sábado, fevereiro 17, 2007

Mentiras do Irão

Eis a última razão que confirma que eles devem estar a dizer a verdade sobre o Irão e a necessidade de uma nova guerra: eles mentiram sobre a anterior. É mesmo, de acordo com o último despacho da Associated Press (AP),
“Nenhum dos que viram os ficheiros sugeriu que as provas sejam escassas. Mas oficiais responsáveis – algo embaraçados depois do aperto que a administração sentiu pela informação defeituosa que levou à invasão do Iraque em 2003 – mostraram-se desapontados com o embrulho.”
Vêem? É só o “embrulho”. Eles têm provas consistentes, e ainda estão a ser mais cuidadosos na apresentação que não vão fazer, porque nós fomos muito duros com eles da última vez. De facto, podem ver como estes oficiais estão a ser cuidadosos pelo facto de em todos os artigos de todos os jornais, eles todos (ou será só um fulano?) nunca serem identificados pelo nome.
O jornal New York Times até abandonou as suas políticas declaradas de forma a poder avançar estas cuidadosas declarações sem nomear as fontes: http://www.rawstory.com/news/2007/NYT_article
_appears_to_violate_policy_0210.html .
E de forma chocante, de acordo com um relato, possivelmente apócrifo, o Times reconheceu que o seu repórter Michael Gordon é afinal um atendedor de chamadas activado por voz: http://www.afterdowningstreet.org/node/18416 .
Isto foi posto em dúvida, no entanto, através de uma troca de correspondência electrónica com Gordon, nesta semana, onde o repórter aparentemente real explica:
“Estou bem ciente da controvérsia das informações sobre as Armas de Destruição em Massa (ADM). Eu penso que este caso é diferente. A comunidade dos serviços de informação não está de fora a olhar para dentro, como se passou no caso das ADM. Os EUA estão no Iraque e isso reflecte em grande medida as informações recolhidas no campo de batalha. Eu passo algum tempo a falar com um leque de oficiais sobre este assunto e citei correctamente os relatórios de informações.” [sic] http://www.afterdowningstreet.org/node/18432
Por isso, vêem? Este caso é DIFERENTE. Desta vez nós podemos CONFIAR nas fontes dos serviços de informação. Porque, da última vez, apenas tínhamos grupos de inspectores experientes a varrer o país durante anos, e eles negaram ter visto algumas ADM. Desta vez, temos amadores a observar a situação no meio de uma guerra de guerrilha, e eles dizem que têm as coisas mas não as podem revelar, Por isso, já estão a ver, é DIFERENTE.
No título da última reportagem da AP (escrita por Katherine Shrader e Anne Gearan) lê-se, “Os EUA Analisam Provas Sobre o Irão: governo pondera o que deve divulgar sobre a ligação ao Iraque.” Shrader e Gearan asseguram que há 200 páginas de provas, mas infelizmente e inexplicavelmente estão classificadas como secretas. Claro que, “Ninguém que tenha visto os ficheiros sugere que as provas sejam escassas.” Uma outra forma de dizer isto podia ser: “Ninguém que pudesse dizer que as provas eram escassas teve acesso aos ficheiros.” Mas desta forma parece menos impressionante.
Quem é que viu as 200 páginas? Bem, Shrader e Gearan relatam que “oficiais de várias agências de serviços de informação escrutinaram a apresentação para assegurar que era clara e que ‘de nenhuma forma colocamos em risco as nossas fontes e os nossos métodos, fazendo a apresentação’, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack. Mas alguém se lembra de haver preocupação com as anteriores apresentações terem sido pouco claras? A minha memória sugere que a razão para o “aperto que a administração sentiu” foi que eles mentiram descaradamente, não que tenham escrito mal. E desde quando é que um relações públicas no Departamento de Estado aparece para explicar as preocupações de vários serviços de informação?
O Conselheiro de Segurança Nacional, Stephen Hadley, argumenta que a Casa Branca é a razão para a demora na apresentação pública das “provas” e diz que a Casa Branca está a tentar que a comunidade dos serviços de informação (será mesmo uma comunidade?) enfraqueça, não que reforce, os seus argumentos. No entanto, conta a revista “National Review”:
“Pelo menos duas vezes no último mês, a Casa Branca adiou uma apresentação em ‘Power Point’ inicialmente preparada pelos militares para detalhar provas do suspeitado apoio material e financeiro iraniano a militantes no Iraque. A apresentação estava para ser feita numa conferência de imprensa em Bagdade na primeira semana de Fevereiro. Oficiais marcaram uma nova data, mas dizem que pode ser a qualquer altura.
