Os filhos são sempre da mesma espécie que os pais. E as crianças aprendem com os pais a língua que os pais falam. Nunca um casal Romano, ao ensinar Latim aos seus filhos, os ouviu responder em Francês.
No entanto, o Francês descende do Latim, bem como o Português, o Castelhano, o Italiano, ou o Romeno. A evolução das línguas é análoga à evolução da vida em muitos aspectos, e um deles é a forma gradual, quase imperceptível, como progride. Sem descontinuidades, a divisão é forçosamente arbitrária. Considera-se que o Português arcaico se tornou em Português moderno com a publicação das gramáticas de Fernão de Oliveira e João de Barros, 1536 e 1540 (1), mas nem eles nem os seus contemporâneos notaram alguma diferença. Todos diriam que a Língua falada em Portugal em 1535 era a mesma que se falava em 1541.
O mesmo se passa com a evolução das espécies. O grande número de fósseis na transição entre os répteis cinodontes e os mamíferos dá-nos um contínuo análogo ao que conhecemos na evolução do Português. Também neste caso foi necessário escolher um ponto arbitrário para marcar a transição: a articulação da mandíbula directamente com o crânio sem articulação com o osso quadrado. Em quase todos os animais excepto os mamíferos, as mandíbulas são articuladas com o osso quadrado, e não directamente com o crânio. Na transição, há vários fósseis de cinodontes com uma articulação mandibular dupla, em que a mandíbula articula com o osso quadrado e com o crânio ao mesmo tempo. Os mamíferos começam no Adelobasileus cromptoni, o fóssil mais antigo em que o osso quadrado deixou de fazer parte da articulação da mandíbula (2). Mas mesmo isto foi um processo gradual, com este osso imperceptivelmente mais «solto» a cada geração. Quanto mais solto, mais sensível a vibrações e melhor a audição do animal, e isto criou uma pressão selectiva para a modificação gradual da mandíbula. Eventualmente, nos mamíferos o osso quadrado acabou por se dividir nos três ossículos do ouvido médio.
Quanto mais informação temos mais arbitrária se torna a transição, pois diminuem as diferenças entre os exemplares que classificamos. Mas isto não invalida a evolução, nem das línguas nem das espécies.
1- Instituto Camões, A Língua Portuguesa
2- TalkOrigins Archive, Transition from synapsid reptiles to mammals
E aqui uma página com umas imagens de répteis cinodontes. Parecem mamíferos, mas são todos répteis porque não têm a articulação mandibular de mamífero.
Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/
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