quarta-feira, abril 18, 2007

Dimensões da Razão

O Papa Bento XVI juntou-se ao crescente grupo dos que criticam a teoria da evolução sem perceber o que é a evolução, a teoria, ou mesmo a ciência (1). Os erros são os do costume. Antropomorfismo («quem é esta ‘natureza’ ou ‘evolução’ como sujeitos?»), confundir selecção natural com acaso, evolução como visando um propósito racional, e até a tal argolada de não poder ser provado porque não se pode fazer em laboratório.

Esta merece um comentário. Não testamos uma ponte de três quilómetros num laboratório com rio, vento e tempestades durante trinta anos. A ciência permite extrapolar do estudo detalhado dos materiais a pequena escala o que vai acontecer à ponte mesmo antes de a construir. Todos os dias críticos da ciência como o Papa confiam a vida a edifícios e máquinas que foram testados desta forma, por extrapolação. E têm uma fé tão inquestionável na ciência que nem se apercebem dela. Conduzem na auto estrada a 120km/h com mais confiança que teriam se o carro tivesse sido construído por inspiração divina.

Mas o que me traz aqui são as «diferentes dimensões da razão», uma ideia que este Papa gosta muito. Diz que há certas perguntas que estão fora do domínio da ciência, só podem ser respondidas pela filosofia, e não podem deixar de fora a fé. Ora isto não faz sentido. Todas as questões filosóficas que foram respondidas foram respondidas pela ciência. É esta a relação histórica entre filosofia e ciência. A filosofia perguntou de que era feita a matéria, o que é o espaço e o tempo, se as coisas mudam ou se a mudança é ilusória, se tudo tem causa, e assim por diante, e a ciência foi respondendo conforme foi revelando o suficiente acerca do universo para colocar estas perguntas de uma forma concreta, detalhada, e testável.

A filosofia ainda tem muitas perguntas sem resposta, acerca da ética, da consciência, do conhecimento e até acerca da ciência e da filosofia em si. Mas em geral a filosofia coloca perguntas, não dá respostas. Não sabemos as coisas por especulação filosófica, mas sim por investigação científica. E a fé, por muito que a tentem enfiar no processo, nunca deu qualquer contributo. Martela sempre na mesma tecla, que está cada vez mais gasta.

Bento XVI aceita com relutância a teoria da evolução, que diz que todas as espécies modernas surgiram por um processo natural, cego, sem propósito. Ao mesmo tempo diz que há outra dimensão da razão em que foi exactamente o contrário. É tão absurdo como aceitar a astronomia moderna e defender que, noutra dimensão da razão, a Terra está no centro do universo, é plana, e assenta em quatro elefantes e uma tartaruga.

Não há várias dimensões da razão. Há apenas a necessidade de alguns de arranjar um cantinho onde esconder as suas superstições das evidências que as refutam. E isso não é razão; é precisamente o contrário.

1- Reuters, 11-4-07, Pope says science too narrow to explain creation
Por Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/

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