A mentira e a manipulação são cada vez mais utilizados nos média como forma de condicionar a opinião pública, e de justificar e branquear as políticas do governo. Felizmente, ainda existem muitos jornalistas que pautam o que escrevem pelo rigor e pela objectividade, embora o contrário seja cada vez mais frequente. Neste artigo analisam-se dois casos na área económica, onde a mentira e a manipulação foram utilizadas.
O primeiro caso refere-se a um artigo publicado no caderno de economia do Diário de Notícias em 12.2.2007, onde Manuel Esteves escreveu que «dados também da Comissão Europeia mostram que em 2005 os salários em Portugal receberam 62,5% do produto interno bruto (PIB), o que corresponde ao valor mais elevado da zona euro». A verdade é que dados do Eurostat, que se encontram disponíveis na Internet, revelam que as remunerações em Portugal representavam apenas 47,4% do PIB em 2005. E são as “remunerações”, que incluem as contribuições patronais para a Segurança Social e para a CGA, e Manuel Esteves afirma que os 62,5% do PIB são “salários”, por isso não incluem as contribuições patronais. Se deduzirmos ao valor calculado pelo Eurostat – 47,4% do PIB – as contribuições patronais, para se obter o peso do salários no PIB, ter se á apenas cerca de 37,4% do PIB.
O segundo caso refere-se a dois artigos publicados por Daniel Amaral, um comentador de temas económicos que tem um espaço quinzenal reservado no Expresso, em 6.1.2007 e em 3.2.2007. Nesses artigos, manipulando dados, Daniel Amaral obtém para Portugal, para o ano de 2006, percentagens que variam entre 50,6% do PIB (artigo de 6.1.2007) e 51,4% do PIB (artigo de 3.2.2007). E embora existisse para Portugal o valor calculado pelo Eurostat disponível na Internet, Daniel Amaral utilizou nas comparações que depois estabeleceu com outros países da U.E., os valores do Eurostat para esses países , e para Portugal o que tinha calculado, pois este era mais elevado do que o obtido pelo Eurostat. E é com base nesta manipulação que tira a seguinte conclusão: «Não tenho dúvidas a este respeito: a política salarial nos últimos anos foi completamente suicida e a ela se deve, em grande parte, o elevado desemprego que hoje temos». E terminava dando este conselhos aos trabalhadores e sindicatos: «as actualizações salariais deste ano (2007) não deverão exceder os 2%», portanto menos que a inflação prevista pelo próprio governo. Desta forma procura-se dar também cobertura e justificar a política governamental de redução continuada de salários reais, e a de baixo salários para atrair o capital estrangeiro exposta pelo ministro da economia na China.
Uma segunda carta que enviamos ao Expresso, em que desmontávamos a manipulação continuada de Daniel Amaral, não foi publicada. Este semanário preferiu manter no engano os seus leitores. É essa carta não publicada que se junta no fim deste estudo.
A falta de objectividade a nível dos média, que leva muitos jornalistas a não cruzar fontes de informação diferentes e a não divulgar opiniões diferentes (o ex. mais recente é o “conselho” dado a Portugal pela OCDE para liberalizar ainda mais os despedimentos individuais, que foi transformado por muitos jornalistas em verdade absoluta, inquestionável e única e assim transmitido à opinião pública), assim como a tendência para fazer passar como suas ou como posição dos jornais em que trabalham as opiniões e informações de entidades interessadas em condicionar a opinião pública, bem como em ajustar o que publicam às posições do poder político e mesmo económico; tudo isto é cada vez mais frequente. Isto não significa que não existam jornalistas, e felizmente ainda existem muitos que resistem a “esta onda”, pautando a sua conduta pela objectividade e rigor.
Neste artigo vamos analisar apenas dois casos que são paradigmáticos, e ao mesmo tempo merecem uma reflexão atenta, porque utilizam a mentira e a manipulação para condicionar a opinião pública. E esses casos situam se na área da economia, que é aquela que dominamos. O primeiro, refere-se a um artigo publicado no dia 12 de Fevereiro de 2007, no Diário de Notícias-Economia, por Manuel Esteves, e o segundo caso diz respeito a duas peças de Daniel Amaral, um convidado da direcção do Expresso, que tem um espaço quinzenal reservado neste semanário para opinar sobre questões económicas, que foram publicadas, a primeira em 6.1.2007, e a segunda em 3.2.2007.
