Os debates sobre a nova realidade do mundo do trabalho sofrem de graves limitações quando não se reconhecem as diferenças entre exploração e exclusão, e colocam-se os fatores tecnológicos em segundo plano.
Em nossos textos sobre a crise da classe trabalhadora, vimos insistindo na tese de que o fator preponderante a ser considerado é o novo paradigma tecnológico e não necessariamente aspectos políticos e/ou ideológicos.
Vimos que a inexorável decadência da classe trabalhadora se dá devido à tendência das novas formas de produção de gerar muito mais exclusão do que exploração. O problema é que a diferença entre esses dois termos, aos poucos, começa a se diluir no calor dos debates ideológicos.
Isso decorre por distorções introduzidas tanto pelas concepções da esquerda tradicional quanto pelos defensores do livre mercado. Na verdade, o eixo da discussão está na questão da “centralidade” do trabalho no modo de produção capitalista.
Para a esquerda tradicional é fundamental o argumento de que a produção jamais poderá prescindir do trabalho humano. Para as teses marxistas, não existe uma saída para o problema da existência de um novo “proletariado de silício”.
Esses teóricos de esquerda ficam indignados com a tese, já defendida por André Gorz, em 1980, em sua obra “Adeus ao Proletariado”. Já por aqueles anos, a significativa eliminação dos empregos industriais nos países avançados, fruto da automação baseada na microeletrônica, prenunciava o que viríamos conhecer como “O Colapso da Modernidade”, definida na obra homônima de Robert Kurz.
Surgiram várias obras em “resposta” ao problema. Citaremos apenas “Adeus ao Trabalho?” de Ricardo Antunes, por considera-la bastante sintética dos argumentos em questão. Basicamente o autor defende que a exploração do trabalhador é fundamental na “composição orgânica do capital”. Em suas palavras:
“Mas, exatamente porque o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores, ele deve aumentar a utilização e a produtividade do trabalho de modo que intensifique as formas de extração da mais-valia em tempo cada vez mais reduzido”. (1)
Antunes deixa claro que sua preocupação principal é contestar “outras teses que procuram invalidar a centralidade do trabalho”, em especial, a tese que “propugna a substituição do valor-trabalho pela ciência, ou ainda pela vigência de uma lógica [social] intersubjetiva e interativa, informacional, que se colocaria em posição analítica de superioridade diante da formulação [marxista] da centralidade do trabalho e da teoria do valor”. (2)
Em outras palavras, a prova da manutenção da “centralidade do trabalho” seria a passagem do sistema “fordista” para o “toyotista” em que a exploração da mão-de-obra se torna claramente intensificada. A precarização das condições de trabalho, via terceirização, trabalho temporário, trabalho informal, etc, seriam apenas novas formas de “exploração” do trabalhador.
Todas essas catástrofes seriam fruto da crise provocada pelo fracasso do “neostalinismo” no leste europeu. Em resumo, a decadência da classe trabalhadora resultaria de fatores geopolíticos. O novo paradigma tecnológico seria apenas um fator secundário dentro da “nova lógica neoliberal”.
Esses argumentos falham em dois pontos fundamentais: Primeiro, deixa de lado o fato óbvio de que a crise do “socialismo real” se deveu, em grande parte, exatamente a sua incapacidade de incorporar e utilizar às novas ferramentas tecnológicas
Em segundo lugar, não leva em conta que a progressiva “docilidade” da classe trabalhadora, e dos seus sindicatos, diante do capital, se deve ao medo à “exclusão” do mercado de trabalho, e não a improváveis intervenções arbitrárias de Estados totalitários, a serviço da burguesia.
Voltamos a insistir que existe uma diferença fundamental entre a exploração do trabalhador e a sua exclusão. No primeiro caso, o capital só pode realizar seu propósito de reprodução e acumulação por meio de uma classe de pessoas dispostas a vender a sua força de trabalho. No segundo caso, o capital se torna independente dessa força de trabalho.
O fato de que os computadores e robôs nada mais fazerem do que reproduzir o “saber do operário”, não muda o fato de que uma vez que esse saber é “apropriado”, o trabalhador se torna, no mínimo, redundante. O processo de produção pode funcionar com um número mínimo de pessoas, as quais, aos poucos, vão deixando de se ver a si mesmas como “proletários”.
Portanto, é no mínimo muito otimista a conclusão de Antunes, baseada na simples constatação de que uma fábrica de robôs precisa de trabalhadores humanos:
“Tudo isso nos permite concluir que nem o operariado desaparecerá tão rapidamente e, o que é fundamental, não é possível perspectivar, nem mesmo num universo distante, nenhuma possibilidade de eliminação da classe-que-vive-do-trabalho”.(3)
A tendência dos funcionários “sobreviventes” aos processos de “reengenharia”, é de se identificar com a empresa, seus projetos, suas metas e seus desafios. Seus sindicatos passam a uma postura de “diálogo” e “parceria”. Em outras palavras, tornam-se “sócios menores” da empresa.
