quarta-feira, abril 04, 2007

Foi um grande concerto de solidariedade!

Na semana do 4º aniversário da agressão ao Iraque e da resistência do povo iraquiano, realizaram-se três iniciativas em Lisboa – além de outros actos públicos no Porto e em Évora. Na terça-feira, dia 20, no Rossio (Lisboa), centenas de manifestantes denunciaram o crime imperialista e a conivência dos governos portugueses. No sábado 24, na Casa do Alentejo (Lisboa), realizou-se um debate em que foram oradores convidados o historiador António Louçã, o físico Rui Namorado Rosa, Carlos Carvalho (da CGTP), Silas Cerqueira (do CPPC) e o arquitecto Manuel Raposo (do Tribunal-Iraque). Ambas estas iniciativas foram convocadas por dezenas de organizações políticas, sindicais e sociais.

Na sexta-feira dia 23, na sala grande do Cinema São Jorge (Lisboa), realizou-se o concerto “Canções pelo Iraque”, promovido pelo Tribunal-Iraque, que foi um grande êxito sob todos os aspectos.

Perante uma casa completamente esgotada (muita gente ficou à porta sem conseguir bilhete), um leque de artistas que nunca tinham estado juntos num palco – Jorge Palma, Paulo de Carvalho, José Mário Branco, Camané, Pedro Abrunhosa, Fausto e Luís Represas – empolgaram a assistência com belíssimas canções – e uma alegria e uma combatividade que não se viam nestas coisas há muitos anos. O cineasta e encenador Jorge Silva Melo e a actriz Rita Blanco leram duas mensagens enviadas expressamente para o evento pelo Professor Eduardo Lourenço e pelo grande cientista e lutador estadunidense Noam Chomsky; leram também dois poemas, do dramaturgo Harold Pinter (Prémio Nobel da Literatura) e do poeta palestiniano Mahmud Darwish. Pacman (Da Weasel) enviou uma mensagem gravada explicando que só não estava presente por motivos de força maior; e também Rui Veloso, por motivos de saúde.

Esta noite memorável acabou com todos os artistas em palco, cantando com o público “O que faz falta” e “Venham mais cinco” de José Afonso. Num grande telão que serviu de cenário podia-se ler: “Canções pelo Iraque – Quatro anos de ocupação – Quatro anos de resistência”.

Os profissionais participantes – artistas, técnicos, o gráfico que concebeu os cartazes, a tipografia que os imprimiu, a empresa de som e luz, a empresa que alugou o piano, a equipa de dez jovens cineastas que filmaram o evento – todos intervieram gratuitamente em solidariedade para com a resistência iraquiana. Permitiram assim que o Tribunal-Iraque cobrasse um preço barato pelos bilhetes, apenas para garantir o pagamento das despesas.

MENSAGEM DO PROFESSOR EDUARDO LOURENÇO

QUATRO ANOS A MAIS

Há quatro anos que estamos fora da História. Graças aos Estados Unidos que pensavam ser os donos dela e mesmo pôr-lhe fim enquanto Messias da Democracia. O resultado está à vista: estamos em pleno caos, criado em nome dessa mesma Democracia. Os nossos vizinhos sugerem-nos que levemos a tribunal o famoso “trio dos Açores” – que são quatro, como os mosqueteiros. Nós somos mais suaves. Contentamo-nos com o registo da falência espectacular de George Bush. Ao fim destes anos, o Iraque é uma mancha de sangue conscientemente programada e uma chaga política e ética ainda em aberto.

O Iraque não é o novo Vietname da América. E se fosse, em nada isso reforçaria a visão democrática de que os Estados Unidos se imaginam os únicos apóstolos. Só a América mesma pode sair do atoleiro sangrento que a actual administração inventou para salvar o mundo à sua maneira. Não o tem salvo e perdeu a sua alma por alguns barris de petróleo. Outra América reprogramará esse mau filme. Como Clint Eastwood acaba de fazer com as “Cartas de Iwo Jima”. Esta é a América universalista de Walt Whitman. A que nós amamos na literatura, no cinema e na vida, não a que arrasta o Ocidente inteiro nos seu delírios imperiais sem futuro. Nem para ela nem para ninguém.

Eduardo Lourenço
Vence, 23 de Março de 2007

MENSAGEM DO PROFESSOR NOAM CHOMSKY (EUA)

O Iraque foi massacrado pelo Ocidente. Primeiro pela Grã-Bretanha, mais recentemente pelos Estados Unidos e pelos seus aliados, desde que o país foi criado pela violência britânica depois da primeira guerra mundial, com fronteiras impostas pelos interesses britânicos e não da população.

Desde então, a lista é terrível e vergonhosa. E ela inclui o firme apoio a Saddam Hussein pelos governos de Thatcher, Reagan e Bush, nomeadamente o apoio ao desenvolvimento de armas de destruição massiva e à agressão assassina contra o Irão.

O apoio prosseguiu sem falhas depois de os Estados Unidos terem ajudado o seu amigo Saddam a ganhar essa guerra e continuou efectivamente depois da primeira Guerra do Golfo, quando o governo de Bush Pai autorizou Saddam a esmagar uma revolta Chiita que quase o destronou, tendo preferido Hussein a um Iraque governado pelos iraquianos.

Seguiu-se o regime de sanções britânicas e americanas que matou centenas de milhares de civis, destruiu a sociedade civil, reforçou a tirania, obrigou a população a depositar no tirano a sua esperança de sobrevivência, e muito provavelmente o salvou do destino de muitos outros gangsters e torturadores como ele, apoiados pela Grã Bretanha e pelos Estados Unidos até ao fim do seu reino sangrento: Ceausescu, Suharto, Marcos, e uma incomensurável galeria de patifes, à qual permanentemente se vêm juntar novos nomes.

Veio depois a invasão britânica e americana, uma agressão criminosa que transformou o que ficara do Iraque numa terra devastada.

Bem podemos evocar o julgamento de Nuremberga, a fundação do moderno direito internacional que definiu a agressão como o “supremo crime internacional” que gera todo o mal que dela decorre.

Todo o mal, incluindo os crimes de guerra americanos em Fallujah e Abu Ghraib, as odiosas matanças sectárias que resultam da invasão, a imensa fuga de refugiados do país em ruínas e muito mais.

Chegados aos dias de hoje, os Estados Unidos, o Reino Unido e os seus aliados recusam se simplesmente a aceitar a sua responsabilidade de agressores: a pagar reparações às vitimas (que incluem as das sanções e outros crimes), a julgar os responsáveis e a ouvir a vontade das vítimas.

O governo dos Estados Unidos, a classe política e os meios de informação sabem muito bem o que querem os iraquianos. Sondagens realizadas pelos Estados Unidos indicam que dois terços dos habitantes de Bagdade querem que o exército ocupante saia imediatamente e a grande maioria dos restantes querem um calendário claro da retirada dentro de um ano ou menos.

A opinião pública do Iraque não é tida em conta, tal como a opinião pública espanhola o não foi quando Aznar se juntou a Bush e Blair na cimeira dos Açores para anunciar a guerra, com o apoio de 2% do povo espanhol.

Há muitos problemas no mundo – mas alguns dos mais graves estão nos mais poderosos estados do Ocidente – o que é uma conclusão optimista, pois significa que podemos fazer bastantes coisas para os resolver, se o quisermos.

Noam Chomsky

POEMA DO POETA PALESTINIANO MAHMUD DARWISH

VÃO-SE EMBORA

Passageiros entre palavras fugazes:
carreguem os vossos nomes e vão-se embora,
Cancelem as vossas horas do nosso tempo e vão-se embora,
Levem o que quiserem do azul do mar
E da areia da memória,
Tirem todas as fotos que vos apetecer para saberem
O que nunca saberão:
Como as pedras da nossa terra
Constróem o tecto do céu.

Passageiros entre palavras fugazes:
Vocês têm espadas, nós o sangue,
Têm o aço e o fogo, nós a carne,
Têm outro tanque, nós as pedras,
Têm gases lacrimogéneos, nós a chuva,
Mas o céu e o ar
São os mesmos para todos.
Levem uma porção do nosso sangue e vão-se embora,
Entrem na festa, jantem e dancem…
Depois vão-se embora
Para nós cuidarmos das rosas dos mártires
E vivermos como queremos.

Passageiros entre palavras fugazes:
Como poeira amarga, passem por onde quiserem, mas
Não passem entre nós como insectos voadores
Porque temos guardada a colheita da nossa terra.
Temos trigo que semeámos e regámos com o orvalho dos nossos corpos
E temos aqui o que não vos agrada:
Pedras e pudor.
Se quiserem, levem o passado ao mercado de antiguidades
E devolvam o esqueleto à poupa
Numa travessa de porcelana.
Temos o que não vos agrada: o futuro
E o que semeamos na nossa terra.

Passageiros entre palavras fugazes:
Amontoem as vossas fantasias numa sepultura abandonada e vão-se embora,
Devolvam os ponteiros do tempo à lei do bezerro de ouro
Ou ao horário musical do revólver
Porque aqui temos o que não vos agrada. Vão-se embora.
E temos o que não vos pertence:
Uma pátria e um povo exangue,
Um país útil para o olvido e para a memória.

Passageiros entre palavras fugazes:
É hora de vocês se irem embora.
Fiquem onde quiserem, mas não entre nós.
É hora de se irem embora
Para morrerem onde quiserem, mas não entre nós
Porque nós temos trabalho na nossa terra
E aqui temos o passado,
A voz inicial da vida,
E temos o presente e o futuro,
Aqui temos esta vida e a outra.
Vão-se embora da nossa terra,
Da nossa terra, do nosso mar,
Do nosso trigo, do nosso sal, das nossas feridas,
De tudo… vão-se embora
Das recordações da memória,
Passageiros entre palavras fugazes.

Mahmud Darwish é um símbolo da cultura da Palestina e um dos maiores poetas árabes contemporâneos. Os seus livros circulam aos milhares em todos os países árabes e os estádios enchem-se para ouvir os seus recitais poéticos. Uma das maiores esperanças do poeta, actualmente a viver entre a Jordânia e a Cisjordânia, é poder voltar um dia à sua terra natal, a Galileia, onde nasceu em 1942.

UM POEMA DE HAROLD PINTER (PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 2005)

MORTE

Onde foi o corpo morto encontrado?
Quem encontrou o corpo morto?
Estava morto o corpo morto quando foi encontrado?
Como foi o corpo morto encontrado?

Quem era o corpo morto?

Quem era o pai ou filha ou irmão
Ou tio ou irmã ou mãe ou filho
Do corpo morto e abandonado?

Estava morto o corpo quando foi abandonado?
O corpo foi abandonado?
Por quem foi ele abandonado?

Estava o corpo morto nu ou vestido para viagem?

O que te fez declarar morto o corpo morto?
Declaraste morto o corpo morto?
Conhecias bem o corpo morto?
Como soubeste que o corpo morto estava morto?

Será que lavaste o corpo morto
Será que lhe fechaste ambos os olhos
Será que enterraste o corpo
Será que o deixaste abandonado
Será que beijaste o corpo morto

(Tradução de Pedro Marques e Jorge Silva Melo)
http://www.infoalternativa.org/cultura/cultura041.htm

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