segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Voos da CIA

Requerimento apresentado ao Ministro dos Negócios Estrangeiros


Depois de, no passado dia 25 de Janeiro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros ter anunciado que as investigações sobre os voos da CIA tinham sido encerradas por ausência de indícios que justificassem a continuação dos trabalhos, o Parlamento Europeu votou, por larga maioria, o relatório que denuncia a utilização de Portugal e de outros países da União Europeia pela CIA para transportar suspeitos de terrorismo. Depois das declarações do ministro Luís Amado, o Procurador Geral da República decidiu abrir uma investigação sobre o mesmo tema. O relatório do Parlamento Europeu, em contradição com a decisão do Governo português, exortou mesmo Portugal a investigar possíveis casos de detidos transportados ilegalmente pela CIA através de território português e saudou a abertura de uma investigação criminal sobre o assunto.

Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais em vigor, venho por este meio solicitar os seguintes esclarecimentos junto de V.ª Ex.ª;

1. Têm as autoridades portuguesas conhecimento de que algum cidadão português tenha sido preso, interrogado ou torturado por serviços estrangeiros, em Portugal ou no estrangeiro, após o 11 de Setembro de 2001, por suspeitas de terrorismo?

2. Podem as autoridades portuguesas garantir que nenhum estrangeiro, residente ou de passagem por Portugal, foi preso, interrogado e entregue a serviços estrangeiros, designadamente americanos, por suspeitas de terrorismo?

3. Têm as autoridades portuguesas (designadamente a DG Alfândegas) conhecimento de que algum avião civil privado norte americano tenha mudado de matrícula enquanto estacionado no aeroporto do Porto, como no mês passado ocorreu em Faro com um avião que transportava o ex-Vice Presidente da RD Congo Jean Pierre Bemba?

4. Pode o MNE informar quem eram os passageiros e tripulantes do avião norte-americano de matrícula N227SV que estacionou em Cascais, a 15 e 16 de Maio de 2005, e que vinham para contactos no Ministério da Defesa, segundo assinalado pelo handler, nos documentos entregues pelo MNE à AR em 18 de Outubro de 2007? Pode o MNE informar quem vieram essas pessoas encontrar no Ministério da Defesa e para que fim?

5. Pode o MNE informar quem eram os passageiros e tripulantes dos voos dos aviões N829MG e N379P, quando regressavam de Amã e Rabat, onde haviam efectuado as “entregas” do canadiano Maher Arar e do italiano Abou Elkassim Britel, nas escalas que fizeram nos aeroportos de Santa Maria e do Porto de 9 a 10 de Outubro de 2002 e de 25 a 26 de Maio de 2002, respectivamente, neste último caso tendo sido controlados pelo SEF e pernoitado em hotel no Porto?

6. Tinha o MNE conhecimento da lista da NAV de voos de/para Guantánamo, autorizados a passar por espaço aéreo e a escalar aeroportos portugueses entre 11 de Janeiro de 2002 e 24 de Junho de 2006, antes da eurodeputada Ana Gomes lha fazer chegar e ao PE?

7. Quando é que o MNE teve conhecimento dessa lista, que foi pedida pelo INAC à NAV no início de Setembro de 2006, para responder a solicitação da Secretaria de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, por sua vez destinada a satisfazer pedidos de Ana Gomes?

8. Porque é que essa lista não foi entregue pelo MNE à AR a 18 de Outubro de 2006, quando entregou outras listas ao mesmo tempo elaboradas pela NAV?

9. Continua o MNE a insistir na tese de que os voos americanos que passaram por Portugal a caminho de Guantánamo «não têm nada de anormal», por serem feitos no âmbito da Operação Enduring Freedom?

10. Está consciente de que é o primeiro e único (e provavelmente, último) MNE europeu a considerar que voos para Guantánamo não têm «nada de anormal»?

11. Insiste o MNE em apresentar a Operação Enduring Freedom no Afeganistão como uma operação «sob a égide da NATO e da ONU» e os voos autorizados Portugal para Guantánamo como «ao serviço da ONU», quando esta operação, apesar de se coordenar com a missão da NATO naquele país (designada ISAF) e apesar de ter mandato das Nações Unidas, não passa de uma operação de contra insurgência dos EUA (e alguns poucos aliados), distinta e autónoma em relação àquelas duas instituições multilaterais? Não estará o MNE a induzir em erro a opinião pública ao querer legitimar uma decisão (isto é, conceder uma autorização genérica de aterragem/sobrevoo à Operação Enduring Freedom) tomada ao nível bilateral (Portugal EUA), mascarando a de leal cooperação em quadros multilaterais, como a NATO e a ONU, em que Portugal actua no Afeganistão?

12. Se era normal a aprovação de voos para Guantánamo no quadro da operação Enduring Freedom para o Afeganistão, porque é que o anterior MNE, Professor Freitas do Amaral, não o disse na AR, em 13 de Dezembro de 2005, quando especificou os casos de “blanket diplomatic clearance” concedidos por Portugal a voos militares e civis americanos, incluindo os envolvidos nas operações Iraque e Afeganistão?

13. Se era normal aprovar voos para Guantánamo porque é que o actual MNE nunca veio explicar à Assembleia da República ou ao Parlamento Europeu que o apoio português à operação Enduring Freedom, no Afeganistão, incluía autorizar voos para Guantánamo, só o fazendo após a eurodeputada Ana Gomes revelar a existência da lista de voos autorizados para aquele destino?

14. Se era normal aprovar voos para Guantánamo, porque razão o MNE nunca respondeu aos repetidos pedidos da eurodeputada Ana Gomes para o Parlamento Europeu ser habilitado com a lista de voos de/para Guantánamo?

15. Como explica o MNE o facto de só ter mencionado a Operação Enduring Freedom como justificação para a passagem de voos para Guantánamo por aeroportos portugueses (numa carta de 12 de Janeiro de 2007 dirigida ao deputado europeu Carlos Coelho) depois da eurodeputada Ana Gomes, a 8 de Janeiro de 2006, ter informado a Comissão do PE de que obtivera essa informação de fontes militares?

16. No dia 24 de Janeiro de 2007, o MNE afirmou que «na data em que os voos se realizaram, Guantánamo era uma base militar. Hoje sabemos que é também um centro de detenção, que deve ser encerrado o mais depressa». Quando, exactamente, é que o Ministro descobriu que Guantánamo era também um centro de detenção, e quais foram as consequências dessa descoberta para a concessão de autorizações genéricas de sobrevoo/aterragem aos EUA?

17. Continua o MNE a autorizar hoje voos para Guantánamo?

18. Qual foi a última vez em que o Ministro levantou a questão de Guantánamo, e a necessidade de se encerrar aquele centro de detenção ilegal, nas suas interacções com responsáveis americanos?

19. Não inquieta o MNE que documentos oficiais das autoridades militares americanas (publicados na Visão a 11 de Janeiro de 2007), entregues à Comissão Temporária do Parlamento Europeu pelos advogados americanos dos 6 argelinos detidos em Guantánamo (mais conhecidos por “Bosnian 6”), apontem para uma série de voos para transporte de prisioneiros entre Incirlik (Turquia) e Guantánamo, em Janeiro e Fevereiro de 2002, que correspondem à série de voos constantes da lista da NAV em direcção àquele destino?

Não incomoda o MNE que a descrição das condições de transporte daqueles prisioneiros, segundo os referidos documentos oficiais americanos, revele que eles vinham «algemados, acorrentados e de olhos e bocas vendados»?

20. Pediu o MNE, entretanto, esclarecimentos às autoridades americanas sobre se transportavam prisioneiros os voos militares constantes da lista de voos de/para Guantánamo elaborada pela NAV e entregue ao PE?

21. Pediu o MNE esclarecimentos em especial sobre o conteúdo dos 7 aviões que escalaram as Lajes e que o MNE confirmou terem sido autorizados no quadro da operação Enduring Freedom? Se não, porque não? Não são esclarecimentos relevantes para o Governo português?

22. Porque é que o Governo não autorizou os Directores do SIRP e do SIS a serem ouvidos pela delegação do Parlamento Europeu que se deslocou a Lisboa, no dia 6 de Dezembro de 2006, conforme esta havia solicitado, à semelhança do ocorrido com responsáveis de Serviços de Informação de outros países (Itália e Roménia, designadamente)?

23. Porque é que o MNE impediu o SEF de fornecer à delegação do PE as listas de passageiros e tripulação que o SEF tinha reconstituído junto de handlers e hotéis de forma a poder fornecê las à Delegação do PE que se deslocou a Lisboa a 6 de Dezembro de 2006?

24. Defende o MNE os mesmos critérios restritivos decorrentes da protecção de dados no que respeita à cedência às autoridades americanas das listas de passageiros de aviões portugueses civis, comerciais ou privados?

25. Porque razão o Ministério da Defesa, num documento anexo à carta enviada ao PE pelo Prof. Freitas do Amaral a 26 de Junho de 2006, indica que não tinha registos de voos civis ou militares de/para Guantánamo? Como não, se a Força Aérea tem elementos destacados seus na NAV, sendo que para obter tais registos bastava pedi-los à NAV?

26. Sustenta o MNE que a Força Aérea Portuguesa não controla ou nem sequer tem registos de aviões militares estrangeiros que passam na sua Base Aérea n.º 4, nas Lajes?

27. Foi aprovado pelo MNE, ouvido o Ministério da Defesa, o sobrevoo do espaço aéreo português pelo avião militar saudita que no dia 24 de Junho de 2006 voou entre Guantánamo e Casablanca e consta da lista da NAV? Qual a justificação política para se aprovar um tal voo?

28. Como se justificam as aprovações de voos militares do Kuwait com destino ou origem a Guantánamo, passando através do espaço aéreo português, como os referenciados na lista da NAV?

29. Podem o MNE e o actual Governo do PS pôr as mãos no fogo pelo que, nesta matéria fizeram ou não fizeram os anteriores Governos do PSD/PP que integravam o Dr. Paulo Portas?

30. Porque tem o MNE Luis Amado a tratar deste assunto no seu Gabinete um adjunto – Dr. Paulo Lourenço – que transitou do Gabinete do ex-Ministro Paulo Portas na Defesa para o Gabinete do Ministro da Defesa Luís Amado e, seguidamente, o acompanhou no trânsito para o MNE?
Fernando Rosas
http://www.infoalternativa.org/portugal/port145.htm

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