segunda-feira, abril 02, 2007

O urânio e a guerra

Os efeitos das armas com urânio empobrecido usadas no Iraque

Dentro de cinco mil milhões de anos o nosso Sol explodirá tornando-se uma estrela anã branca e isto abrangerá a Terra, segundo projecções da NASA.

A meia vida do urânio é de 4,5 mil milhões de anos.

Isto significa que no momento em que a Terra deixar de ser um planeta, apenas pouco mais da metade do urânio empobrecido (depleted uranium, DU) que o Exército dos Estados Unidos está a despejar no Iraque e em outros países por todo o mundo terá desaparecido. O resto do material radioactivo estará ainda a envenenar o povo iraquiano.

O U.S. Army revelou em Março de 2003 que despejará de 320 a 390 toneladas de DU durante a Guerra do Golfo — a primeira vez que este material foi alguma vez utilizado em combate — e estima-se que mais ainda foi despejado durante a actual invasão, embora ainda não haja contagem oficial.

As munições de urânio empobrecido são extremamente densas, tóxicas e moderadamente radioactivas. E apesar da evidência crescente de que o DU afecta negativamente a saúde dos combatentes e dos civis, a sua utilização está a aumentar.

As ocorrências naturais de urânio têm três formas: urânio 235, 234 e 238. Mais de 99 por cento do urânio da Terra é 238. O urânio 238 é muito menos radioactivo do que o urânio 235, razão porque este leva tanto tempo para decair.

As armas nucleares e as centrais nucleares exigem urânio altamente radioactivo, de modo que o 238 é removido do urânio natural por um processo conhecido como enriquecimento. O urânio empobrecido é o sub-produto do processo de enriquecimento do urânio.

Uma vez que a maior parte do urânio natural é 238 — o qual é quase inútil para a fabricação de armas nucleares e para a utilização em centrais — as fábricas de urânio enriquecido ficam com grandes quantidades de urânio 238, ou DU. De acordo com uma estimativa do grupo Nukewatch, do Kansas, os Estados Unidos têm mais de mil milhões de libras (453.592 toneladas) nos seus stocks. Este produto tem o dobro da densidade do chumbo e é mais tóxico do que este. O DU é utilizado para fabricar numerosos sistemas de sarmas, desde cobertura de bombas até balas e armaduras de tanques. As munições DU habitualmente são chamadas "Penetrators", como testemunho da densidade do material.

EFEITOS EM COMBATE

O urânio empobrecido foi um importante tópico de discussão durante o fórum de 24 de Fevereiro na Universidade da Califórnia, campus de Santa Cruz, com oradores do Iraq Veterans Against War (IVAW). O painel era constituído por cinco membros do IVAW, secção de Olympia, Washington, que visitaram Santa Cruz como parte de uma ronda de discursos na costa ocidental.

Joe Hatcher, membro da IVAW que serviu no Iraque com a 4ª Brigada de Cavalaria do Exército entre Fevereiro de 2004 e Março de 2005, descreveu a realidade da utilização do DU sobre o terreno.

"Durante a nossa invasão de Bassorá, recebi um telefonema da equipe Bravo, que estava do outro lado da cidade", recorda Hatcher. "Eles disseram: 'parem de disparar, as balas DU estão a vir para cima de nós'. Nossas balas estavam a atravessar toda a cidade e atingiam o outro lado. Mantenham em mente que Bassorá é uma cidade com cerca de 2,5 milhões de pessoas" (mais de três vezes a população de San Francisco).

Hatcher continuou: "Se posso disparar uma bala para uma casa de barro, e isto verificou-se aos milhares, então não é de admirar que haja tantos civis mortos".

Um estudo da John Hopkins publicado em Outubro de 2006 situava o total de mortes iraquianas durante o período da ocupação americana em 655 mil, aproximadamente uma em cada 40 pessoas no Iraque — devido em parte à utilização de munições DU.

