Baltasar Garzón, o juiz espanhol que tentou levar a tribunal o ditador chileno, general Augusto Pinochet, pediu que o presidente estadunidense George W. Bush e os seus aliados sejam julgados por crimes de guerra no Iraque.
Em declarações ao El Pais no dia do quarto aniversário da invasão, Garzón afirmou: «Hoje, 20 de Março, cumpre se o quarto aniversário do início da guerra no Iraque. Desencadeada pelos Estados Unidos e pela Grã Bretanha, e apoiada pela Espanha e outros países, foi o começo um dos episódios mais sórdidos e injustificáveis da história recente da humanidade».
«Violando todas as leis internacionais e a pretexto de uma guerra contra o terrorismo, está-se a dar um ataque devastador, em curso desde 2003, contra o Estado de direito e contra a própria essência da comunidade internacional. Na sua esteira, instituições como as Nações Unidas foram estraçalhadas e ainda não se refizeram disso.»
«Em vez de comemorar a guerra», continuou Garzón, «deveríamos sentir-nos horrorizados, e gritar e protestar contra o actual massacre provocado por esta guerra».
Escreve a seguir que George W. Bush e os seus aliados deveriam mesmo ser acusados de crimes de guerra pelas suas acções no Iraque: «Dever-se-ia estudar com mais atenção a eventual responsabilidade penal das pessoas que são, ou foram, responsáveis por esta guerra e verificar se existem provas suficientes para responderem por isso».
«Muita gente pensa que é uma questão de responsabilidade política, mas começam a emergir processos judiciais nos Estados Unidos, caso de um julgamento efectuado contra um dos colaboradores do vice presidente Cheney [I. Lewis Libby} que apontam noutro sentido».
«Os 650.000 mortos legitimam, só por si, a abertura desse inquérito judicial e dessa instrução o mais rapidamente possível», acrescentou.
Garzón endereçou a seguir fortes críticas ao ex-primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, que se juntou ao primeiro ministro britânico, Tony Blair, no apoio à guerra de agressão contra o Iraque.
«Os que se puseram ao lado do presidente norte-americano têm tanta, senão mais responsabilidade do que ele porque, a despeito das suas dúvidas e informações tendenciosas, se lançaram nos braços do agressor para perpetrar esse acto ignóbil de morte e destruição, que ainda prossegue hoje».
Aznar continua a defender a invasão do Iraque. Reconheceu contra vontade no mês passado que sabia agora que Saddam Hussein não tinha armas de destruição massiva, mas acrescentou que «o problema foi não ter sido mais clarividente para o saber mais cedo».
Garzón responde no seu artigo: «Se Aznar não sabia o suficiente, deveriam perguntar-lhe porque não agiu com prudência, concedendo uma maior margem de manobra aos inspectores das Nações Unidas em vez de fazer exactamente o contrário, numa submissão e numa fidelidade totais ao presidente Bush».
Temendo a extensão da revolta no Iraque através do Médio Oriente e internacionalmente, Garzón declara que «a acção belicista da América do Norte e dos que a apoiaram provocou, ou pelo menos contribuiu para a criação, o desenvolvimento e a consolidação do maior campo de treino terrorista do mundo… De certo modo, por inconsciência, nós ajudámos e estamos a ajudar esse monstro a crescer cada vez mais e a tornar-se mais forte a cada minuto que passa, de tal modo que provavelmente se tornou invencível».
Garzón investigou todo o género de casos, desde o terrorismo basco aos atentados de Madrid de 11 de Março de 2004, cujos autores presumíveis estão agora a ser julgados. Dirigiu a investigação sobre o grupo terrorista de direita, Grupos Antiterroristas de Libertação (GAL), cuja criação foi atribuída ao governo do Partido Socialista (PSOE) actual. Também proibiu o partido independentista basco, Herri Batasuna, braço político da ETA, o primeiro partido político a ser ilegalizado desde a morte de Franco em 1975.
Em 1996, a União Progressista dos Advogados tinha apresentado queixas por actos criminosos contra os exércitos argentino e chileno pelos desaparecimentos de cidadãos espanhóis durante os regimes ditatoriais que os governavam nos anos ’70 e ’80. Um ano depois, Garzón emitia um mandado de captura em que figurava o capitão da marinha Adolfo Scilingo, que fizera uma confissão televisionada em 1995 acerca dos “voos da morte” durante os quais centenas de detidos eram atirados dos aviões para morrerem no Oceano Atlântico. Scilingo foi preso e detido quando se deslocou voluntariamente a Espanha.
O antigo presidente chileno Pinochet foi preso, com um mandado emitido por Garzón, em 1998 em Londres onde se deslocou para uma consulta médica. Durante meses, o juiz tentou obter a extradição do ditador para Espanha, a fim de o julgar por ter dirigido o golpe de Estado de 1973 que derrubou o presidente Salvador Allende e pelo assassinato de milhares de estudantes e trabalhadores que se lhe seguiu. Também deu a conhecer a sua intenção de interrogar Henry Kissinger, conselheiro de segurança nacional de Richard Nixon, sobre os acontecimentos do Chile, na sequência da desclassificação de documentos do Departamento de Estado e da CIA que davam a perceber que Kissinger estava completamente ao corrente do que se tinha passado.
O facto de uma personalidade judicial internacional falar abertamente de acusação de crimes de guerra contra os dirigentes dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de Espanha é um indício de que, no seu conjunto, a campanha do Iraque está à beira do descalabro. É também uma resposta à oposição crescente em todo o mundo.
Não obstante, foi bem restrita a cobertura mediática concedida a esta declaração, nos Estados Unidos e internacionalmente. Nenhuma publicação considerou de interesse fazer um editorial sobre ela; simplesmente reproduziram ou modificaram ligeiramente um comunicado de imprensa da Reuters.
A expansão da oposição à guerra do Iraque em Espanha é tal que até algumas secções do partido do ex primeiro ministro Aznar, o Partido Popular (PP), declaram publicamente que a participação dele na reunião dos Açores em apoio a Bush na sua decisão de invadir o Iraque foi um erro.
Ao noticiar essas críticas, o jornal de direita El Mundo escreve em 20 de Março: «O PP não deveria continuar a evitar fazer uma autocrítica acerca do Iraque».
E continua dizendo que, pese o facto de os críticos de hoje terem sido em geral opositores ao envio de tropas para o Iraque à época, hoje, «mesmo se apenas alguns ousam dizê-lo em voz alta… a vasta maioria do PP admite em privado que Aznar cometeu um erro. Com o seu zelo de fazer da Espanha um país mais atlantista, confiando cegamente em Bush, só conseguiu alimentar o anti-americanismo primário de uma parte da sociedade espanhola e negligenciar as consequências que isso teria na política interna que, como o mostra o novo governo (PSOE), exigia mais cuidado com a nossa projecção no estrangeiro».
Algumas horas depois da publicação do artigo de Garzón no El Pais, o secretário de organização do PSOE, José Blanco, declarava numa entrevista à Telecinco, que alguém teria de pagar as consequências da decisão de invadir o Iraque. E se Bush, Blair e Aznar fossem considerados legalmente responsáveis, então ele estaria de acordo com isso.
______
[1] Foram introduzidas algumas alterações a esta tradução após confronto de algumas passagens com o original em inglês (n. IA).
Vicky Short
WSWS; retirado de TMI-AP [1]
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo222.htm
Sem comentários:
Enviar um comentário