terça-feira, março 27, 2007

A premissa naturalista

Num comentário recente, Jónatas Machado propôs que:

«na questão das origens, uma vez adoptadas premissas naturalistas para a interpretação dos dados empíricos, os resultados só podem ser evolucionistas. Ou seja, o evolucionismo encontra-se pré-programado nas premissas naturalistas.»

Isto é falso a vários níveis. Por exemplo, se existissem apenas fósseis iguais às espécies modernas e as populações não mudassem ao longo do tempo o resultado nunca seria a evolução. Esta conclusão não depende das premissas, mas das evidências. Mas o que me preocupa na afirmação de Jónatas Machado é a ideia que uma premissa naturalista impede a ciência de considerar qualquer hipótese não naturalista. Preocupa-me porque muitos dos que praticam ciência concordam com isto, apesar de me parecer evidentemente falso.

Há seis mil anos, um milagre sobrenatural criou uma batelada de água que inundou a Terra durante 40 dias. Outro milagre pôs tudo sequinho como antes, mas entretanto o dilúvio extinguiu muitas espécies e criou o registo fóssil. Esta é uma hipótese não naturalista, mas a ciência não tem qualquer problema em avaliá-la. E rejeitá-la, por ser contrária às evidências. Há muitas formações geológicas incompatíveis com este dilúvio, uma inundação nunca poderia ter separado os grãos de pólen de acordo com as espécies de plantas, e assim por diante.

Pode-se contrapor que aqui a ciência aborda apenas a parte naturalista da hipótese – a água, os fósseis, a geologia – e que ignora a parte do milagre. Isto é um erro de método, pois só podemos avaliar uma hipótese como parte de um modelo coerente e não como um pedaço autónomo. Mas é fácil ver que esta objecção é irrelevante substituindo o milagre sobrenatural por uma causa natural. Por exemplo, pela intervenção de extraterrestres com tecnologia avançada que trouxeram e levaram a água do dilúvio sem violar leis da natureza.

Podemos levar este modelo mais longe. Os extraterrestres inundaram a Terra, levaram a água, modificaram o registo fóssil, reorganizaram os estratos geológicos e até manipularam as proporções de elementos radioactivos nas rochas para disfarçar o dilúvio e fazer parecer que a Terra tem milhares de milhões de anos. Tudo o que observamos é o resultado destes poderosíssimos criadores (100% naturais) que criaram a Terra há dez mil anos atrás. Este modelo já está fora da ciência. Não porque tenha algo de sobrenatural, mas porque não tem ponta por onde se lhe pegue. Não prevê nada, não informa, não serve como conhecimento.

É só por isto que se exclui da ciência muitos modelos sobrenaturais. Não pelas cinco letrinhas «s-o-b-r-e», mas porque não servem para nada. Tal como muitos modelos naturais. Muitas ideias acerca de OVNIs e coisas que tal são naturalistas mas igualmente disparatadas e igualmente ignoradas pela ciência. É só esse o critério: se o modelo pode ser confrontado com observações e por isso usado para prever observações, então é ciência. Senão, é perda de tempo.

Não há qualquer premissa naturalista na ciência. Pelo contrário, é a ideia de distinguir o natural do sobrenatural que parte de uma premissa dualista, a premissa que o universo se divide em dois tipos de coisas. Espirito e matéria, criação e criador, sobrenatural e natural. Esta premissa cria o falso problema de tentar distinguir categorias que, tanto quanto vemos, são indistintas. O que a ciência faz, e bem, é não assumir o dualismo. Não há qualquer razão para o fazer, nem para se ralar com a nomenclatura inventada pelos crentes no dualismo. O que importa é apenas ver se os modelos propostos servem para alguma coisa. Mas disso falarei mais adiante.
Por Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/

Sem comentários: