terça-feira, abril 17, 2007

Fundamentalismo e relativismo

Uma das razões que explica o recente ressurgimento de manifestações de fundamentalismo religioso, vistas por muitos crentes mais sofisticados como uma forma inaceitável de religiosidade, é o pensamento pós-modernista, multiculturalista, relativista e falsamente crítico e libertador. Wolin tem sido um dos autores que mais se tem dedicado a analisar esta plêiade de ideias que, sob a aparência de radical crítica à sociedade contemporânea, são de facto profundamente conservadoras, dando abrigo a todos os tipos de fundamentalismos obscurantistas. Ao fazer a crítica dos ideais do iluminismo, crítica muitas vezes interessante, alguns pensadores pós-modernistas acabaram por radicalizar de tal forma as coisas que hoje é de bom tom, nos meios académicos e culturais mais frágeis, declarar que o Big Bang e os mitos gregos da criação estão ao mesmo nível — são ambos mitos.

A mundividência subjacente a estas ideias permite que qualquer tolice, que há trinta anos seria considerada mero conto de fadas, seja hoje encarada com seriedade, porque é uma “manifestação cultural” — e as manifestações culturais são tão boas umas como outras. Já em 1947, aquando da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Associação Antropológica Americana se declarou contra tal declaração por ser etnocêntrica. Na altura, isto caiu em saco roto, porque estas ideias relativistas eram ainda uma coqueluche de antropólogos. Hoje, estas ideias tornaram-se comuns — e é previsível que a Declaração não seria hoje aprovada por todas as nações, como o foi na altura, sem oposição.

Uma das consequências deste estado de coisas é que o pensamento fundamentalista, tradicionalista, irracionalista e ditatorial tem o campo aberto — pois as correntes de pensamento que tradicionalmente lutavam pela libertação dos seres humanos do jugo dos preconceitos e da irracionalidade são hoje os grandes aliados desse mesmo pensamento.

É hoje mais fácil combater o obscurantismo e o irracionalismo ao lado de pessoas religiosas mas que vivem a sua religiosidade de forma sofisticada e aberta, do que ao lado de quem adoptou as ideias relativistas, multiculturalistas e pós-modernistas. Pelo menos os primeiros têm a vantagem, que não é pequena, de aceitar que o modus ponens não é uma mera ficção cultural opressora.
Desidério Murcho
http://dererummundi.blogspot.com/

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