A massa de excluídos por sua vez, lança-se em uma luta desesperada pela sobrevivência. Tornando-se “terceirizados”, temporários, autônomos, microempresários, “por conta própria”, os trabalhadores não desenvolvem nenhum vinculo uns com os outros. Vêm-se muito mais como concorrentes “burgueses” em um mercado altamente competitivo.
É nesse aspecto que se pode falar em decadência de classe trabalhadora. Mesmo que o trabalho em si não seja substituído integralmente pela tecnologia, o fato é que, o modo de vida assalariado, ou da “classe-que-vive-do-trabalho” está condenado a perder completamente seu papel “central”, dentro do modo de produção capitalista.
Dentro do novo paradigma informacional, importa cada vez menos o “fazer” do que o “saber fazer”. Do ponto de vista prático, o capital depende cada vez menos de pessoas que façam algum trabalho. Ele só precisa de pessoas que digam as máquinas o que fazer.
Nesse caso, temos de levar em conta que o modo de vida assalariado se baseia 90% no “fazer” e 10% no “saber fazer”. Mesmo para as profissões liberais como a de médico, engenheiro, economista ou advogado, existe uma elevada taxa de trabalho de rotina.
É por isso que se nota uma crescente “desvalorização” mesmo dessas profissões. Nunca a medicina foi tão sofisticada, mas os médicos começam a freqüentar as filas de desempregados. A engenharia e as finanças são uma marca registrada de nossa era, mas os engenheiros e economistas já inflacionam o mercado “informal”. Advogados, assistentes sociais, psicólogos e professores, há muito tempo já exercem funções subalternas.
Em todos esses casos, não existe nenhuma exploração do trabalhador. O que existe é a sua exclusão sumária do mercado de trabalho. Isso ocorre exatamente porque a tecnologia é que passou a ocupar o papel central no sistema de produção capitalista.
O fator tecnológico é o único capaz de explicar a realidade contemporânea. Vivemos numa época de franca expansão das liberdades democráticas pelo mundo afora. Partidos socialistas venceram eleições e se tornaram governos, tanto em países avançados como em nações em desenvolvimento.
Nunca houve tanta liberdade para as organizações sindicais. Mesmo movimentos populares de legalidade duvidosa, operam de forma totalmente desembaraçada. Então o que explica o enfraquecimento sistemático das classes trabalhadoras?
Por que o desemprego estrutural se alastra, mesmo em economias em desenvolvimento? Por que a renda dos trabalhadores assalariados está em franco declínio? Por que esses problemas afetam brutalmente as classes trabalhadoras dos EUA e Europa, visto que seriam nações “imperialistas”?
Aos cultores da economia de mercado e da “mão invisível” que solucionará todos os problemas, vale lembrar que as novas tecnologias não representam uma “terceira revolução” industrial. Isso porque, seu impacto se espalha para o comércio e o setor de serviços, e seu objetivo fundamental não é a criação de novos produtos e nem a produção em massa.
O “toyotismo”, ao contrário das propostas “fordistas”, se apóia em um conjunto de técnicas gerencias, tornadas possíveis pela própria tecnologia informacional e de telecomunicações, com o objetivo de produzir em pequenas quantidades, ao menor custo possível.
Em outras palavras, as estratégias “toyotistas” não são voltadas para a expansão de mercados e sim para a redução de custos. Nesse caso, a mão-de-obra “liberada” pela automação e pela reestruturação produtiva, não encontra “naturalmente” um uso para sua força de trabalho.
Isso pode significar uma barreira formidável ao próprio crescimento da economia capitalista. Se o trabalhador assalariado pode ser substituído enquanto “centro” da atividade produtiva, não o pode ser como consumidor.
Mesmo as grandes redes varejistas como o Wal-Mart já puderam sentir retração em suas vendas, justamente nos mercados dos países mais desenvolvidos, onde a reestruturação capitalista está mais adiantada.
Para os defensores da economia de mercado, vale lembrar que um trabalhador “excluído” é muito diferente de um “desempregado” tradicional. Uma massa de excluídos não pode simplesmente aceitar “ganhar menos” do que um robô, por exemplo.
Suas opções serão no sentido de aderir a “economia do crime”, em franca expansão, ou a formas violentas de contestação da “globalização”. A segunda opção, incluindo-se o terrorismo, já se faz anunciar de forma aterradora.
Notas:
(1) ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez Editora, 10 º Edição, 2005, pág. 10-11.
(2) Idem, pág. 10.
(3) Idem, pág. 62.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
Em nossos textos sobre a crise da classe trabalhadora, vimos insistindo na tese de que o fator preponderante a ser considerado é o novo paradigma tecnológico e não necessariamente aspectos políticos e/ou ideológicos.
Vimos que a inexorável decadência da classe trabalhadora se dá devido à tendência das novas formas de produção de gerar muito mais exclusão do que exploração. O problema é que a diferença entre esses dois termos, aos poucos, começa a se diluir no calor dos debates ideológicos.
Isso decorre por distorções introduzidas tanto pelas concepções da esquerda tradicional quanto pelos defensores do livre mercado. Na verdade, o eixo da discussão está na questão da “centralidade” do trabalho no modo de produção capitalista.
Para a esquerda tradicional é fundamental o argumento de que a produção jamais poderá prescindir do trabalho humano. Para as teses marxistas, não existe uma saída para o problema da existência de um novo “proletariado de silício”.
Esses teóricos de esquerda ficam indignados com a tese, já defendida por André Gorz, em 1980, em sua obra “Adeus ao Proletariado”. Já por aqueles anos, a significativa eliminação dos empregos industriais nos países avançados, fruto da automação baseada na microeletrônica, prenunciava o que viríamos conhecer como “O Colapso da Modernidade”, definida na obra homônima de Robert Kurz.
Surgiram várias obras em “resposta” ao problema. Citaremos apenas “Adeus ao Trabalho?” de Ricardo Antunes, por considera-la bastante sintética dos argumentos em questão. Basicamente o autor defende que a exploração do trabalhador é fundamental na “composição orgânica do capital”. Em suas palavras:
“Mas, exatamente porque o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores, ele deve aumentar a utilização e a produtividade do trabalho de modo que intensifique as formas de extração da mais-valia em tempo cada vez mais reduzido”. (1)
Antunes deixa claro que sua preocupação principal é contestar “outras teses que procuram invalidar a centralidade do trabalho”, em especial, a tese que “propugna a substituição do valor-trabalho pela ciência, ou ainda pela vigência de uma lógica [social] intersubjetiva e interativa, informacional, que se colocaria em posição analítica de superioridade diante da formulação [marxista] da centralidade do trabalho e da teoria do valor”. (2)
Em outras palavras, a prova da manutenção da “centralidade do trabalho” seria a passagem do sistema “fordista” para o “toyotista” em que a exploração da mão-de-obra se torna claramente intensificada. A precarização das condições de trabalho, via terceirização, trabalho temporário, trabalho informal, etc, seriam apenas novas formas de “exploração” do trabalhador.
Todas essas catástrofes seriam fruto da crise provocada pelo fracasso do “neostalinismo” no leste europeu. Em resumo, a decadência da classe trabalhadora resultaria de fatores geopolíticos. O novo paradigma tecnológico seria apenas um fator secundário dentro da “nova lógica neoliberal”.
Esses argumentos falham em dois pontos fundamentais: Primeiro, deixa de lado o fato óbvio de que a crise do “socialismo real” se deveu, em grande parte, exatamente a sua incapacidade de incorporar e utilizar às novas ferramentas tecnológicas
Em segundo lugar, não leva em conta que a progressiva “docilidade” da classe trabalhadora, e dos seus sindicatos, diante do capital, se deve ao medo à “exclusão” do mercado de trabalho, e não a improváveis intervenções arbitrárias de Estados totalitários, a serviço da burguesia.
Voltamos a insistir que existe uma diferença fundamental entre a exploração do trabalhador e a sua exclusão. No primeiro caso, o capital só pode realizar seu propósito de reprodução e acumulação por meio de uma classe de pessoas dispostas a vender a sua força de trabalho. No segundo caso, o capital se torna independente dessa força de trabalho.
O fato de que os computadores e robôs nada mais fazerem do que reproduzir o “saber do operário”, não muda o fato de que uma vez que esse saber é “apropriado”, o trabalhador se torna, no mínimo, redundante. O processo de produção pode funcionar com um número mínimo de pessoas, as quais, aos poucos, vão deixando de se ver a si mesmas como “proletários”.
Portanto, é no mínimo muito otimista a conclusão de Antunes, baseada na simples constatação de que uma fábrica de robôs precisa de trabalhadores humanos:
“Tudo isso nos permite concluir que nem o operariado desaparecerá tão rapidamente e, o que é fundamental, não é possível perspectivar, nem mesmo num universo distante, nenhuma possibilidade de eliminação da classe-que-vive-do-trabalho”.(3)
A tendência dos funcionários “sobreviventes” aos processos de “reengenharia”, é de se identificar com a empresa, seus projetos, suas metas e seus desafios. Seus sindicatos passam a uma postura de “diálogo” e “parceria”. Em outras palavras, tornam-se “sócios menores” da empresa.
