terça-feira, fevereiro 13, 2007

O mistério da vida…

...é como o mistério do grande. Uma formiga com um metro e setenta é enorme (e perigosa). Um homem adulto com um metro e setenta não é nada de invulgar. Um porta-aviões com um metro e setenta é minúsculo (e ridículo). Quando separamos o vivo do não vivo temos também critérios arbitrários, aplicados de forma diferente a coisas diferentes.

O sinistrado está morto se os médicos não conseguem pôr o seu coração a bater, ainda que muitas das suas células continuem vivas durante dias. Aqui a vida é o funcionamento ordenado do organismo como um todo. Uma célula como as nossas, com organelos, núcleo, e uma estrutura interna complexa, classifica-se como morta se essa estrutura se desagrega, embora prossigam inúmeras reacções químicas típicas do metabolismo celular. Bactérias como as do género Clostridium podem formar endoesporos. A bactéria copia o seu ADN, cobre-o com uma camada protectora de proteína e peptidoglicano, e morre. O endoesporo é um grão minúsculo e inerte, onde não se passa nada até que encontre um meio propício, germine, e recrie de novo a bactéria à sua volta. Pode passar milhões de anos nesse estado inanimado, mas mesmo assim chamamos-lhe vivo.

Antigamente pensava-se que a vida era uma propriedade de alguns seres. Até 1828 a química orgânica estudava os compostos que se julgava só seres vivos poderiam criar. Em 1828, Friedrich Wöhler sintetizou a ureia, um composto orgânico, e mostrou que não é preciso o élan vital para nada. Hoje em dia a química orgânica é simplesmente a química de compostos com carbono, venham lá de onde vierem, e o vitalismo acabou no caixote das hipóteses ultrapassadas.

A vida, em si, não é mistério nenhum. Há muitas coisas nos sistemas vivos que nos falta compreender, como a estrutura das proteínas, a origem dos primeiros replicadores, a regulação dos genes e do desenvolvimento embrionário. Mas o mistério vem da sua complexidade, e não de ser vivo ou não. A proteína sintetizada em laboratório ou na bactéria é a mesma coisa, e compreender uma é compreender a outra. Os vírus são igualmente fascinantes quer os consideremos seres vivos quer os consideremos seres inanimados.

A vida não é um mistério porque, tal como «grande», é apenas uma categoria que nós inventámos para ajudar a arrumar as nossas ideias. Não é uma propriedade das coisas. Não é nada que tenha que ser explicado.
Por Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/

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