O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) estão nervosos porque na América Latina se está a gestar uma entidade financeira que pode aumentar os problemas que essas duas organizações mundiais estão a sofrer.
No final de Fevereiro, durante uma visita realizada pelo presidente argentino Néstor Kirchner a Caracas, o seu homólogo venezuelano, Hugo Chávez anunciou que esses dois governos estabeleceram um prazo de 120 dias para a construção do Banco do Sul.
Chávez explicou que no final desse prazo deverá existir já um plano de acção, «tendo em vista a criação dos estatutos, bem como o plano de execução para um quinquénio, o programa de captação de recursos e a estimativa do capital inicial».
O governo venezuelano está pronto para mobilizar pelo menos 10 % das suas reservas para esse fim e o seu presidente tem exortado a que outros países façam o mesmo para formar um banco, que começará modesto, mas que em poucos anos, «tornará dispensáveis o FMI ou o BM, e o andar a mendigar pelo mundo».
Durante a reunião Kirchner-Chávez, ficou a saber-se que o documento base para a fundação do Banco do Sul possui todo um fundamento do ponto de vista ético, económico, político e social e que a sede principal ficará em Caracas e em Buenos Aires. As directivas do projecto oferecem facilidades para que os demais governos possam juntar se a esta iniciativa em qualquer momento das suas fases, o que permitirá uma maior integração latino americana.
O ministro equatoriano da Economia, Ricardo Patiño, assegurou que o Banco do Sul será uma realidade em poucos meses e que o seu país, tal como a Bolívia, aderirá a esse organismo que funcionará com recursos das nações integrantes.
É inegável que o Banco do Sul constitui uma perspectiva financeira regional emancipadora, contraposta às actividades do FMI e do BM.
É prática corrente que os governos coloquem as suas poupanças nos bancos do Norte, que pagam uma taxa de juros de 1% ou 2%, para imediatamente emprestar esse mesmo dinheiro com taxas de 6% a 12%.
Actualmente existe uma conjuntura favorável para que os países em desenvolvimento (PED) possam seguir uma política independente em relação às nações capitalistas mais industrializadas, pois nos últimos anos os PED elevaram consideravelmente as suas reservas internacionais.
Calcula-se que só as reservas da Venezuela, da Argentina e do Brasil, em conjunto, cheguem a 100.000 milhões de dólares. A decisão de fundar o Banco, como é lógico, é já um motivo de preocupação para os organismos financeiros internacionais e para os países industrializados, pois, na prática, os mais pobres e numerosos emprestam dinheiro aos poderosos.
O Banco Mundial reconheceu essa realidade ao assinalar nos seus relatórios anuais, e especificamente os de 2003, 2005 e 2006, intitulados Global Development Finance, que «Os países em desenvolvimento, tomados no seu conjunto, são prestamistas brutos em relação aos desenvolvidos» e que os primeiros «exportam capitais para o resto do mundo, em particular para os Estados Unidos».
Eric Toussaint, presidente do Comité para a Anulação da Dívida Externa do Terceiro Mundo (CADTM), num estudo sobre o tema, explica que a maior parte dos PED compra títulos do Tesouro dos EUA, com o argumento de que estes têm muita liquidez e podem ser vendidos facilmente. Os PED contribuem assim para sustentar a potência do império americano.
«Os PED põem nas mãos do amo o garrote que este usa para castigá-los e espoliá-los, pois os Estados Unidos têm uma necessidade vital de financiamento externo para cobrir os seus enormes défices e manter o seu poderio militar, comercial e financeiro. Se se vissem privados de uma parte significativa desses empréstimos, o seu predomínio ficaria debilitado», assinala Toussaint.
Desde há vários anos, a cotação do dólar evolui em baixa e os títulos são remunerados com moeda desvalorizada, e portanto seria mais benéfico investir no desenvolvimento social desses povos.
O FMI está a enfrentar dificuldades financeiras a curto prazo, com um défice de 105 milhões de dólares acima do previsto neste ano fiscal, uma coisa que não acontecia desde 1985, quando vários países declararam uma moratória do pagamento das dívidas.
O motivo agora é muito diferente e deve-se aos pagamentos adiantados que alguns países-membros têm vindo a realizar com o objectivo de irem reduzindo as suas dívidas, e para o qual utilizaram parte das suas reservas internacionais.
Esta situação não é nova, começou durante a crise asiática de finais da década de 90, quando os afectados decidiram cumprir as suas obrigações creditícias em troca de um menor controlo por parte do FMI.
Tanto o FMI, como o BM e outras instituições financeiras mundiais dominadas pelos países desenvolvidos, concedem empréstimos sob a condição de que sejam cumpridas estritamente as recomendações de política económica sugeridas por essas instituições, as quais sempre vão em detrimento das estratégias sociais a favor das populações endividadas.
Brasil, Argentina e Uruguai efectuaram pagamentos adiantados de 25.000 milhões de dólares (para evitar os enormes juros). O mesmo fizeram a Sérvia e a Indonésia, e outros, como a Colômbia, o Chile, o México, o Peru e a Venezuela, obtiveram linhas de crédito mas não as utilizaram.
Desde a fundação do FMI e do BM em 1944, estes organismos foram instrumentos de dominação das nações poderosas, que impuseram na região infelizes políticas neocoloniais, neoliberais e de livre comércio, em detrimento das grandes maiorias.
Perante essa indesmentível realidade, surge o projecto de criação do Banco do Sul que, com uma vocação multilateral, aponta para a necessária integração latino-americana.
Durante a sua visita a Caracas, Kirchner sublinhou que esta instituição deverá ser uma entidade financeira com características e filosofias diferentes à das sedes bancárias internacionais, que também nasceram com o objectivo de promover investimento e que no decorrer dos anos se converteram «num verdadeiro castigo para os povos».
O Banco do Sul, juntamente com a alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), é outro despertar emancipador para as nações da América Latina.
Hedelberto López Blanch
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http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo218.htm
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