Santiago Pedraz é um nome que, a partir de agora, os jornalistas de todo o mundo deverão recordar. É o de um juiz espanhol que teve a coragem de lançar, no passado dia 16 de Janeiro, um mandato de detenção internacional contra três militares estadunidenses – Thomas Gibson, Philip Wolford e Philip De Camp – que a 8 de Abril de 2003 mataram em Bagdade com um disparo de tanque o camarógrafo galego José Couso que se encontrava, juntamente com dezenas de correspondentes estrangeiros, no hotel Palestina cobrindo a ocupação da capital iraquiana pelas forças norte-americanas.
A admirável família de Couso não cessou de reclamar justiça. Após constatar que os factos não eram investigados nem no Iraque nem nos Estados Unidos, e que até organizações como Repórteres sem Fronteiras aceitavam a morte de José Couso como “consequência normal de uma guerra”, os familiares do câmara morto apresentaram uma queixa perante a Audiência Nacional, que decidiu arquivar o caso. Sem perder o alento, a família recorreu então para o Tribunal Supremo. Este acabou por lhe dar razão, e deliberou que a Audiência Nacional é competente para investigar os factos.
O Supremo fundamentou a sua decisão numa sentença ditada em Outubro de 2005 pelo Tribunal Constitucional, que declarou que a Justiça espanhola tem competência para investigar crimes contra a humanidade, e que o princípio de jurisdição universal prevalece sobre a existência ou não de interesses nacionais.
Nesse âmbito, o juiz instrutor Santiago Pedraz lançou um mandato internacional de detenção e solicitou a colaboração das autoridades estadunidenses para recolher declarações dos três supostos assassinos. Mas o Departamento de Justiça dos Estados Unidos negou-se a prestar essa colaboração sob o pretexto de que o Comando Central do Exército norte-americano já investigou os factos e concluiu que o comportamento dos tanquistas tinha sido uma «resposta justificada e proporcionada» segundo as regras da guerra.
Insatisfeito com semelhante resposta, o magistrado Santiago Pedraz reclama a extradição dos acusados para que possam ser julgados em Espanha.
Não é a primeira vez que militares norte-americanos matam um jornalista espanhol. Já o fizeram, com maior insolência, se possível, em Dezembro de 1989, no âmbito de uma intervenção militar, também ilegal, não autorizada pela ONU, no Panamá. Com o propósito de derrocar o presidente Manuel Noriega, que, como Saddam Hussein, tinha sido longo tempo aliado de Washington, abateram o fotógrafo do El País, Juan Antonio Rodríguez.
Também nessa ocasião argumentaram que se tratava de uma “consequência normal da guerra”, quando sabemos que as ordens dos militares estadunidenses eram que não houvesse testemunhas não controladas, para assim poderem apresentar ao mundo uma versão asséptica e parcial de uma intervenção militar que causou vários milhares de mortos civis panamenhos.
Existem provas fidedignas de ataques directos contra órgãos de imprensa e jornalistas por parte das forças armadas estadunidenses. Por exemplo, em Novembro de 2001, aviões norte-americanos lançaram bombas de precisão contra os estúdios da Al Jazira em Cabul, reduzindo-os a escombros. E voltaram a fazê-lo em Abril de 2003 em Bagdade, provocando a morte do jornalista Tarik Ayyub.
No Iraque, desde o começo da guerra, a 20 de Março de 2003, morreram já 93 jornalistas e 37 assistentes (tradutores, condutores, guias). Vários profissionais da informação, além de José Couso, foram abatidos por militares norte-americanos. A agência Reuters, por exemplo, acusa o Pentágono de ser responsável pela morte de pelo menos três dos seus jornalistas. A guerra não deve ser um pretexto para silenciar a imprensa. Por isso a causa de José Couso é a de todos os jornalistas.
Ignacio Ramonet
http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=114314&cidade=1
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