Afinal não somos só nós que andamos de candeias às avessas com os indicadores educativos. Em Espanha, os resultados dos últimos relatórios internacionais também andam a fazer mossas na opinião pública.
Na edição de ontem do La Vanguardia vinha uma peça (sem link acessível) sobre os múltiplos males da educação espanhola, sendo que a leitura não é linear. Quanto aos males estruturais apontam-se a diminuição do investimento no sector, o insucesso escolar e as deficiências nas aprendizagens realizadas de acordo com os dados do PISA.
Mas muito mais interessante, vinha uma pequena caixa de texto da autoria de Manuel Asensi Pérez, professor catedrático de Teoria da Literatura e Literatura Comparada da Universidade de Valência com vasta obra acessível, obde se reflecte sobre aquilo que para ele é a Pedagogia Pervertida, uma noção com um interessante potencial:
Utilizo a expressão pedagogia pervertida não para propôr uma preversão da pedagogia, mas sim para afirmar que ela já está pervertida. Isto pode soar provocatório, mas nada mais distante da realidade: é uma simples descrição de um facto de graves consequências. Mas, porque digo que a pedagogia está prevertida? Desde o momento em que descobrimos que a criança, o adolescente ou simplesmente o aluno não parecem existir mais do que para satisfazer as expectativas e as exigências dos adultos e dos pedagogos profissionais, aclara-se de imediato o sentido da preversão a que me estou a referir.
(…)
Assim, pois, a criança é um continente desconhecido que não resulta acessível. (…) Dito de outra maneira: o adulto inventa-o. Claro está, o que diz dele não corresponde à realidade, mas é o produto de uma efabulação que obedece a interesses ideológicos.
Se é verdade que Asensi Pérez entra em outras passagens por domínios de que discordo, este excerto corresponde quase na perfeição ao que penso de muitas efabulações retóricas sobre a Educação e a Pedagogia. Mais do que olharem para a Escola, para os alunos, para os docentes, para o quotidiano escolar, os seus ritmos, tempos e espaços, muitos políticos e pedagogos efabulam sobre a Escola e a Educação, projectando nas suas construções teóricas mais os seus fantasmas ou interesses pessoais do que um olhar que não pode ser neutro mas que poderia tentar entrar mais no que lhe é exterior e cada vez mais estranho.
Ao ler certas obras, ao analisar certas teorizações, encontro nelas mais o autor aprisionado nas suas experiências pessoais de um tempo passado, do que uma tentativa de compreensão do que o rodeia. Se é certo que na Educação foram várias as coisas que não mudaram, é mais do que certo que muitas mais não mudaram nas cabeças de certos construtores dos discursos científicos e políticos sobre a Educação. Por agora não vou fulanizar, mas ler certos autores é como mergulhar de novo numa escola que já quase não existe e que em Portugal se foi desagregando desde os anos 70. Eu sei, pois andei por lá e apercebi-me das mudanças. Mas as análises são atraiçoadas pela memória e os diagnósticos são perturbados por dores passadas, sendo que os remédios propostos são quase como que ajustes de contas.
Talvez por ter experimentado uma vida escolar equilibrada entre as dificuldades de um contexto espacial e temporal muito específico e a ausência de traumas profundos na minha relação com os docentes (odiozinhos especiais à parte, que não justificam generalizações abusivas) e a própria escola, assim como por ainda ter dentro de mim uma boa parte da criança que fui (e garanto que é uma criança não apenas em espírito, visto que neste momento pesa bem uns 20 quilos), tento compreender como pensarão e se sentirão os meus alunos em dados momentos, mas não procuro encontrar neles exactamente o que eu pensava e como me sentia e muito menos procuro (re)agir com eles como se estivéssemos numa situação de há 30 anos.
Porque não há pior erro do que tentar, abusivamente, extrapolar e considerar válido generalizar experiências e sentimentos pessoais para indivíduos e contextos diferentes. O nosso trajecto enaquanto alunos pode conduzir-nos em alguns troços como professores, mas nunca deve servir para projectarmos o nosso passado em todos os momentos do presente que nos vai surgindo.
E, sinceramente, há muitas visões da Educação e da Pegagogia - políticas ou “científicas”, já o escrevi - que me parecem mais espelhos dos seus protagonistas do que olhares sobre o mundo exterior.
http://educar.wordpress.com/
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