“Mesmo quando os oficiais dos EUA em Bagdade estavam prontos para apresentar o assunto, responsáveis da administração em Washington que foram encarregados de fazer a revisão do dossier do ‘Power Point’, cederam à pressão da comunidade dos serviços de informação para que fosse revisto mais uma vez.”http://www.afterdowningstreet.org/node/18431
A AP parece concordar que os serviços de “informação”, não a Casa Branca, causaram o adiamento. Claro que todos nós saberíamos isso sem que nos dissessem. Bastava que pensássemos um bocadinho. O artigo da AP diz:
“Em privado, oficiais dizem querer evitar o tipo de gafe como a do antigo Secretário de Estado Colin Powell na apresentação sobre a guerra, perante as Nações Unidas, em 2003”
Bem, isso é amoroso, e é simpático da parte deles tornarem públicos os seus comentários hmm… privados. Mas não terão nenhuma preocupação para evitar o tipo de gafe que o Presidente Bush fez no seu discurso de 2002 em Cincinnati, ou em inúmeras aparições televisivas e num memorável discurso do Estado da União, ou o género de gafes que Cheney e Rice fizeram vezes sem conta para assegurar às pessoas e ao Congresso que o Iraque tinha ADM e ligações ao 11 de Setembro? Por outras palavras, alguém reparou que as mesmas pessoas que estão no poder são as que nos mentiram na última guerra?
Robert Gates vem agora dizer que tem dados que são “muito boas” provas do apoio iraniano aos iraquianos. E alguém mostrou alguma coisa a certos membros do Congresso, resultando daí a declaração de Joe Lieberman, “Eu estou convencido, por aquilo que vi, que os iranianos estão a dar apoio e assistência às pessoas no Iraque que estão a matar soldados americanos.” Lieberman, a propósito, votou a favor da última guerra, e disse recentemente que não se arrepende desse voto, apoia a escalada da guerra e opõe-se à definição de uma data para a terminar. http://www.davidswanson.org/?q=node/720
De entre as coisas que ele não analisou completamente estão, não apenas a forma como a Casa Branca vendeu a última guerra [ http://www.afterdowningstreet.org/investigations ] mas também a forma como os media acolheram essas mentiras [ http://www.afterdowningstreet.org/node/18395 ]. Como perguntou recentemente Gilbert Cranberg, “Porque é que a Associated Press esperou seis meses, quando a contagem de baixas começou a aumentar, para divulgar uma grande reportagem de Charles Hanley, da AP, desafiando as provas de Powell e porque é que Hanley refere como vinha sendo frustrante até esse momento romper com a auto-censura imposta pelos editores sobre notícias negativas em relação ao Iraque?”
Ainda mais premente, porque é que depois da AP publicar uma completa ridicularização das mentiras da última guerra, feita por Hanley
[ http://www.afterdowningstreet.org/?q=node/3531 ],
está agora a alinhar com as novas mentiras? Provavelmente terá o efeito de as tornar ainda mais importantes. O actual nível de credibilidade dos media, em face de uma ausência de provas, está a servir para lembrar às pessoas como é que nos metemos na guerra no Iraque que continua e fica pior a cada dia que passa.
Eis uma crescente lista das Mentiras da Guerra do Irão: http://www.democrats.com/iran-war-lies
Juntem-na à interminável lista de Mentiras da Guerra do Iraque: http://www.afterdowningstreet.org/keydocuments
Mas tenhamos uma coisa em mente ao exigirmos uma investigação rigorosa aos dois conjuntos de mentiras – mentiras ditas pelo mesmo grupo de pessoas: em nenhum dos casos, mesmo que todas as afirmações fossem 100% verdadeiras e rigorosas, ninguém conseguiria um caso legal para a guerra. Se a posse de ADM por um país fosse justificação suficiente para iniciar uma guerra, os Estados Unidos seriam sujeitos a uma invasão legal imediatamente. Por isso, por muito que ridicularizar os fantásticos argumentos de Bush, Cheney, e Gates seja divertido, podemos conseguir melhores resultados se os varrermos para o lado e sublinharmos que não interessa se os argumentos são verdadeiros ou não. Ajudar uma nação a repelir uma ocupação estrangeira não é uma justificação para a guerra. Os EUA ainda se gabam de terem feito isso em França, há 50 anos. Se o Irão o está a fazer agora no Iraque, o que nenhuma evidência sugere ainda, o crime estaria na recusa do invasor estrangeiro em sair, não na ajuda dada pelos iranianos.

Texto da autoria de David Swanson publicado em
http://www.davidswanson.org/?q=node/725
http://investigandoonovoimperialismo.blogs.sapo.pt/14389.html

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