É lugar comum dizer-se que o ser humano é um animal racional, mas a verdade é que nascemos bastante irracionais. Bruce Hood, professor de Psicologia Experimental na Universidade de Bristol, Inglaterra, apresentou esta semana numa conferência do Edinburgh International Science Festival, os resultados dos seus trabalhos sobre o que chamou o “sentido do sobrenatural”. A sua conclusão é que o sobrenatural é natural, isto é, que nascemos com disposição para acreditar em “explicações” que nada têm de científico, não verificadas usando o método científico. E conservamos, embora minoradas, esse tipo de crenças pela vida fora… Tal atitude pouco terá a ver com religião, uma vez que a adesão ao sobrenatural tanto se encontra em pessoas das mais variadas religiões como em pessoas sem religião nenhuma.
De facto, investigações recentes do desenvolvimento cognitivo, com base nas neurociências, indicam que o nosso cérebro é, à partida, pouco racional. Por exemplo, ele procura ver padrões onde só existe acaso. E procura dar sentido aquilo que são apenas coincidências. Já o filósofo escocês (precisamente de Edimburgo) David Hume dizia: “Vemos caras na Lua e exércitos nas nuvens” (“História Natural da Religião”, 1757). Mais ainda, temos tendência inata para acreditar que o que está antes num sítio é a causa do que aí aparece depois, mesmo quando as duas coisas não têm qualquer nexo causal. E pensamos também que os objectos podem ter uma aura, por exemplo que um objecto ligado a uma pessoa que conhecemos é diferente de um objecto igual que não tenha nada a ver com ela.
Mas a conclusão mais curiosa de Hood é que todas as crianças são criacionistas, no sentido em que julgam que os objectos à sua volta foram criados por alguém com um certo propósito. Esta ideia não tem que ver com a influência da catequese, pois os testes efectuados com crianças pequenas não mostram distinção entre quem teve e quem não teve educação religiosa. Além disso, o criador não tem necessariamente de ser único nem exterior ao mundo. Mas ela sugere fortemente que há uma tendência natural para acreditar em Deus. E vem ao encontro da tese exposta em livros recentes pelo filósofo norte-americano Daniel Dennett e pelo biólogo inglês Lewis Wolpert, que atribuem a causas naturais o fenómeno religioso. Para esses autores, a fé em Deus terá sido uma vantagem competitiva no longo processo da evolução humana.
Há adultos que também são criacionistas: de acordo com a explicação natural do sobrenatural não terão crescido o suficiente… Uma crença muito difundida é a de que todo o Universo teria sido criado, mais ou menos como é hoje, por intervenção divina, num “acto único” ou quase único. Nos Estados Unidos, há quem queira equiparar essa crença criacionista – que aparece sob o nome de “design inteligente” - a uma teoria científica, chegando ao cúmulo de a querer incluir nas aulas de ciências, como alternativa ao evolucionismo. Quem quer isso não apenas está a recusar a ciência como, pior, pretende instaurar uma sociedade teocrática.
Pois esse movimento, profundamente anti-científico e com uma agenda político-religiosa, parece ter chegado a Portugal. Um colóquio realizado há poucas semanas na Universidade de Lisboa intitulava-se “Darwinismo versus Criacionismo”, colocando a par duas coisas que não são equiparáveis. “De Rerum Natura”, o novo blogue convidado do Público (http://dererummundi.blogspot.com), tem criticado as ideias criacionistas que, embora de uma forma incipiente, se têm propagado entre nós. Claro que essa defesa da ciência contra a pseudociência não é uma posição contra a religião, uma vez que ciência e religião são domínios distintos, com metodologias e objectivos diversos. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus. De resto, muitas pessoas crentes não têm dúvidas sobre a validade da extraordinária doutrina de Darwin. Se o sobrenatural é natural, o natural é-o muito mais!
Carlos Fiolhais
http://dererummundi.blogspot.com/
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