Há quem separe anarquismo social de anarquismo como estilo de vida. Há os colectivistas e os individualistas; os revolucionários e os pacifistas. Há os rebeldes, insurgentes. A anarquia não se restringe a um conceito ou a uma contra-conduta. A contundente Emma Goldman alertou que na anarquia a sociedade está a serviço do homem e que esta se funda nas energias liberadas do indivíduo e na associação voluntária dos indivíduos libertados.
Os anarquistas compõem movimentos, sem reivindicar no seu interior um espaço delimitado ou o papel de hegemonia. Não sendo membros de partidos políticos, tão-pouco pretendem capturar os movimentos tornando-os reféns de uma organização. Sabem que os movimentos sociais libertários se refazem constantemente e que as pessoas, por não serem semelhantes, se modificam em velocidades e intensidades diferentes.
O movimento anarquista inventa mundos!
O anarquista corre riscos! Ele não é o alvo exclusivo das policias, forças armadas, direito penal, de inimigos medonhos e adversários que se renovam no interior da sociedade. Ele transgride por existir, por não se deixar capturar, por ser o anúncio do diferente que não será pacificado em nenhuma uniformidade. O anarquista não busca a certeza na autoridade superior, chame-se ela partido político, organização não-governamental, grupo de pressão, ou uma abstrata cooperação de singularidades; o anarquista não aceita a representação e recusa-se a representar! Os anarquistas associam-se livremente para experimentar liberdades, lidar com a supressão do insuportável e ultrapassar as paralisantes polémicas.
A potencialidade das liberdades depende dos costumes livres, da diversidade de realizações anárquicas, libertas de afinidades restritas à mesma ideologia, enfim de uma cultura amistosa desvencilhada dos castigos e voltada para objetos definidos. Depende do meu poder para existir; das minhas relações para permanecer inventando vidas. O fim da propriedade privada, estatal ou mista não depende de negociações, revoluções, mediações democráticas, mas de associações e suas actuações. A anarquia é social até mesmo quando pretende dissolver a sociedade; ela tem diversos estilos de vida.
As singularidades anarquistas não cooperam, mas associam-se federativamente.
Pessoas livres, pessoas associadas, associações de associações existem libertariamente quando evitam os modelos, actuam na sua época, e não abdicam das memórias das lutas, da história que se faz no momento. Não lidam mais com fronteiras. Questionam os iluminados, os proprietários de consciências esclarecedoras, os que declaram amar a humanidade e perpetuar a solidariedade na miséria. Pessoas libertárias, únicas, actuam nos limiares, na supressão de fronteiras, na ausência de universalidades, na amizade entre anarquistas preservando a coexistência na diferença, no combate à miséria material e intelectual. O anarquista liberta-se antes de libertar. Esta tem sido a sua história.
A história dimensionou as inquietações libertárias de Etienne de la Boétie e de Willian Godwin na Anarquia de Proudhon e no anarquismo bakunista. Este se desvencilhou da catequese de Sergei Nietcháiev e abriu-se em formação histórica com Kropotkin, em movimento interminável com Malatesta, no combate estratégico no interior da revolução russa com os makhnovistas. Inventou e revirou a Revolução Espanhola, os combates sindicais pelas Américas e avançou para o oriente. Surpreendeu os historiadores que tinham decretado a sua morte mostrando a sua jovial existência e transformou os esquerdistas socialistas arrependidos em académicos da anarquia social. Começou novamente a lidar com inquietações libertárias derivadas do Maio de 1968, percorrendo o seu eterno retorno e abalando a crença no social.
A anarquia não é um modelo, fórmula, efeito determinista ou produto da sequência linear da história. A anarquia é pessoal, associativa e é social. Não existe fora ou apartada da sociedade. Contudo, isso não quer dizer que ela tenha a tarefa de criar a nova sociedade. Neste caminho, substituir propriedade e Estado por posse e Sociedade, torna-se apenas uma inversão de termos. O anarquista restrito a condutas e contra-condutas acaba apanhado na rede das blindagens, nos pluralismos actuais da sociedade de controle, na globalização e nas alternativas à globalização, e acaba conformado na retórica de apóstolos da teoria da jaula!
Contra jaulas e aprisionamentos em teorias, independências, identidades, condutas, espaços e existências que tal experimentar abolir o castigo em si próprio, seguir pensamentos próprios? Não há estilo de vida que não seja social, mas há muito social sem estilo (fluxo onde se alojam os parasitas, os chupins, os ilustres camaleões).
Estamos na era de procriação do jaguar!
http://www.nu-sol.org/hypomnemata/hypomnemata82.html
http://pimentanegra.blogspot.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário