A notícia de hoje do Diário de Notícias, “Formação dos Pais Decisiva no Sucesso Escolar dos Filhos”, torna mais plausível a hipótese de que a política educativa promovida ao longo das últimas décadas no nosso país é socialmente discriminatória: favorece as crianças de classes culturalmente favorecidas.
Como se faz tal favorecimento? Como foi defendido neste blog, essa discriminação faz-se baixando os padrões de exigência cognitiva nas escolas, eliminando exames nacionais e conteúdos cognitivos sólidos dos programas, eliminando as disciplinas centrais do conhecimento e substituindo-as por vacuidades vagamente relacionadas com a “cidadania” e brincadeiras que os próprios estudantes desprezam.
Isto pode parecer paradoxal. Mas se a escola deixa de ser cognitivamente exigente e em vez de ensinar matemática a sério ensina brincadeiras vácuas, os estudantes culturalmente carenciados nunca irão contactar com a matemática a sério — mas os outros contactam, claro. Até porque os outros frequentam muitas vezes os melhores colégios privados, ou escolas de excelência, no centro das cidades, que os estudantes culturalmente carenciados não podem frequentar. Quando o sistema educativo em si não é exigente, coloca os estudantes culturalmente mais carenciados em desvantagem relativamente aos estudantes que têm acesso ao ensino de alta qualidade, ao estímulo cognitivo que resulta de um ambiente familiar onde há livros, articulação de ideias, estudo e valorização da escola e do conhecimento.
Para se compreender a mentalidade pedagógica que tem regulado a política educativa nacional é preciso compreender a crença errada que tem animado a sua perniciosa acção ao longo de décadas. Essa crença é de tal forma escandalosamente falsa, que basta formulá-la claramente para toda a gente a negar. A crença é que os filhos das famílias culturalmente carenciadas têm intrinsecamente menos talentos e interesses cognitivos do que os outros. Além de falsa, esta crença é eticamente repugnante porque é “classista”: é ter a crença de que certas classes sociais têm geneticamente mais capacidades cognitivas do que outras.
É esta crença falsa e eticamente inaceitável que explica a ideia querida do “eduquês” nacional: para combater o insucesso escolar, provocado pela massificação do ensino, é preciso baixar os padrões, porque os pobres que invadiram a escola, que era coutada dos ricos, são estúpidos. Não ocorre aos responsáveis pelas políticas educativas dos diferentes ministérios que o problema é a escola não saber ensinar quem não vem ensinado de casa. Não lhes ocorre porque têm a crença de que tais crianças não são genuinamente ensináveis por causa das suas limitações cognitivas. Filho de cigano, de pobre, de negro ou de seja quem for que não tem uma licenciatura não tem talento cognitivo para se interessar pela física quântica nem pela música clássica e por isso nem vale a pena a escola promover tais coisas. E assim se vai desperdiçando talentos que, geneticamente, não escolhem classes sociais.
Desidério Murcho
http://dererummundi.blogspot.com/
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