A massa de excluídos por sua vez, lança-se em uma luta desesperada pela sobrevivência. Tornando-se “terceirizados”, temporários, autônomos, microempresários, “por conta própria”, os trabalhadores não desenvolvem nenhum vinculo uns com os outros. Vêm-se muito mais como concorrentes “burgueses” em um mercado altamente competitivo.
É nesse aspecto que se pode falar em decadência de classe trabalhadora. Mesmo que o trabalho em si não seja substituído integralmente pela tecnologia, o fato é que, o modo de vida assalariado, ou da “classe-que-vive-do-trabalho” está condenado a perder completamente seu papel “central”, dentro do modo de produção capitalista.
Dentro do novo paradigma informacional, importa cada vez menos o “fazer” do que o “saber fazer”. Do ponto de vista prático, o capital depende cada vez menos de pessoas que façam algum trabalho. Ele só precisa de pessoas que digam as máquinas o que fazer.
Nesse caso, temos de levar em conta que o modo de vida assalariado se baseia 90% no “fazer” e 10% no “saber fazer”. Mesmo para as profissões liberais como a de médico, engenheiro, economista ou advogado, existe uma elevada taxa de trabalho de rotina.
É por isso que se nota uma crescente “desvalorização” mesmo dessas profissões. Nunca a medicina foi tão sofisticada, mas os médicos começam a freqüentar as filas de desempregados. A engenharia e as finanças são uma marca registrada de nossa era, mas os engenheiros e economistas já inflacionam o mercado “informal”. Advogados, assistentes sociais, psicólogos e professores, há muito tempo já exercem funções subalternas.
Em todos esses casos, não existe nenhuma exploração do trabalhador. O que existe é a sua exclusão sumária do mercado de trabalho. Isso ocorre exatamente porque a tecnologia é que passou a ocupar o papel central no sistema de produção capitalista.
O fator tecnológico é o único capaz de explicar a realidade contemporânea. Vivemos numa época de franca expansão das liberdades democráticas pelo mundo afora. Partidos socialistas venceram eleições e se tornaram governos, tanto em países avançados como em nações em desenvolvimento.
Nunca houve tanta liberdade para as organizações sindicais. Mesmo movimentos populares de legalidade duvidosa, operam de forma totalmente desembaraçada. Então o que explica o enfraquecimento sistemático das classes trabalhadoras?
Por que o desemprego estrutural se alastra, mesmo em economias em desenvolvimento? Por que a renda dos trabalhadores assalariados está em franco declínio? Por que esses problemas afetam brutalmente as classes trabalhadoras dos EUA e Europa, visto que seriam nações “imperialistas”?
Aos cultores da economia de mercado e da “mão invisível” que solucionará todos os problemas, vale lembrar que as novas tecnologias não representam uma “terceira revolução” industrial. Isso porque, seu impacto se espalha para o comércio e o setor de serviços, e seu objetivo fundamental não é a criação de novos produtos e nem a produção em massa.
O “toyotismo”, ao contrário das propostas “fordistas”, se apóia em um conjunto de técnicas gerencias, tornadas possíveis pela própria tecnologia informacional e de telecomunicações, com o objetivo de produzir em pequenas quantidades, ao menor custo possível.
Em outras palavras, as estratégias “toyotistas” não são voltadas para a expansão de mercados e sim para a redução de custos. Nesse caso, a mão-de-obra “liberada” pela automação e pela reestruturação produtiva, não encontra “naturalmente” um uso para sua força de trabalho.
Isso pode significar uma barreira formidável ao próprio crescimento da economia capitalista. Se o trabalhador assalariado pode ser substituído enquanto “centro” da atividade produtiva, não o pode ser como consumidor.
Mesmo as grandes redes varejistas como o Wal-Mart já puderam sentir retração em suas vendas, justamente nos mercados dos países mais desenvolvidos, onde a reestruturação capitalista está mais adiantada.
Para os defensores da economia de mercado, vale lembrar que um trabalhador “excluído” é muito diferente de um “desempregado” tradicional. Uma massa de excluídos não pode simplesmente aceitar “ganhar menos” do que um robô, por exemplo.
Suas opções serão no sentido de aderir a “economia do crime”, em franca expansão, ou a formas violentas de contestação da “globalização”. A segunda opção, incluindo-se o terrorismo, já se faz anunciar de forma aterradora.
Notas:
(1) ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez Editora, 10 º Edição, 2005, pág. 10-11.
(2) Idem, pág. 10.
(3) Idem, pág. 62.
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