Na análise destes dois casos vamos apresentar os factos para que o próprio leitor possa tirar também as suas próprias conclusões.
MANUEL ESTEVES ESCREVEU QUE, SEGUNDO A COMISSÃO EUROPEIA, OS SALÁRIOS EM PORTUGAL REPRESENTAVAM 62,5% DO PIB, MAS O EUROSTAT DIZ QUE É APENAS 47,4%
Num artigo publicado em 12.2.2007, com o título “Ganhos de Produtividade favorecem lucros em detrimento dos salários”, Manuel Esteves, um jornalista do caderno de economia do DN, utilizando um estudo do FMI, escreveu que «os ganhos de produtividade obtidos nas principais economias têm vindo a reflectir se essencialmente nos lucros e cada vez menos nos salários». Como consequência, tem-se registado uma «redução da percentagem da riqueza destinada aos trabalhadores nos últimos anos em favor dos proprietários das empresas». E na parte final do artigo acrescenta um pequeno texto já mais da sua lavra com o título: “Portugal foge à tendência geral” em que diz o seguinte: «Acontece que esta tendência internacional não parece verificar se em Portugal. Dados também da Comissão Europeia mostram que em 2005 os salários em Portugal receberam 62,5% do produto interno bruto (PIB), o que corresponde ao valor mais elevado da zona euro. Entre os 25 países da U.E. apenas o Reino Unido apresenta valores superiores» (sic).
Confrontemos o que escreveu Manuel Esteves, jornalista da redacção de economia do Diário de Notícias, com dados recentes divulgados pelo Eurostat, que é o serviço oficial de estatística da União Europeia, dados esses que estão disponíveis no seu “site” do Eurostat , por isso qualquer leitor poderá aceder directamente a eles pela Internet.
Como o próprio leitor pode concluir, contrariamente ao que escreveu Manuel Esteves, não é verdade que «em 2005, os salários em Portugal receberam 62,5% do produto interno bruto (PIB)», nem é verdade que seja superior aos países da zona euro, nem é também verdade que, «entre os 25 países da U.E. apenas o Reino Unido apresenta valores superiores».
Efectivamente, em 2005, a percentagem para Portugal era apenas de 47,4% do PIB, sendo esta inferior à média da zona euro 48%), e existiam muitos mais países da UE25 do que o Reino Unido que apresentavam percentagens superiores à portuguesa. Só isso explica que a percentagem para Portugal nesses ano fosse 47,4% do PIB, e a percentagem média para a UE25, nesse mesmo ano, atingisse 49,2% do PIB.
E a mentira ainda se torna maior se se tiver presente que Manuel Esteves refere salários – portanto, os 62,5% não incluem as contribuições patronais para a Segurança Social –, mas a percentagem de 47,4% do PIB calculada pelo Eurostat para Portugal inclui as contribuições patronais para a Segurança Social. Se se retirar estas contribuições, o valor calculado pelo Eurostat para Portugal – 47,4% do PIB – reduz-se para apenas 37,4%, o que significa menos 25,1 pontos percentuais que a percentagem referida por Manuel Esteves. Em valor de salários, 25,1 pontos percentuais corresponde a mais 37.650 milhões de euros. É precisamente este valor que Manuel Esteves afirmou que os trabalhadores portugueses receberam mais em salários do que aquilo que efectivamente receberam.
É desta forma que se condiciona a opinião publica e que se justiça e branqueia a actual política do governo de redução continuada dos salários reais dos trabalhadores. Os fins parecem justificar os meios, ou seja, a utilização da mentira. Mesmo em 1975, que foi o ano em que reverteu para os trabalhadores uma maior parte do PIB, mesmo nesse ano a percentagem foi 59%. Era evidente para qualquer pessoa que dominasse minimamente esta matéria que os salários, em 2005, não podiam corresponder a 62,5% do PIB. Só não o foi para o jornalista especializado da área de economia do Diário de Notícias. Será que ele terá a humildade e a coragem de corrigir o erro no mesmo jornal e dando o mesmo relevo que deu à notícia anterior, não deixando os leitores no engano? Esperamos para ver qual é a linha editorial deste jornal diário em relação a casos como este. Será enganar os leitores e mantê-los depois no engano quando tal é detectado?
