1945, nenhum engenho nuclear explosivo foi fabricado a partir de uma instalação sob vigilância da AIEA. Não é que os controlos sejam infalíveis, mas até ao momento foram suficientemente eficazes para que os infractores prefiram não correr o risco de serem apanhados em flagrante pelos inspectores.

O IRAQUE E O URÂNIO ENRIQUECIDO

Apesar disso, na sequência da Guerra do Golfo de 1990-1991 foram descobertas no Iraque instalações que teriam permitido ao país, alguns anos mais tarde, dispor de um verdadeiro arsenal. Saddam Hussein havia provado que, pelo menos num país submetido a um feroz regime ditatorial, é perfeitamente possível desenvolver actividades nucleares clandestinas. Os iraquianos tinham para tal utilizado o procedimento de enriquecimento do urânio por centrifugação, uma técnica adoptada na Europa em meados da década de 1970 que permite a utilização de instalações de muito menor dimensão – que podem ser dissimuladas em edifícios de aparência banal –, que consome muito menos energia e que os serviços de informações têm poucas possibilidades de detectar, a menos que possuam informadores no terreno.

Procurando adaptar os mecanismos de controlo a este novo tipo de fraude, a AIEA adoptou, em 1997, um Protocolo Adicional [5] que confere aos inspectores poderes de investigação sensivelmente mais extensos, mas que deve também ser assinado e ratificado por cada Estado antes de poder ser-lhe aplicado [6]. Os meios acrescidos que assim foram atribuídos à Agência permitiram já resultados apreciáveis [7], e poderão dar aos inspectores os meios de detectarem a existência, num país, de actividades que permanecem secretas. Não se trata, ainda assim, de uma panaceia e, a menos que tenham muita sorte, é pouco provável que os inspectores descubram o local onde uma instalação clandestina tenha sido construída, salvo se a mesma lhes for assinalada por um serviço de informações.

Uma organização internacional como a AIEA não é um gabinete de espionagem, não possui quaisquer meios para obter informações secretas e é obrigada a respeitar os acordos concluídos com o país sob fiscalização. A exacta localização de uma fábrica continua a ser da responsabilidade dos serviços de informações, que devem dar à Agência os elementos de que ela necessita.

Nenhum dos cinco Estados que possui armas é obrigado a assinar o Protocolo Adicional. Se os inspectores chegassem à conclusão de que nos Estados Unidos ou em França, por exemplo, existem instalações nucleares militares em locais aliás perfeitamente conhecidos, isso não constituiria uma descoberta particularmente impressionante. Apesar disso, a França assinou simbolicamente uma versão suavizada do documento para gerir a susceptibilidade dos outros membros da União Europeia, muito sensíveis à diferença de tratamento entre os países dotados de armas e os que não as possuem.

Do mesmo modo, nenhum tratado proíbe que um desses cinco países fabrique novos tipos de armas, pois isso seria certamente contrário ao espírito do artigo 6 do TNP sobre desarmamento nuclear. Isso não é absolutamente contrário à letra do Tratado que, muito hipocritamente, estabelece uma certa ligação entre desarmamento nuclear e desarmamento geral e completo. Desde há já perto de quarenta anos, os cinco Estados que possuem armas, e que são também os principais exportadores mundiais de armas convencionais, abstêm­‑se de incitar a um desarmamento geral, invocando uma tal ausência de progresso neste dossiê como forma de ignorarem cinicamente os compromissos de desarmamento nuclear que assumiram.

Os Estados Unidos falam regularmente de fabricar novos engenhos nucleares. Trata-se de uma obsessão para os construtores de armas que, desde há décadas, procuram todos os argumentos possíveis para conseguirem desenvolver as suas actividades. Estes projectos não têm qualquer real alcance operacional, mas concentraram a atenção das opiniões públicas e ocultaram completamente transformações infinitamente mais importantes previstas pela Nuclear Posture Review (Revisão da Postura Nuclear) de Janeiro de 2002. Em particular, as armas nucleares já não constituem uma categoria separada do arsenal americano, estando integradas no conjunto das armas ofensivas que, consequentemente, o presidente pode utilizar de acordo com a sua vontade, nas mesmas condições de qualquer outra arma, segundo a natureza da missão a levar a cabo.

O mesmo documento prevê o recrutamento de uma nova geração de especialistas em armas para assumirem as funções da que irá partir para a reforma, bem como a substituição dos mísseis intercontinentais em 2020, dos submarinos em 2030 e dos bombardeiros em 2040. Porque o armamento nuclear americano é concebido por um período indeterminado e, em qualquer dos casos, até ao fim do século.

Quando a AIEA constata que um Estado não respeitou as suas obrigações, dirige-se ao Conselho de Segurança da ONU, o único organismo habilitado a tomar as medidas necessárias para acabar com a infracção. A ONU tratou por duas vezes de uma violação dos compromissos de não­‑proliferação, sendo mitigados os ensinamentos que pode tirar-se de tais experiências. No caso do Iraque, cujas actividade clandestinas apenas foram descobertas após a Guerra do Golfo, em 1991, quando o país se encontrava militarmente vencido e obrigado a aceitar as condições impostas pelo Conselho de Segurança, a AIEA pôde destruir todas as instalações ilicitamente construídas.

Em 1992 provou-se também que a República Popular Democrática da Coreia (RPDC, Coreia do Norte) havia violado compromissos assumidos com a assinatura do Tratado. Pyongyang rapidamente declarou que consideraria qualquer sanção como um acto de guerra, tendo a China rapidamente feito saber que a crise deveria ser resolvida através de negociações. A atitude de Pequim e o medo de uma guerra que, na península, poderia fazer um importante número de vítimas na Coreia do Sul, fizeram com que se chegasse, em 1994, a um acordo entre Pyongyang e Washington, segundo o qual a Coreia do Sul deveria construir no Norte dois reactores de grandes dimensões para produção de electricidade, em troca de uma suspensão das actividades norte­‑coreanas. O acordo esteve em funcionamento até os Estados Unidos decidirem acabar com ele no fim de 2002. Os norte-coreanos retiraram-se então do Tratado de Não Proliferação, expulsaram os inspectores da Agência, separaram quantidades de plutónio necessárias ao fabrico de uma meia dúzia de armas e afirmaram, alguns meses mais tarde, que doravante dispunham de armas nucleares.

UMA LÓGICA DE GUERRA FRIA

Nenhuma das decisões suscitou a mais pequena reacção do Conselho de Segurança ou de outros países, com excepção das ameaças terríveis e sem efeitos proferidas pelo presidente dos Estados Unidos. Desde essa altura, e em conformidade com os votos da China, várias reuniões têm posto em contacto as duas Coreias, os Estados Unidos, a China, o Japão e a Rússia [8]. No fim de uma declaração comum assinada a 19 de Setembro de 2005, a RPDC comprometeu-se a abandonar os programas nucleares, e os cinco países acima citados comprometeram-se, por seu lado, a fornecer a Pyongyang uma ajuda energética e garantias em matéria de segurança. Agradando a gregos e troianos, a Coreia do Norte acabou no entanto por pôr em causa o acordo logo a seguir à sua assinatura, exigindo o reconhecimento do direito à utilização pacífica da energia nuclear – antes de, em seguida, moderar a sua posição. No estado actual, numa resolução adoptada por consenso dos 139 Estados membros, a 30 de Setembro, a AIEA saudou o anúncio da RPDC de que tencionava renunciar à arma nuclear.

No que diz respeito ao Irão [9], se nos limitarmos a uma interpretação literal do Tratado, como a AIEA tem obrigação de fazer, não é possível constatar qualquer infracção. Contudo, se as discussões em curso com a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha não chegarem a bom porto, os Estados membros poderão recorrer ao Conselho de Segurança, fundamentando-se num julgamento político e não numa interpretação jurídica do texto.

A estratégia de não­‑proliferação foi profundamente enfraquecida depois da Conferência que, em 1995, decidiu manter o Tratado em vigor, no momento em que o objectivo visado parecia quase atingido. A necessidade de acabar com a disseminação das armas foi primeiro atacada nos Estados Unidos pelos neoconservadores, que recusaram ver o seu país obrigado por qualquer constrangimento internacional. Foi depois atacada por outros, para quem a não­‑proliferação pertence à lógica da Guerra Fria, tendo deixado de ter razão de ser após esta ter terminado. Para esses, a resposta às ameaças de disseminação das armas reside na construção de defesas antimísseis, que todos os países deviam comprar aos Estados Unidos. Outros ainda, talvez mais numerosos ou mais influentes, consideram que a proliferação nuclear não é condenável se for praticada por países aliados dos Estados Unidos.

