Um dos nossos leitores, teve a gentileza de nos informar que o Ciência Hoje, supostamente um jornal online de ciência, publicou os delírios criacionistas de Jónatas Machado, uma pérola redonda de exegese evangélica pomposamente intitulada «O paradigma naturalista».
A publicação deste dislate deu-me ensejo para continuar a expôr o criacionismo puro e duro, versão Terra jovem, como defendida pelo devoto jurista. Depois de explicada a génese do criacionismo verificaremos agora que este não evoluiu, apenas embrulhou a «visão» original de Ellen Gould White num invólucro mais atraente, o criacionismo anti científico.
Como já referi, os mentores da primeira ofensiva criacionista disfarçada de ciência, o oxímoro criacionismo científico, são o primeiro presidente do Institute for Creation Research, ICR, Henry Morris, e John C. Whitcomb, Jr., o teólogo que o arregimentou para a causa criacionista.
Em 1961, Morris e Whitcomb publicaram o livro «The Genesis Flood», designado por Stephen Jay Gould como «o documento fundador do movimento criacionista», em que é citado George McCready Price, o tal autodidacta que traduziu em livro o transe da fundadora dos Adventistas do 7º dia. O livro é uma demonstração do empenho de Morris em «provar» que o Génesis é factual, «um livro da verdade histórica, independentemente dos problemas científicos ou cronológicos que tal acarreta». Morris acreditava que os cristãos que consideram alegórico o Génesis não se apercebem que tal «mina o resto das Escrituras. Se Adão não é um personagem real, então o 2º Adão não é real e não há necessidade de um Salvador».
Para dar conta dos tais «problemas científicos e cronológicos» no que à geologia diz respeito, os autores inventam um nonsense a que chamam «catastrofismo bíblico», propagado até hoje em imbecilidades nunca antes imaginadas como a Tectónica de Placas Catastrófica - que, de forma absolutamente hilariante, pretende explicar como em meia dúzia de dias se separaram os continentes e se formaram cadeias montanhosas como os Alpes ou os Himalaias - ou a sismografia apocaliptíca.
Mas a pérola de todos os dislates é talvez a forma «airosa» como os autores resolveram Génesis I: 6-7: 6- E disse Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas; 7- Fez, pois, Deus o firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento. E assim foi.
Que levantava um problema sobre o que cargas de água seriam aquelas que ficavam debaixo do firmamento. Especialmente porque a leitura literal do Génesis nos seus pontos 2:5 e 2:6 excluía nuvens, já que as referidas revelações dizem claramente que «o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra» e que era «um vapor» que «subia da terra» o responsável pela rega de «toda a face da terra».
A solução encontrada por Morris foi rodear a Terra por uma bolha gigantesca e invísivel de água «divina» que assumiu essa disposição mercê da «criatividade» igualmente divina, que supostamente só sujeitou a água às leis da física no pós-dilúvio. Uma alfinetada na dita bolha foi quanto bastou a Deus para despoletar o Dilúvio, naqueles tempos em que o criador brincava com a gravidade, forças intermoleculares e demais leis naturais que hoje enganam os mais cientificamente informados.
Aliás, a inexplicável insistência dos cientistas nas continuidades histórica e das leis da física - com que, por exemplo, datam biblicamente «impossíveis» rochas e fósseis - é carpida por Morris como sendo assente em «pressupostos tão dogmáticos como os nossos». Dogmas que não aceitam, por exemplo, que a segunda lei da termodinâmica só tenha sido «inventada» por Deus pós-Criação ou que as constantes físicas, como a velocidade da luz, constante de Planck ou a constante de Newton tenham variado por milagre. E especialmente não aceitam que Deus pode intervir a nível das forças nucleares, aumentando vertiginosamente o tempo de meia vida, isto é, diminuindo muitas ordens de grandeza a constante de decaimento radioactivo, dos isótopos utilizados nos métodos de datação. Só não percebo se esta intervenção na interacção nuclear fraca se verificou só na Terra pré-diluviana ou se Deus até ao Dilúvio andou a dar uma ajudinha às estrelas consubstanciado imaterialmente em bosões de vector...
Claro que são igualmente dogmas ateus que impedem os cientistas de aceitar que o registo fóssil é uma consequência do Dilúvio, e apenas um milagre, estranhamente em completa discordância com o proposto por Morris , justifica, por exemplo, que todas as trilobites surjam nos estratos inferiores sem vestígios do Homo Diluvii testis. Não importa que um dos mais vocais denunciadores destes dislates fósseis seja o biólogo católico Kenneth R. Miller...
Não obstante no livro de 1974 «Troubled Waters of Evolution» Morris considerar que «É mais produtivo encarar a Bíblia literalmente e depois interpretar os factos reais da ciência dentro do seu enquadramento de revelação» já que, como tinha apontado em 1961, «O cristão instruído sabe que as evidências para uma completa inspiração divina das Escrituras têm muito mais peso do que as evidências para qualquer facto da ciência», Morris tentou vender o seu livro Scientific Creationism como puramente secular e científico e como tal perfeitamente apropriado para uso nas salas de aula das escolas públicas americanas.
Isto é, expurgou Deus do texto original substituindo-o por um «criador» anónimo, transformando «No princípio, Deus criou os céus e a terra» em «No princípio, um certo Criador cujo nome a 1ª Emenda não nos permite mencionar criou os céus e a terra», o que, segundo os criacionistas, transforma igualmente este amontoado de inanidades num livro científico. A mesma táctica usada umas décadas depois com a IDiotia ou desenho inteligente, como iremos ver.
Palmira F. da Silva
http://dererummundi.blogspot.com/
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