«Pensariam os mais ingénuos que estava encerrada a novela aborto com o resultado do referendo do passado dia 11 de Fevereiro, que não deixou margens para dúvidas sobre a posição da sociedade nacional em relação a este tema pseudo-fracturante.
Na realidade, o tema só é fracturante para aqueles que insistem em remeter Portugal para um passado marialva em que imperavam os três efes, Fátima, futebol e fado.
Para esses de facto o tema é fracturante, não de per se mas porque é um símbolo da fractura do paradigma mariano de menorização da mulher, paradigma que não reconhece direitos ao sexo «fraco» apenas deveres. Para esses misóginos, conceder liberdade de consciência às fúteis e ocas mulheres é uma «loucura e erro» que tentam evitar por todos os meios que se efective.
Assim, uma das primeiras «obras» do Opus Dei e paladino pró-penalização Bagão Félix na pasta do Trabalho e Segurança Social foi alterar o nº1 do artº 10 da Lei 4/84, a lei de protecção da maternidade e paternidade que vigorou até 1 de Dezembro de 2003. Desde então, pela mão do piedoso católico, uma mulher que sofra mazelas em virtude de um aborto clandestino e seja hospitalizada 5 dias é despedida com justa causa, portanto sem direito a qualquer indemnização!
O artº 50 do Código do Trabalho, sobre o «Regime das licenças, faltas e dispensas» diz explicitamente que «fica excluído o chamado aborto clandestino, cujas faltas por ele causado determinam a perda de direitos para as mulheres trabalhadoras».
O mesmo paladino da moral e bons costumes que reduziu o valor da licença de maternidade e eliminou a universalidade do abono de família...
É assim vísivel para todos o menosprezo pela mulher evidenciado pelos pró-penalização, que ulularam durante a campanha não querer ver mulheres na prisão pela prática de aborto mas carpiam serem as mulheres umas inconscientes acéfalas que abortariam por dá cá aquela palha se o aborto fosse despenalizado.
Asseverando ser a criminalização do aborto – que apenas o remeteria para a clandestinidade de vãos de escada e hemorragias de Citotec, todos os organismos internacionais confirmam que a criminalização do aborto não é impedimento para que este seja efectuado – a única forma de proteger de si próprias estas criaturas fracas das ideias, amorais e sem vontade própria.
Com o SIM vencedor por larga margem, os fundamentalistas do NÃO preparam-se agora para tentar boicotar o referendo impondo na secretaria o que não conseguiram nas urnas. Isto é, pretendem pôr tantos obstáculos à realização da IVG que na prática fique tudo como antes! Para isso, aqueles que antes vociferavam não querer ver o dinheiro dos seus impostos a financiar abortos, exigem agora que a futura lei remeta a IVG em exclusivo para o SNS, pretendendo que seja proibida em clínicas privadas. Serviço Nacional de Saúde onde «exigem» que a opção da mulher seja obrigatoriamente sancionada por uma comissão de aconselhamento!
Na prática pretendem tornar futura legislação sobre a IVG a «lei inútil» que a Igreja Católica e suas sucursais leigas exigem.
A Federação Portuguesa pela Vida, uma sucursal da Igreja de Roma, apressou-se assim a exigir «aconselhamento e acompanhamento» obrigatório às mulheres que pretendam abortar. Engonhando ad eternum, isto é, impedindo, a concretização da opção da mulher tal como aconteceu nos últimos 20 anos a muitas mulheres nas condições previstas no artigo 142º do Código Penal, de que é apenas um exemplo Maria Luísa Morgado Castela, a paraplégica de 41 anos que teve de ir interromper a Badajoz uma gravidez de alto risco detectada às 4 semanas!
O primeiro ministro já deu provas no Expresso desta semana que não embarca na conversa da treta de fundamentalistas sortidos e prometeu legislação consentânea com o resultado eleitoral dentro de um mês.
Mas o nosso PR já mandou recado à AR que estará vigilante em relação à legislação que despenalizará a IVG. Diz o nosso Presidente católico que a lei a ser criada deverá ser abrangente e consensual, não se percebendo como pretende seja consensual legislação sobre um tema que garante dividir profundamente a sociedade.
Aliás, não se percebe onde está a divisão profunda da sociedade se relembramos que apenas um milhão e meio de portugueses se dispuseram a declarar nas urnas contra a despenalização da IVG e cerca de dois milhões e setecentos mil portugueses votaram em outros candidatos a presidente.
Convém recordar ao nosso presidente «fracturante» que os portugueses estarão vigilantes em relação a golpes palacianos que contrariem o voto popular. E que não aceitaremos vetos presidenciais, político ou jurídico, à democracia.
O que quer que a dança das cadeiras no Tribunal Constitucional de Março próximo determine, seria desastroso para o credibilidade da democracia remeter ao TC uma alteração ao Código Penal aprovada em referendo, com uma pergunta aprovada duas vezes pelo próprio TC.».
Palmira F. da Silva
Luis Grave Rodrigues
http://www.rprecision.blogspot.com/
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