A Royal Society, eminente organização científica britânica, efectuou o que muitos consideram ser o estudo independente definitivo do DU em tempo de guerra. O estudo descobriu que a poeira radioactiva que uma bala DU cria sobre o ponto de impacto pode viajar mais de 26 milhas (41, 8 km). Ali também se observa que quando uma bala fabricada com DU atinge um alvo, ela explode com níveis de calor superiores a 6000º Celsius.

Além da destruição física provocada pelas balas DU, o seu impacto sobre a saúde tanto dos soldados como dos cidadãos é motivo de preocupação.

Tom Cassidy, membro do IVAW que serviu no Iraque de 2003 a 2005 na 1ª Divisão de Cavalaria, também falou dos perigos da radiação nuclear das balas DU.

"Após a primeira Guerra do Golfo, o nível de radiação era 300 vezes aquele que é considerado normal", disse Cassidy. "Nesta invasão utilizámos ainda mais balas DU. Os efeitos ali são horríveis".

Joe Hatcher explicou que lidar com material nuclear radioactivo no Iraque era habitualmente considerado como parte das tarefas a cumprir.

"Antes de voltar para casa no meu último período de dever, fui designado para limpara os camiões que havíamos utilizado, porque tal como estavam não cumpririam os padrões ambientais quando viessem para a Alemanha devido a radiação que continham", disse Hatcher. "Contei isso a pessoas aqui na América, e muitas vezes elas ficam fora de si, mas lá isto era apenas normal, apenas uma outra tarefa".

Kate Flanagan, responsável pelo departamento de estudos feministas da UCSC e organizadora do evento, discutiu a importância de elevar o nível de consciência quanto ao DU.

"O urânio empobrecido é apenas um factor em todo o complexo industrial militar, embora particularmente perigoso", disse Flanagan. "O único meio de travar o urânio empobrecido e cessar a guerra".

EFEITOS SOBRE A SAÚDE

Hatcher e os seus camaradas do IVAW acreditam que as suas experiências na Guerra do Golfo foram o princípio daquilo que virá a ser um problema de saúde a longo prazo na região.

Dennis Kyne serviu a 18ª Divisão Aerotransportada do Exército Americano durante 15 anos como oficial não comissionado e sargento instrutor durante a Tempestado do Deserto. Kyne dedicou grande parte do seu tempo, desde o seu serviço na primeira Guerra do Golfo, a investigar a utilização do DU e os seus efeitos sobre soldados e civis. Uma das queixas mais imediatas de Kyne é quanto ao teste efectuado nos soldados que retornaram do Kuwait.

"Depois de retornar do Tempestade no Deserto, fui colocado num dos numerosos grupos de estudo cheio de veteranos [do exército] — o meu era para radiação ionizante. Em 1995 foi compensado por doença não diagnosticada", disse Kyne.

Segundo uma audição no Congresso da Comissão de Benefícios por Incapacidade de Veteranos, mais de meio milhão de veteranos sofrem de doenças não diagnosticadas, as quais podem ou não ser devidas à radiação. A doença da radiação é considerada por alguns investigadores como a principal causa da síndrome da Guerra do Golfo — uma doença que envolve o enfraquecimento do sistema imunitário que muitos veteranos da Guerra do Golfo têm relatado.

Kyne transformou suas experiências pessoais numa agenda pública. Escreveu dois livros sobre o DU e os seus feitos, um certo número de artigos, incluindo um intitulado "Aconteça o que acontecer ao paradigma do tubo de teste" publicado em primeiro lugar no San Francisco Bayview em Fevereiro de 2005, que foi um dos primeiros a trazer à luz do dia as questões do DU. Ele foi entrevistado em documentários, shows de TV e de rádio, incluindo Nightline e NPR. Recentemente concorreu à câmara muncipal da sua cidade natal, San José, numa candidatura pacifista. E tudo aponta para o DU.

A investigação da Royal Society quanto à utilização do DU em tempo de guerra descobriu que havia uma possibilidade de que soldados que tenham estado na estreita proximidade de munições DU corressem o dobro do risco de morte por câncer pulmonar do que aqueles que não estiveram. Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) não se tenha manifestado contra a utilização de munições DU, o seu sítio web declara que "o comportamento do DU no corpo é idêntico àquele do urânio natural".