O Tratado de Não Proliferação foi também alvo de várias críticas. Desde há muito tempo, elevam-se vozes contra um sistema que permite a cinco países possuírem as mais poderosas armas e impede os outros de se dotarem das mesmas. Muitas vezes considerada inevitável durante a Guerra Fria, esta desigualdade de tratamento é muito mais mal suportada desde o desmoronamento da URSS. Tanto mais que o Tratado contém igualmente dispositivos que prevêem um desarmamento nuclear, algo que os cinco Estados detentores de armas ignoram com a maior hipocrisia. Conservando hoje arsenais tão importantes como os de meados da década de 1970, símbolos da sua potência e prestígio, estes cinco Estados apenas incitam os outros países a imitá-los.

Uma tal desafeição pela ideia de não­‑proliferação manifestou-se estrondosamente durante a Conferência de Avaliação do Tratado, em Junho de 2005. Com efeito, em vez de exprimirem uma condenação unânime dos infractores, os Estados participantes separaram-se sem terem conseguido chegar a acordo sobre o que quer que seja, reflectindo um mundo dividido, desiludido, desamparado. Estas disposições desacreditadas, mas para as quais nenhuma solução de substituição foi jamais proposta, continuam no entanto em vigor, sendo talvez o desfecho das crises norte­‑coreana e iraniana o que irá decidir o seu futuro.

[1] A URSS experimentou a sua primeira bomba A em 1949, e a primeira bomba H em 1953; a Grã­‑Bretanha explodiu o seu primeiro engenho de fissão em 1952, e a primeira bomba de fusão em 1957; no caso de França, as datas são 1960 e 1968; no da China, 1964 e 1967. Além disso, a França forneceu a Israel, em 1956, o reactor e a fábrica de retratamento de Dimona, da qual saiu o plutónio das suas primeiras armas, e o Canadá entregou à Índia, em 1955, o reactor a água pesada que produziu o plutónio das primeiras bombas indianas.
[2] Ordem cronológica da primeira explosão: Estados Unidos, URSS (de que a Rússia é hoje herdeira), Grã­‑Bretanha, França e China. Contrariamente a uma ideia muito difundida, não há qualquer ligação entre o estatuto de membro permanente do Conselho de Segurança e o de Estado dotado de armas nucleares. Os primeiros são os países vencedores da Segunda Guerra Mundial, definidos pela Carta da ONU assinada a 26 de Junho de 1945, data em que nenhum país – nem sequer os Estados Unidos – dispunha de um engenho nuclear. Os “Estados dotados de armas” são os que as possuíam aquando da assinatura do Tratado.
[3] O texto do Tratado prevê a sua entrada em vigor após ser assinado e ratificado por quarenta Estados.
[4] O número devia ser baixado para 188, tendo em conta a decisão da Coreia do Noite, em Janeiro de 2003, de se retirar do Tratado. No entanto, os outros países consideram que tal retirada não é aceitável, por não estar em conformidade com as exigências formuladas pelo Tratado para que um Estado possa exercer esse direito.
[5] O título completo é “Protocolo Adicional ao Acordo entre o Estado de... e a AIEA, relativo à aplicação de garantias”.
[6] O Irão assinou-o mas não o ratificou, e o novo Parlamento não está seguramente disposto a aprovar o documento. Os responsáveis iranianos afirmam por vezes que se lhe submeterão voluntariamente, mas só parcialmente o fazem, e com muitas reticências.
[7] Foi assim que, em 2004, os inspectores estabeleceram que, no passado, a Coreia do Norte e Taiwan tinham levado a cabo investigações sobre as técnicas de enriquecimento do urânio e de separação do plutónio.
[8] Washington, que até então o recusava, aceitou finalmente um diálogo bilateral com Pyongyang.
[9] Cyrus Safdari, Teerão reivindica o direito à energia nuclear civil, Le Monde diplomatique, Novembro 2005.
Georges Le Guelte
Le monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo210.htm

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