sábado, fevereiro 17, 2007

Ciência, direito, e criacionismo

O Jónatas Machado (JM) tem contribuído neste blog com a sua perspectiva criacionista, indispensável para compreendermos o conflito entre evolução e criacionismo. Uma das fontes de conflito é a ideia do criacionismo como verdade necessária, em oposição à ciência, que é contingente e provisória. Citando JM:

«Para o ser humano, enquanto ser moral, racional e cultural, o mais importante é construir a sua casa sobre a rocha da Verdade, infalível e definitiva, do que sobre a areia da especulação humana, pseudo-científica, falível e provisória. Jesus disse: os Céus e a Terra passarão, mas as minhas palavras não hão-de passar.»

O criacionismo é uma hipótese como qualquer outra, que também depende da se adequar aos factos para ser verdade. Quando os criacionistas o propõem como «a rocha da Verdade, infalível e definitiva» o diálogo acaba, torna-se num monólogo a duas vozes.

Mas num comentário mais recente JM apresenta uma lista do que considera ser factos que levariam a rejeitar o criacionismo a favor de outra teoria (1). Isto é excelente. Assim estamos de acordo que não há uma «Verdade, infalível e definitiva» mas apenas «especulação humana». Sobram outras fontes de conflito, mas já é um passo na direcção certa.

JM considera que seria evidência a favor da evolução algo como erros nas Escrituras ou «inexistência de testemunhos credíveis dos milagres e da ressurreição de Jesus Cristo». Compreendo que para um jurista como JM certos fontes tenham uma autoridade especial. E penso não ser coincidência que o criacionismo moderno tenha sido fundado por um professor de direito, e que tantos dos seus defensores sejam juristas ou teólogos. Mas a autoridade é convencional e arbitrária, pois é o que decidirmos e concordarmos que seja. Como não podemos convencer os átomos ou as estrelas da autoridade de um livro ou autor, o que serve para ditar leis não serve para compreender o universo. A Bíblia e a mitologia Cristã podem ser uma fonte de inspiração para novas hipóteses, mas a sua alegada autoridade é irrelevante. Não se considerar os relatos bíblicos como evidência a favor do criacionismo.

Outro problema é confundir o modelo com o sistema modelado. «A inexistência das leis da conservação da energia» ou «a total inexistência de aparência de design na natureza» são questões dos modelos que geramos. As leis são generalizações do que observamos, e a aparência de design está na nossa interpretação. Mais uma vez, algo que faz sentido em direito, onde o modelo é auto-referente (leis que dizem o que é legal), não faz sentido num modelo que explica algum aspecto da natureza. As evidências para este têm que ser exteriores ao modelo. São as observações e não as leis, teorias, ou pressupostos.

Finalmente, JM exige «capacidade científica para saber exactamente o que se passou no passado distante» ou «completa inexistência de fósseis polistráticos». Isto é razoável para decidir se é culpado ou inocente, se o pedido é deferido ou indeferido. Mas não estamos num tribunal, nem estamos a lidar com «a rocha da Verdade, infalível e definitiva». Estamos a procurar a melhor explicação para o que observamos, e o procedimento correcto é comparar as alternativas. Não é a explicação perfeita. Não é a explicação final, definitiva, ou infalível. Simplesmente a melhor até agora.

O criacionismo já foi a melhor, em tempos idos. Mas foi substituído, e a teoria que o substituiu foi por sua vez remodelada, alterada, aperfeiçoada, e ainda está a sê-lo. A moderna teoria da evolução é muito melhor que qualquer alternativa que surgiu até hoje. Terá certamente melhorias no futuro, mas não parece que volte a ser substituída pelo criacionismo.

1- A lista está neste comentário.
Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/

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