Alguns órgãos de comunicação social vivem numa situação de aparente esquizofrenia, que só os mais ingénuos acreditarão ser mera pluralidade de opiniões. A situação é mais complicada do que iso. O Expresso é o exemplo mais flagrante. Na edição de hoje, na qual se revela que José Sócrates requereu equivalências a um reitor que não o era (eu bem dizia que aquela carta surgia sem sinais que validassem qualquer entrada nos serviços de uma universidade) mesmo sendo obrigados a reconhecer que as explicações de José Sócrates têm mais buracos que um camaroeiro dos antigos, são vários os opinadores que pedem à populaça para deixar o engenheiro em paz, que é preciso governar o país: Fernando Madrinha, Miguel Sousa Tavares e Nicolau Santos parecem tirar a regra e esquadro o mesmo tipo de l ógica pífia que nunca serviu para Santana Lopes. O Primeiro-Ministro explicou-se, e pelo mero acto de explicar-se a coisa está resolvida. Não interessa nada se a explicação é congruente ou sequer verosímil. Basta enunciar a explicação e pronto, deixemos isso que o país espera por álguém que o governe.
Mesmo se o Público divulgou novos elementos, que se juntam aos anteriores, motivando novas perplexidades. Como, por exemplo, é possível que existam documentos datados de 96 com referência a códigos postais então inexistentes.
Entre todos o que desenvolve argumentação mais caricata - e olhem que a disputa é acesa entre os três concorrentes - é Nicolau Santos, o mesmo que há semanas dizia que este não era assunto de que merecesse atenção e agora levou com o tema em duas primeiras páginas seguidas no jornal que ajuda (?) a dirigir. Na última coluna da sua prosa desta semana no caderno de Economia, com o título de “Por favor, podemos voltar a preocupar-nos com o país?” lê-se o seguinte:
Há quem fale em falta de carácter ou traços de personalidade que só agora se tornam evidentes. E então? O que se faz? Sócrates não foi eleito pela personalidade, pelos cursos que tem ou não tem, mas pelas propostas que apresentou ao eleitorado e pelas quais foi sufragado. E daí lhe vem a legitimidade.
Mas este homem (Nicolau Santos) está bom da cabeça? Então as questões de falta de carácter não interessam nada - há que dar-lhe reler as suas prosas sobre Santana Lopes - e o que interessa é que Sócrates foi eleito pelas propostas que apresentou? E será que alguém acha que Sócrates está a cumprir as suas promessas mais tronitruantes? Os 150.000 empregos? O choque tecnológico? O não aumento de impostos?
Ó meu caro Nicolau Santos, eu acho que o uso prolongado de laçarote lhe terá reduzido a oxigenação do cérebro, porque se há matéria em que a legitimidade de Sócrates não está é exactamente no cumprimento das propostas apresentadas ao eleitorado. Aquelas com direito a outdoor, que ninguém foi ler as coisinhas miúdas de um programa eleitoral formulado de maneira a tudo por lá caber.
E se incumprimento das propostas eleitorais há muito que revela deficiências do carácter “político” que por cá passa por ser coisa diferente do carácter pessoal, agora percebe-se que mesmo em algo tão simples como a produção de um currículo há trapalhada sobre trapalhada e que mesmo o processo de construção desse currículo é uma peneira que não tapa Sol nenhum (então a UnI era mais prestigiada que o ISEL? e não se lembrava dos professores que teve na UnI, saendo que um já tinha sido docente no ISEL e se tornou elemento nomeado pelo governo de que fazia parte?), será que Nicolau Santos acha que esta é a pessoa certa para conduzir os destinos do país? Será que se importava de explicar exactamente no que se baseia para tal asserção? No currículo? Na frontalidade e transparência com que enfrenta as dificuldades? No rigor da sua acção?
Acredito que quem fez o possível por desbravar o caminho a Sócrates, que até ajudou na produção da imagem de alguém rigoroso e certo para o país, tenha dificuldade em admitir que ou apostou no homem errado ou foi redondamente enganado. Mas, por favor, se falta a coragem para admitir isso, ao menos que se calem, assobiem para o lado e não encubram o que é óbvio com argumentações que só desprestigiam e descredibilizam que as produz.
Nos EUA foram coisas destas que, no caso de políticos como Trent Lott e John Kerry ou de jornalistas como Dan Rather, levaram a que em 2004 a blogosfera se tornasse um meio de comunicação e informação crescentemente mais credível em relação aos meios de comunicação social e aos jornalistas ditos e tidos como sérios. Leia-se a obra Blog-Understanding the Information Reformation that’s changing your world de Hugh Hewitt e, descontando-se o alinhamento partidário e ideológico assumido, perceber-se-ão duas ou três coisas essenciais:
• O carácter dos políticos é relevante e tanto o é mais quanto as suas práticas conflituem com os princípios assumidos.
• Os meios de comunicação tradicionais perdem credibilidade ao acharem que estão acima de determinados temas e só os cavalgando quando é impossível não o fazer, pressionados pela blogosfera.
• Os jornalistas “de referência” deixam de o seu quando se refugiam em torres de marfim, reclamando-se de uma autoridade moral e superioridade de julgamento perfeitamente insubstanciadas, procurando iludir o óbvio em defesa de algo que custa a perceber e não é certamente o interesse público, esse conceito escorregadio e de uso demagógico.
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