AS MANIPULAÇÕES DE DANIEL AMARAL NO SEMANÁRIO EXPRESSO
Em 6.1.2007, Daniel Amaral (DA) publicou no Expresso um artigo com o título “Salário Mínimo: Sim, mas” onde concluía o seguinte: «Não tenho duvidas a este respeito: a política salarial nos últimos anos foi completamente suicida e a ela se deve, em grande parte, o elevado desemprego que hoje temos». E terminava dando este conselho aos trabalhadores e sindicatos: «as actualizações salariais deste ano (2007) não deverão exceder os 2%», portanto menos que a inflação prevista pelo próprio governo. Desta forma dava, pelo menos objectivamente, a cobertura e a justificação para a política do governo de redução continuada de salários reais, e de baixo salários para atrair o capital estrangeiro exposta pelo ministro da economia na China.
Para poder tirar aquelas conclusões, DA manipulou também dados estatísticos, calculando também a “sua” percentagem do que os salários representam do PIB em Portugal, apesar de existir já um valor calculado pelo Eurostat que não lhe servia para a conclusão que pretendia tirar, já que era mais baixo do que aquele que obteve, e depois comparou a percentagem que obteve com dados calculados pelo Eurostat para outros países e assim chegou à conclusão que pretendia. Estes dados vão ser apresentados num quadro, com outros para Portugal também divulgados por ele num artigo seguinte, assim como os do Eurostat para facilitar que o leitor tire também as suas próprias conclusões.
Três semanas depois e após muita insistência, o Expresso publicou uma nossa carta ao director onde desmontávamos tecnicamente as manipulações de Daniel Amaral. Uma semana depois (3.2.2007), utilizando o espaço reservado que tem no Expresso, DA respondeu, e à falta de argumentos técnicos para rebater, enveredou pelo ataque pessoal. Mas não é esse ataque que pretendemos analisar aqui, mas sim os novos dados que apresentou, que confirmam a manipulação que utilizou para condicionar quem o leu.
Os dados levantam imediatamente uma primeira pergunta, que é a seguinte: Porque razão Daniel Amaral, nas comparações que faz entre Portugal e a União Europeia, não utilizou para o nosso País também os dados publicados pelo Eurostat, pois eles estão disponíveis na Internet? Se o leitor analisar os dados do quadro, a resposta é evidente: É que os dados do Eurostat não permitiriam a Daniel Amaral tirar a conclusão que tirou, pois esses dados até a contradizem. Por exemplo, em 2006, a percentagem que as remunerações representavam do PIB em Portugal era 47,4%, enquanto a média da UE25 atingia, nesse mesmo ano, 48,9%. Se a percentagem em Portugal fosse nesse ano igual à media comunitária, os trabalhadores portugueses teriam recebido mais 2.300 milhões de euros de remunerações.
A segunda questão que também suscitam imediatamente os dados para Portugal calculados por DA é a seguinte: Porque razão DA aumentou o valor para Portugal para o ano de 2006, entre o artigo publicado em 6.1.2007 (50,6%) e em 3.2.2007 (51,4%)? Para além de evidenciar a sua falta de rigor (e tenha se presente que cada 1% do PIB corresponde a mais de 1.500 milhões de euros de remunerações) essa diferença também confirma a manipulação feita por DA.
Finalmente, interessa chamar a atenção do leitor para uma alteração importante que se verifica entre o 1º e o 2º artigo de DA, que evidencia também a sua falta de rigor. No artigo publicado em 6.1.2007, DA utiliza o conceito “peso dos salários no PIB”, enquanto no artigo publicado em 3.2.2007, DA já utiliza o conceito “remunerações/PIB”. E estes dois conceitos técnicos significam coisas muito diferentes. Enquanto o conceito “salários” não inclui as contribuições para a Segurança Social e CGA, o conceito “remunerações” já inclui. Para que o leitor possa ficar com uma ideia das consequências em termos de repartição da riqueza criada em Portugal, basta dizer que as contribuições patronais para a Segurança Social e para a CGA representam cerca de 10 pontos percentuais do PIB (corresponde a cerca de 15.000 milhões de euros de remunerações a mais), portanto não é indiferente, sob o ponto de vista técnico, utilizar um outro conceito, como faz Daniel Amaral.
