domingo, fevereiro 11, 2007

As crianças escolhem os seus presentes de Natal

Ahmed Ghazi tem poucas razões para armazenar brinquedos de Natal na sua loja em Faluja. Ele sabe o que as crianças querem hoje em dia.

«É melhor importarmos brinquedos como armas e tanques porque no Iraque são mais vendidos aos rapazes», contou Ghazi à IPS. «As crianças tentam imitar o que vêem das suas janelas».

E há também, disse, importações especiais para as raparigas. «As raparigas preferem bonecas que choram a outras que dançam, cantam canções ou tocam música».

Enquanto as crianças nos Estados Unidos e em todo o mundo celebram o Natal, e se preparam para celebrar o Ano Novo, as crianças no Iraque vivem num mundo bem diferente, com brinquedos a condizer.

O investigador social Nuha Khalil, do Instituto Iraquiano para o Desenvolvimento da Criança em Bagdade, declarou à IPS que as meninas estão agora a expressar a sua tristeza reprimida, frequentemente representando o papel de uma mãe que cuida da sua filha pequena.

«Olhando em volta, elas vêem apenas ajuntamentos de mulheres de luto que perderam os seus entes queridos», disse Khalil. «A nossa tarefa de dar conforto a estas meninas e remediar os danos dentro delas é quase impossível».

Centenas de milhares de crianças enfrentaram alguma espécie de trauma. E, para outras, a falta de uma vida normal é já um trauma suficiente.

A falta de entretenimento, por si só, está a tornar-se um problema sério. Há apenas 10 cinemas em Bagdade, e dois parques públicos dilapidados. Estes já não são seguros para as crianças.

As crianças não saem muito para brincar, e também já não se sentem seguras em casa. As Nações Unidas estimam que mais de 100.000 iraquianos fogem do país todos os meses. O número de iraquianos a viver noutros países árabes é agora superior a 1 milhão e 800 mil. Há, além disso, mais de 1 milhão e 600 mil pessoas deslocadas no interior do Iraque.

A organização Refugees International afirma que o número crescente de pessoas a fugir do Iraque significa que esta crise de refugiados pode, em breve, ultrapassar a de Darfur. E as crianças sofrem mais por partir, e sofrem mais nos locais para onde vão.

«Crianças sem lar têm tendência a ser rudes, e isoladas da sua nova vizinhança e dos novos colegas da escola», disse Hayam al-Ukaili, uma directora de escola primária em Faluja. «Não se integram no seu novo ambiente como deveriam. É como se sentissem que lhes é imposto, e simplesmente rejeitam-no».

Professores e assistentes sociais afirmam que as crianças começaram a nutrir um forte ódio aos Estados Unidos. Os Estados Unidos já não são a imagem de uma boa vida.

«As crianças perderam a esperança nos Estados Unidos e no governo iraquiano depois de a situação ter piorado de dia para dia», afirmou à IPS Abdul Wahid Nathum, investigador de uma ONG iraquiana que presta apoio a crianças em Bagdade (ele não quis que a organização fosse nomeada).

«A sua compreensão dos acontecimentos em curso é incrível», disse. «É provavelmente porque os membros mais velhos da família continuam a falar de política e a ver as notícias. Ao falar-se com uma criança de 12 anos, fica-se surpreendido pela quantidade enorme de notícias terríveis que ela tem na cabeça, o que não é correcto».

«As crianças são as mais afectadas pelos acontecimentos trágicos», declarou à IPS o Dr. Khali al-Kubaissi, um psicoterapeuta em Faluja. «As suas frágeis personalidades não conseguem enfrentar a perda de um pai, de uma mãe ou da casa de família, com todo o horror que as rodeia. O resultado é catastrófico, e as crianças iraquianas estão em perigo sério de cair na solidão ou na violência».

As dificuldades das crianças tornaram-se particularmente notórias este ano. «As únicas coisas que têm nas mentes são armas, balas, morte e medo da ocupação estadunidense», contou aos repórteres Maruan Abdullah, porta-voz da Associação de Psicólogos do Iraque, aquando da apresentação de um estudo, em Fevereiro deste ano.

O relatório advertiu que «as crianças no Iraque estão a sofrer sérios danos do ponto de vista psicológico com toda a insegurança, especialmente com o medo de rapto e das explosões».

A API inquiriu mais de 1.000 crianças por todo o Iraque, num período superior a quatro meses, e verificou que «92% das crianças examinadas tinham problemas de aprendizagem, largamente atribuídos ao clima de medo e insegurança em que vivem».

Com quase metade da população do Iraque abaixo dos 18 anos, tanto maior é o impacto devastador da violenta e caótica ocupação. Três guerras desde 1980, uma crise de refugiados de proporções impressionantes, a perda de familiares, ataques suicidas, carros bomba e a constante ameaça de rusgas das casas pelos soldados ocupantes ou pelos esquadrões da morte significaram que os jovens iraquianos estão destroçados, tanto do ponto de vista físico como mental.

Nos princípios de Abril de 2003, o Fundo das Nações Unidas para as Crianças estimou que meio milhão de crianças iraquianas tinham ficado traumatizadas pela invasão levada a cabo pelos EUA. A situação tem piorado drasticamente desde então.

Um relatório publicado no início do ano pelo Ministério da Educação do Iraque constatou que foram mortas 64 crianças e 57 ficaram feridas em 417 ataques a escolas, só num período de quatro meses. Ao todo foram raptadas 47 crianças no seu caminho de ou para a escola, durante o mesmo período.
Dahr Jamail; Ali al Fadhily
Dahr Jamail's MidEast Dispatches
http://www.infoalternativa.org/autores/jamail/jamail020.htm

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