Roberto Gwiazda, um investigador do Departamento de Toxicologia Ambiental da UCSC, foi o investigador principal num projecto que examinou o nível de urânio em veteranos da Guerra do Golfo, incluindo aqueles que haviam sido feridos por estilhaços de material radioactivo. Todos estes incidentes foram de fogo amistoso, pois os Estados Unidos são o único país do mundo que utilizam bombas DU.

"Daqueles com ferimentos por estilhaços radioactivos, todos tinham níveis significativos de urânio na sua urina sete a nove anos após a explosão", disse Gwiazda. "Daqueles que apenas inalaram o urânio incendiário, um número estatisticamente significativo também tinha altos níveis de urânio".

Um estudo efectuado pelo Pentágono em 2002 previa que "todo futuro campo de batalha será contaminado" com DU. O facto de que a poeira radioactiva da explosão de uma bala possa espalhar-se cerca de 30 milhas (48 km) significa que o raio de contaminação que cerca um campo de batalha pode ser vasto. Além disso, a OMS relata sobre os estados do DU: "Ao longo dos dias e anos que se seguem [ao DU], a contaminação normalmente é dispersada no ambiente natural mais vasto através do vento e da chuva. Pessoas a viverem ou trabalharem em áreas afectadas podem inalar poeiras contaminadas ou consumir alimentos ou água contaminada".

Os manuais de treino do Exército informam o pessoal militar americano de que a contaminação por DU torna o alimento ou a água inseguros para consumo.

Enquanto os soldados não têm de continuar a viver nas áreas contaminadas durante o resto das suas vidas, as pessoas que vivem no Iraque não são tão felizes. Tom Engleart, outro orador do IVAW, recordou a alta taxa de complicações com nascimentos desde que começou a ocupação e a utilização do DU.

"Não chamo defeitos de nascimento ao que está a acontecer", disse Englehart. "Houve defeitos após a primeira Guerra do Golfo, um bocado deles. Mas agora há uma ascensão maciça de abortos e natimortos. Eles são simplesmente massas de carne sem qualquer forma".

Informação actualizada sobre a saúde do Iraque é difícil de obter. Mas um relato de Novembro do Al-jazeera concluía que "A taxa de câncer no Iraque aumentou dez vezes, e o número de defeitos de nascimento multiplicou-se cinco vezes desde a guerra de 1991. Acredita-se que o aumento seja devido ao urânio empobrecido".

O FUTURO

A Alliant Techsystems (ATK) é o maior produtor de armamento com urânio empobrecido. Enquanto a maior parte dos fabricantes de armas utiliza o DU para a blindagem de tanques, as munições DU produzidas pela ATK são mais controversas. A ATK obteve contratos das Forças Armadas dos EUA que totalizam US$ 52 milhões só no mês passado, segundo o seu sítio web. Bryuce Hallowell explicou os argumentos da ATK para produzir armas DU.

"Queremos fabricar as melhores armas possíveis para o U.S. Army", disse Hallowell. "Não queremos uma luta justa. Queremos que o exército seja capaz de travar combate com o inimigo a longas distâncias e removê-lo".

Dave Hansen, membro do grupo activista Alliant Action , ajuda a organizar vigílias semanais na sede da ATK em protesto pela produção de DU da companhia. Embora as vigílias tenham decorrido ao longo de uma década, segundo Hansen ainda não há sinais de que a produção da companhia esteja a diminuir.

"Tem havido vigílias semanais desde há dez anos, bem como actos de desobediência civil", informou Hansen. "É um longo tempo, sem resultados para mostrar. Mas o movimento está a crescer, o que é uma boa notícia".

Mas o movimento de Hansen não é só para impedir a produção de armas radioactivas. Mesmo se a campanha da Alliant Action para acabar com a produção de munições DU tivesse êxito, centenas de toneladas de material radioactivo ainda estariam disseminados por todo o globo.

Esta realidade não é um quadro de esperança para Kate Flanagan. Tal como ela afirmou, "no que se refere ao DU, não há muita esperança".
John Williams
http://resistir.info/

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