quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Receitas? Notícias?!

É nítido que o site da Pro-Music é organizado pela indústria do entretenimento. Cada vez que lá vou farto-me de rir. A página sobre o «copywright» (aqui) parece uma sátira. Um pouco abaixo da gralha no título, vem:

«No nosso quotidiano, desde o jornal que compramos de manhã até à nova receita para um novo prato. Quase tudo foi criado por alguém. O facto das pessoas poderem ser donas da expressão das suas ideias significa que podem potencialmente viver a partir da sua imaginação.»

Os exemplos são tão bons como a pontuação. As receitas são processos e listas de ingredientes, e não são protegidas por direitos de autor enquanto tal. E segundo o Artigo 7º do código do direito de autor:

« 1 – Não constituem objecto de protecção:
a) As notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgadas;»

É certo que eles limitaram-se a traduzir os disparates da Pro-Music internacional, mas podiam ao menos ter dado uma olhada na lei Portuguesa. Se o fizessem, talvez evitassem outra calinada:

«O direito de autor protege a expressão duma ideia; permite às pessoas ‘criar’.»

Se isto fosse verdade haveria muita coisa que não nos era permitido ‘criar’ (não se percebe o porquê das aspas) por não ser coberto pelo código de direitos de autor:

«As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.»

Para finalizar, a treta do costume acerca da partilha de ficheiros:

«Se este tipo de cópia e distribuição persistir sem respeito pelas pessoas cujas ideias, talento e habilidade levam à criação musical, elas poderão simplesmente ficar impossibilitadas de continuar a criar – nesse caso todos ficaremos a perder.»

Não... nem todos. Há uns dias um aluno enviou-me a referência a um artigo no Diário Económico, que aproveito já para agradecer. Neste artigo, Ricardo Reis (1) faz as contas ao que os músicos ganham. Para os mais bem sucedidos as vendas de CDs somam menos de 15% dos seus ganhos totais. Os menos bem sucedidos ficam em dívida para com a discográfica, que cobra a gravação e a edição além de ficar com os direitos sobre a obra. Em ambos os casos os rendimentos dos músicos vêm principalmente dos concertos.

E há uma correlação interessante entre a partilha de ficheiros e o preço dos bilhetes. Os bilhetes dos concertos pop aumentaram 10% nos últimos anos. Os bilhetes para concertos de jazz, música menos pirateada, aumentaram 2%. É difícil dizer se é a popularidade que aumenta a partilha ou se é o contrário, mas o facto é que, mesmo para os artistas com mais vendas, 10% de aumento nos concertos paga uma quebra de 50% nas vendas dos CDs. Para o artista, e para o consumidor, a partilha compensa.

Quem fica a perder são os senhores da Pro-Music, que gerem o «copywright» e ficam com 90% do preço de cada CD.

1- Ricardo Reis, Fevereiro de 2007, O dinheiro dos músicos.
Por Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/

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