segunda-feira, janeiro 15, 2007

Uma voz da escuridão de Guantánamo

Um dos actuais detidos fala da tortura e da humilhação a que foi sujeito em Guantánamo desde 2002


Base Naval de Guantánamo, Cuba – Estou a escrever da escuridão do campo de detenção dos EUA em Guantánamo na esperança de que possa fazer ouvir as nossas vozes no mundo. A minha mão treme enquanto seguro a caneta.

Em Janeiro de 2002, fui sequestrado no Paquistão, vendaram-me os olhos, algemado, drogado e colocado num avião com destino a Cuba. Quando saímos do avião em Guantánamo, não sabíamos onde estávamos. Levaram­‑nos para o Campo Raio-X e trancaram-nos em jaulas com dois baldes – um vazio e outro cheio de água, um para urinar, o outro para nos lavarmos.

Em Guantánamo, soldados agrediram-me, colocaram-me na solitária, ameaçaram-me de morte, ameaçaram matar a minha filha e disseram-me que iria passar o resto da minha vida em Cuba. Privaram-me de dormir, forçaram­‑me a ouvir música extremamente alta e dirigiram luzes intensas à minha cara. Fecharam-me em salas geladas durante horas sem comida, bebida, sem a possibilidade de ir à casa de banho ou de me lavar para as orações. Enrolaram-me na bandeira israelita e disseram-me que existe uma guerra santa entre a Cruz e a Estrela de David por um lado e o Crescente por outro. Espancaram-me até perder os sentidos.

O que aqui escrevo não são fantasias da minha imaginação, nem o que a minha insanidade dita. São factos testemunhados por outros detidos, representantes da Cruz Vermelha, interrogadores e tradutores.

Durante os meus primeiros anos em Guantánamo, fui interrogado diversas vezes. Os meus interrogadores disseram­‑me que queriam que eu admitisse a minha pertença à Al Qaeda e o meu envolvimento em ataques terroristas aos Estados Unidos. Eu disse-lhes que não tinha qualquer relação com o que eles descreviam. Não sou membro da Al Qaeda. Não encorajei ninguém a lutar pela Al Qaeda. A Al Qaeda e o Bin Laden não fizeram mais que matar e denegrir a religião. Nunca combati, e nunca usei uma arma. Gosto dos Estados Unidos e não sou um inimigo. Vivi nos EUA, e quis tornar-me cidadão.

Sei que os soldados que me fizeram mal se representam a si próprios, não os EUA. E tenho que dizer que nem todos os soldados americanos estacionados em Cuba nos torturam ou maltratam. Existiram soldados que nos trataram humanamente. Alguns até choraram quando testemunharam as nossas condições. Uma vez, no campo Delta, um soldado pediu-me desculpa e ofereceu-me um chocolate quente e bolachas. Quando lhe agradeci, disse-me: «Não preciso que me agradeças». Incluo isto porque não quero que os leitores pensem que eu acuso todos os americanos.

Mas porque é que, passados cinco anos, não existe um fim para a situação em Guantánamo? Durante quanto tempo mais irão pais, mães, esposas, irmãos e filhos chorar pelos seus entes queridos detidos? Durante quanto tempo terá a minha filha de perguntar pelo meu regresso? As respostas só poderão ser encontradas pelas pessoas de mente justa na América.

Eu prefiro morrer a ficar aqui para sempre, e já tentei suicidar-se diversas vezes. O propósito de Guantánamo é destruir pessoas, e eu fui destruído. Não tenho esperança porque as nossas vozes não são ouvidas das profundezas do centro de detenção.

Se eu morrer, por favor lembrem-se que existiu um ser humano chamado Jumah em Guantánamo, cujas crenças, dignidade e humanidade foram abusadas. Por favor lembrem-se que existem centenas de detidos em Guantánamo que sofrem a mesma má sorte. Não foram acusados de quaisquer crimes. Não foram acusados de cometer qualquer acção contra os Estados Unidos.

Mostrem ao mundo as cartas que vos entrego. Deixem o mundo lê-las. Deixem o mundo saber a agonia dos detidos em Cuba.

Jumah al Dossari é um cidadão do Bahrein de 33 anos de idade. Este artigo foi extraído de cartas que ele escreveu aos seus advogados. Os seus conteúdos não foram considerados classificados pelo Departamento de Defesa.
Jumah al­‑Dossari
Los Angeles Times
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo211.htm

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