A subida do nível do mar e a erosão costeira são das situações ambientais mais urgentes para Portugal, pela sua condição periférica e peninsular.
Num relatório recente da Comissão Europeia, Portugal surge no 4º lugar entre 18 países com maiores incidências de processos erosivos, com 28,5% da costa em perigo de erosão.
A extracção de areias, a existência de barragens, a pressão urbanística (mais de 70% da população reside no litoral, com metade das zonas urbanas concentradas em 13 km de costa) e a crescente construção em áreas sensíveis exercem uma grande pressão sobre o litoral e são responsáveis pelo acentuar dos processos de erosão.
A isto junta-se o fenómeno das alterações climáticas, sendo que as previsões para Portugal apontam para uma subida do nível médio do mar entre 25 a 110 cm até 2100: se assim for, 67% do litoral estará em risco de erosão (valor que especialistas estimam já afectar a costa algarvia). A orla entre Espinho e o Cabo Mondego deverá sofrer um aumento de 15% a 20% do ritmo de erosão.
Furadouro (Ovar) é a zona com maior taxa de recuo do País, com 9 metros/ano, colocando em grande risco cerca de 12 aglomerados populacionais daquela região. Segue-se Espinho e Cortegaça (Ovar), com uma taxa de mais de 2 metros/ano. O troço entre a Costa Nova e Vagueira recuou já uma média de 220 metros de 1959 a 1998, a que se juntam mais de 8,5 metros só entre 2000 e 2003. Na faixa que vai do Furadouro (Ovar) a Mira, entre 1958 e 2002, registaram-se, nalguns pontos, recuos de 230 metros, correspondentes a uma perda média da linha de costa de 6 metros/ano, existindo registos de recuos de 15 metros durante um único temporal.
Mais recentemente deu-se o caso da Costa da Caparica, em que em apenas 4 dias (7-10 de Dez. 2006) o mar devorou 16 metros de dunas na praia de S. João na Costa da Caparica. Um estudo de um investigador da FCT/UNL mostra que desde 1929 o mar não pára de comer areia e que desde 1940 o areal recuou 410 metros: as causas são a redução dos sedimentos devido às barragens e a retirada de areias para a construção civil.
Este são exemplos da falta de uma intervenção preventiva que contenha a ocupação e construção no litoral, levando a que se chegue a situações extremas de degradação da costa e a intervenções de emergência que apenas remedeiam temporariamente as situações.
Já muitas boas intenções políticas se proclamaram para o litoral, mas o que é facto é que as políticas têm sido um falhanço, com muitos milhões a serem desperdiçados em medidas para remediar casos extremos evitáveis e tendo se negligenciado o planeamento.
Por exemplo, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (previstos desde 1993 mas que levaram muitos anos a serem concluídos) do continente não executaram nem ¼ da verba programada, sendo a maioria gasta em acções de defesa de emergência, algumas delas desajustadas da realidade e muitas não programadas. Por outro lado, a sua qualidade é muito questionável, havendo quem acuse de serem planos de ordenamento de apoio de praia e parques de estacionamento, não contemplando os riscos naturais e tendo sido adaptados aos interesses municipais e dos grupos económicos. Mesmo os que estão em processo de revisão não estão a ir pelo bom caminho: o POOC Caminha-Espinho, cuja discussão pública terminou recentemente, não contempla alterações que previnam a impermeabilização de mais zonas costeiras nem a nova construção de edifícios em área de protecção da orla marítima.
No início de 2006 foram apresentadas as Bases para a Estratégia de Gestão Integrada da Zona Costeira Nacional, destacando-se nas suas medidas estruturantes o desenvolvimento de uma lei de bases da zona costeira, a definição de uma única entidade gestora nacional, um programa de acção resultante dos instrumentos de gestão territorial em vigor e um sistema de monitorização que poderá estar ancorado numa Rede Nacional de Observação Costeira. Mas até ao momento muitas dúvidas persistem sobre o seu avanço e aplicação e que modalidades serão adoptadas. Mas sem dúvida que é urgente pôr ordem na gestão da costa, uma vez que existe uma grande multiplicidade de entidades a intervir no litoral, originando a sobreposição e dispersão de competências, bem como a conflitualidade de interesses, ainda mais num quadro legislativo complexo e disperso.
No final de 2006 foi apresentado o Programa Litoral 2007-2013, que define as acções prioritárias nos próximos anos. O Ministro espera contar com uma verba de 300 a 400 milhões neste período para investir só em obras prioritárias (muitas delas, como a construção de esporões, podem ser questionáveis), mas está dependente de uma verba de 240 milhões de fundos comunitários.
No entanto, esta suposta prioridade para o litoral confronta-se com uma redução no orçamento de estado para 2007, de 45 milhões para os 28 milhões de 2006. As verbas para investimento (PIDDAC 2007) têm um corte de 38%, num total de 20,6 milhões de euros em diversas rubricas (nacional: 9,8 milhões de euros) comparado com 33 milhões de euros (nacional: 14 milhões) de 2006. O INAG tem 9,5 milhões (cerca de 50% do valor de 2006), o ICN tem 1,1 milhões (menos 16%), as CCDR têm cortes de 30 a 52% (a CCDR do Centro tem um aumento, mas continua a ser a que tem menos dinheiro para o litoral, apesar de ser das zonas mais afectadas pela erosão).
Mas o que é certo é que continua-se a não apostar no realmente prioritário: em políticas que contenham a construção no litoral e reduzam a existente.
O litoral português, de acordo com um relatório da Agência Europeia do Ambiente (Nov. 2006), registou o maior aumento de áreas artificiais da Europa entre 1990 e 2000, com um aumento de 34% de áreas artificializadas. Neste período, por exemplo, Albufeira cresceu 65%. O documento adverte que a aceleração da utilização do espaço costeiro, impulsionada pelas indústrias do entretenimento e do turismo, ameaça destruir o delicado equilíbrio dos ecossistemas costeiros.
Para isso é preciso dar a volta aos direitos adquiridos dos particulares, que são responsáveis por grande parte da ocupação de zonas de risco elevado. É preciso que os interesses públicos e colectivos das populações, incluindo das gerações futuras, sejam mais importantes que os direitos dos privados.
E maior eficácia prática teria a suspensão imediata da aprovação de quaisquer projectos de construção das áreas abrangidas por POOC (alargando-se mesmo a faixa contemplada de 500 metros para o interior e prevendo-se a inclusão das áreas portuárias), bem como o recurso às expropriações por utilidade pública nos casos mais críticos, acautelando já intervenções que tenham de ser feitas nessas áreas e poupando muitos milhões futuros.
Mas sobretudo é preciso pôr um travão às inúmeras pretensões imobiliárias que estão previstas para todo o litoral, de sul a norte do País, e que contam com o apoio e aval deste Governo. Neste momento existem 31 grandes empreendimentos turísticos classificados como Projectos de Interesse Nacional (PIN), que vão ou já estão a ocupar zonas sensíveis do ponto de vista ambiental, sendo que 80% dos investimentos são na Península de Setúbal e Alentejo, seguindo-se o Algarve. Um estudo recente aponta que o Algarve e o Oeste comportam cerca de 50% dos empreendimentos de grande dimensão já planeados (com mais de 70 hectares), sendo que a Região Algarvia é a que mais resorts verá crescer (29%).
Rita Calvário
esquerda.net
http://www.infoalternativa.org/ecologia/ecologia049.htm
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