Enquanto ia hoje acabando o texto de um compromisso já demasiado atrasado, decidi ir espreitar a documentação do projecto Novas Oportunidades, esse enorme balde para os últimos fundos comunitários europeus, que me parece vir a ter uns furos de dimensão muito desproporcionada para o escoamento dos ditos, com o aparato burocrático a sorver certamente o maior quinhão.
A documentação essencial encontra-se disponível aqui, onde se disponibilizam diversos materiais para a orientação de formadores, formandos e instituições. Afirmando a propaganda que esta é uma iniciativa destinada principalmente à (re)qualificação da população activa portuguesa numa perspectiva de estreita ligação ao mundo do trabalho, inspirado no exemplo e prática do conceito anglo-saxónico de lifelong learning, estava longe de pensar que viria encontrar alguns nacos do mais delicioso eduquês, estilo portuguese very light dos últimos anos.
Se no ensino regular o discurso em torno das competências ainda é apanágio forte da documentação relativa aos três ciclos do Ensino Básico, estando um pouco mais esbatido no Ensino Secundário, no caso do programa Novas Oportunidadesele espraia-se de forma profusa pelo que será a formação de nível pós-básico. Veja-se a esse propósito o documento Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos,assim como um outro com o respectivo Guia de Operacionalização, que estão repletos de passagens que julgo não terem sido ainda lidas por Nuno Crato, porque se assim fosse teríamos por aí nova obra polemizante.
É que se o chamado eduquês, em especial nas suas versões mais simplistas, foi ficando algo desacreditado nos últimos tempos em matéria de referencial para o discurso educacional, ao que parece isso foi compensado por uma entrada em peso e de forma avassaladora no universo, agora bem rentável, da Formação Profissional. Os documentos em causa, mas não só, parecem uma manta de retalhos do que de mais balofo o eduquêstem para oferecer sendo que, como já acima referi, isto é tanto mais incongruente quanto a iniciativa pretende estar vocacionada para a vida prática. Eu sei que os documentos em causa não são dirigidos aos formandos, mas que são textos de exposição dos referenciais conceptuaise de proposta de operacionalização, mas mesmo assim são de uma extrema vacuidade. Mas eu exemplifico com algumas passagens que estão longe de esgotar todo o rico manancial existente.
Agora já temos para além de competências, as competências-chave, sendo aquelas uma «combinatória [sic] de capacidades, conhecimentos, aptidões», etc, etc. Para começar não poderia haver melhor. Mas continua em crescendo, em especial quando se passa para a forma como se reconhecem e validam competências (p. 17).
Todo este parágrafo é um verdadeiro mimo. E como já acima disse, é impossível dar conta de toda a cascata de enfoques e processos inter e intra-relacionais que se vão descobrindo a cada página. E então quando a coisa se transforma em representações gráficas, ganhamos toda uma dimensão estética, acho que talvez intersubjectiva. Ou será intra?Mas se pensam que isto é apenas porque o documento é apenas de índole teórica, o que acham da forma como no guia de operacionalização se definem «os elementos comuns e transversais às Áreas do referencial»? Deixo-vos aqui com o quadro-síntese da página 19 e não digam que não gosto de vos presentear com o que de melhor podemos ter em matéria de discurso educacional esvaziado de conteúdo e/ou completamente a leste da situação concreta que lhe serve de pretexto.
Mas eu acho - e recomendo vivamente - que tudo isto seja observado de perto, descarregado e lido com toda a calma e atenção que merece toda a obra de alta comédia de outrora, tipo P.G. Woodehouse ou Jerome K. Jerome. Porque há prazeres que devem ser saboreados com todas as condições e conforto, para melhor revelarem todos os seus cambiantes.
Se isto tem algo vagamente a ver com a requalificação profissional dos portugueses é toda uma outra conversa.
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