quinta-feira, fevereiro 01, 2007

A Forma ou a Substância?

Na sua crónica televisiva de ontem, Marcelo Rebelo de Sousa desenvolveu outra vez uma sua teoria sobre a acção da Ministra da Educação que já antes apresentou e que se baseia no seguinte: a Ministra tem boas ideias, o problema é como as apresenta e tenta executá-las, normalmente de modo desajeitado.
Ou seja, a forma está errada, mas a substância é boa. Apesar da admiração pelo professor, cujas crónicas já acompanho da era pré-televisiva sempre com atenção bem-humorada mesmo quando com elas não concordo (e nesse aspecto a rábula dos Gato Fedorento de ontem foi especialmente certeira), esta é daquelas tentativas de fazer a quadratura do círculo quando se tem apenas três linhas rectas para o fazer.
Porquê? Porque a substância é tão má quanto a forma. Ou melhor, é a má substância que torna difícil a quem pouco percebe do assunto ou quem tem uma natural falta de tacto e jeito para lidar com as pessoas conseguir arranjar uma forma minimamente razoável para embrulhá-la (à substância, claro).
Se com toda a máquina comunicacional ao serviço do ME a Ministra e os seus Secretários tropeçam medida sim, medida sim, na forma de a implementar, é talvez altura de reconsiderarmos qualquer ideia positiva sobre a qualidade da sustância.
Numa coisa MRS tem razão. Com o passar do tempo e a acumulação de medidas ad hoc, vai-se notando cada vez mais a falta de coerência e de um plano global para um conjunto desarticulado de medidas que, tirando o congelamento das progressões e o Estatuto ministerial que foram medidas ditadas exclusivamente por razões orçamentais, não passam de um ziguezaguear errático e uma sucessão de movimentos sem sentido aparente. Como se a mudança e o movimento, por si só, valessem algo.
Há casos emblemáticos da completa falta de verdadeira qualidade e nexo das medidas do ME, assim como outros que apenas revelam descuido e falta de atenção sistemática.
• A novela da TLEBS é paradigmático de um assunto sobre o qual ninguém na actual equipa ministerial faz uma mínima ideia sobre o que fazer, como e porquê. Sendo uma herança do passado, a tentação de largá-la deve ser muita, mas por outro lado teme-se a reacção do grupo de pressão que andou a prepará-la e não quer perder a face. Perante o debate na arena pública o ME entrou numa estratégia de damage control diário, sem uma verdadeira política acerca do ensino da Língua Portuguesa. De forma mais localizada, algo semelhante se foi passando entre Outubro e Dezembro do ano passado com o pagamento dos orientadores de estágio: um dia er para não pagar, no outro até se queria receber de volta o que já tinha sido pago, no terceiro voltava-se a pagar e ao descair para o fim de semana pagava-se, mas era à custa das Universidades. Mas temos ainda o caso dos portáteis prometidos em cerimónia gongórica, mas que depois afinal parece que já não eram para ser mas depois já são, as empresas é que se tinham enganado nas entregas. Sim, pois, está bem, somos todos uns enormes palermas e acreditamos no coelhinho da Páscoa a colocar ovinhos no cesto qual galinha desgovernada.
• Outro assunto em que se nota a impreparação da actual equipa, ou talvez antes a sua permeabilidade a certos grupos de pressão que rodeiam um dos seus elementos, relaciona-se com as condições de acesso à docência e com a recuperação de uma das noções mais ultrapassadas dos anos 80-90 que foi a da monodocência coadjuvada, que foi vingando no 1º ciclo e agora se pretende espalhar ao 2º ciclo. Aqui não é propriamente uma questão de desconhecimento total, mas apenas uma medida com uma origem claramente definida que vai ao arrepio de tudo o que o ME afirma quanto à necessidade de elevar os padrões de qualidade do nosso sistema educativo. Não vale a pena tapar o sol com a peneira - que é como quem diz, atirar as “culpas” da ideia para as crianças e jovens e o seu eventual interesse - o que está em causa é um processo de desqualificação da classe docente, ocultando com a inflacção dos graus académicos o esvaziamento da sua formação específica e a obtenção de um saber próprio. Tudo para satisfazer o grupo de pressão das ESE’s que sente o chão a fugir-lhe em matéria de alunos, depois de uma dúzia de anos de relativo descanso.
• Quanto ao desleixo do ME em questões que estão longe de ser menores, temos o famigerado caso do inquérito do IDT, onde várias questões - independentemente da idade dos alunos - eram verdadeiros atentados à privacidade familiar, sem prévia autorização. A verdade é que aquilo foi autorizado em piloto automático a circular nas Escolas sem sequer ser verificado que questionário era. Quando se verifica a asneira, lá se decide que afinal estava tudo mal, muito mal. Mas já foi tarde, demasiado tarde. O estranho é que o ME tem revelado um afã e um cuidado muito particulares em monitorizar todos os mais infímos aspectos da vida das escolas, procedendo a regulares pedidos de informação rápiuda para consumo dos serviços.
• Ainda no âmbito do descuido flagrante temos a completa ausência de explicações às escolas e respectivos docentes sobre a forma como irão decorrer as provas de aferição de Língua Portuguesa e Matemática, pois estamos às portas de Fevereiro, em pleno 2º período, e ninguém sabe como se vai governar. No caso que me toca, o da Língua Portuguesa, o problema cruza-se com o da TLEBS e estou particularmente curioso para saber como será que está a decorrer a formação dos supervisores da correcção das provas se ainda ninguém sabe com que nomenclatura nos vamos governar. Não esqueçamos que se para os exames de 9º ano já existem há algumas emanas instruções mínimas, para as provas de aferição estamos todos no nevoeiro absoluto.
E a lista poderia continuar de forma bem mais alongada. E nem sequer entrei pela completa falta de decoro do chamado Prémio do Professor do Ano, neste momento o objecto de maior chacota em muitas salas de professores.
Portanto, o problema não é de forma, ou de falta de tacto, ou de deficiente comunicação. Os erros são mesmo ao nível do conteúdo das medidas e da falta de uma qualquer linha de rumo que ultrapasse a simples poupança de tostões para equilibrar o orçamento.
Se juntarmos o congelamento das progressões e o sistema de quotas para acesso aos escalões melhor pagos da carreira temos uma ideia evidente que foi cumprida à risca. Mas nada nela se relaciona com a melhoria da Educação. Tudo o resto são tiros para o ar, com a vaga esperança de algum acertar em algo, não se sabendo sequer exactamente em quê.
Problemas de forma? Era bom que assim fosse!
http://educar.wordpress.com/

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