A reacção de DA é a habitual nos defensores do pensamento económico único de cariz neoliberel. Quando são enfrentados com argumentos técnicos, enveredam pelo ataque pessoal. Também é típico do comportamento dos jornais que os escolhem e os acolhem, o de procurarem silenciar todas as opiniões diferentes, dificultando ou mesmo impedindo a publicação dos artigos que contradizem as opiniões veiculadas habitualmente. Assim mantêm no engano os seus eleitores. O caso Daniel Amaral é um exemplo paradigmático. A confirmar a atitude do Expresso (manter no engano os leitores), está a não publicação da 2ª carta que enviámos ao seu director rebatendo, com base em argumentos técnicos, as manipulações de Daniel Amaral no seu 2º artigo, em que nos recusávamos a entrar no ataque pessoal, como ele fez. É essa carta não publicada pelo Expresso que se transcreve seguidamente.
«UM ECONOMISTA QUE ABANDONA O RIGOR TÉCNICO E MANIPULA
Torno a escrever porque Daniel de Amaral (DA) na resposta à minha carta, no lugar de a rebater com argumentos técnicos, utiliza o ataque pessoal ultrapassando os limites do bom senso. É evidente que não vou descer ao mesmo nível, como também sucedeu na Assembleia da República quando o 1º ministro fez o mesmo, mas este ainda teve a coragem de, pessoalmente, se justificar com palavras que representavam um pedir de desculpa, o que certamente não fará DA porque não condiz com o seu perfil. Cada um escolhe os interesses que quer defender, e eu tenho procurado conservar a independência intelectual e o rigor técnico.
Daniel Amaral cometeu erros técnicos que não são admissíveis em qualquer economista que se oriente pelo rigor e pela verdade. E cometeu não só porque procurou confundir o leitor no 1º artigo não explicando a diferença entre “Peso dos salários no PIB” que utilizou, e “Remunerações/PIB” que já usou na resposta, mas também porque continua a fazer comparações internacionais que são tecnicamente incorrectas. Para concluir isso basta comparar para Portugal e para o mesmo ano – 2006 – o valor de DA (51,4% do PIB) e o já divulgado pelo Eurostat (47,4% do PIB), ou seja, menos 4 pontos percentuais que o de DA, o que representa menos 6.360 milhões de euros de remunerações do que as calculadas por DA.
Mesmo na sua resposta, DA continua a manipular os dados. Compara a produtividade mas “esquece-se” de comparar níveis salariais. De acordo com o Eurostat, em 2005 por ex., a produtividade em Portugal correspondia a 65,5% da média comunitária (UE25), mas o custo da mão de obra em Portugal representava apenas 49,6% da média comunitária (também UE25). Segundo o Eurostat, em 2006, os custos do trabalho aumentaram na UE25 2,6%, enquanto em Portugal subiram apenas 0,1%, ou seja, 26 vezes menos, o que agrava ainda mais aquela relação. Portanto, tendo em conta os níveis salariais é-se obrigado a concluir que a produtividade em Portugal é proporcionalmente superior à media comunitária. Mas esta é uma conclusão de natureza técnica que tanto DA como o governo procuram esconder no seu afã de atacar os trabalhadores.»
Eugénio Rosa
http://www.infoalternativa.org/autores/eugrosa/eugrosa113.htm
Quando a injustiça se torna lei, a resistência torna-se um dever! I write the verse and I find the rhyme I listen to the rhythm but the heartbeat`s mine. Por trás de uma grande fortuna está um grande crime-Honoré de Balzac. Este blog é a continuação de www.franciscotrindade.com que foi criado em 11/2000.35000 posts em 10 anos. Contacto: franciscotrindade4@gmail.com ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS
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